O BURACO (2012)

O BURACO

PERSONAGENS
Lúcio
Tíbio
Alípio

Os três personagens apresentam-se com poses; fotografias. Tudo um tanto tosco e canastrão. Eles recitam sem ânimo.

TODOS
Como começar?
(pigarro)
“Ter um dia mais feliz
Só um dia mais feliz
Bem feliz e bem feliz
Nunca mais vou ser feliz

Só um dia ser feliz
Um feliz que é só feliz
Tão feliz, assim que eu fiz, feliz
Sou feliz, feliz eu sou

Sou feliz, feliz eu sou
Ser feliz, eu tento, eu vou
Nunca mais serei feliz
Quando o mundo já descobrir que a fita é bem mais pra baixo nessa porra louquice que é essa merda de conceitos ridículos. Todos os problemas que existe nesse planeta curioso vem de um conceito mal cagado.

(inicia-se um jogral mal formulado; um formal forçado)

LÚCIO
Essa história não vai ser a das mais simples de entender/Não vai ser feliz assim, não vai dar pra se render/ Nunca lágrima preparar; e nem lástima estimar-nos irá/Penso apenas em contar o que deve duvidar/ Não adiante uma póstuma presença imaginária.

TÍBIO
Não iremos alegrar com músicas dessa vez, nem criar ilusões teatrais/O que simplesmente acontece, é o que simplesmente deveria acontecer/ Não existe enganar/O que é, é/O que não é... palmas para isso (ele aplaude e força a plateia a acompanha-lo)

LÚCIO
Não chore, não ria, não tussa.

ALÍPIO
Desligue os celulares e atenção aos extintores/ Se pegar fogo, conseguimos atingir o ponto/ Dá medo de pensar que a coisa vire uma geladeira mais uma vez.

LÚCIO
Por favor, não fique de bobeira/ Vamos contar até cem. (ele conta)

ALÍPIO
Oh, vida dependente de aplausos. Oh, vida masturbante!

TÍBIO
E nem pense que agora somos reis/ Que eu me destaco/ Simples demais, tudo junto é nosso jogo/ É pobre... psicólogos... não existe nada.

ALÍPIO
Tente distanciar-nos/ E aproximarmos/Mas essa parede existe sim, porra!/Eu confirmo.

TÍBIO
Eu juro, juríssimo!

ALÍPIO
Às vezes.

LÚCIO
Eu odeio poesia.

ALÍPIO
Às vezes.

LÚCIO
Odeio o intelectual careta.

(eles se olham e riem por alguns segundos)

(silêncio; longo silêncio)

(Lúcio observa algo no céu; os outros continuam distraídos com nada)

LÚCIO
Que merda é aquela?

ALÍPIO
O que?

LÚCIO
Olhem pra cima! Meu deus!

ALÍPIO e TÍBIO
Pra cima?

LÚCIO
Tão vendo?

ALÍPIO
Caramba, o que é aquilo?

TÍBIO
Onde, gente?

ALÍPIO
Ali, ó. Meu deus.

LÚCIO
Meu deus.

ALÍPIO
Cacete!

LÚCIO
Cacete! Meu deus!

TÍBIO
Não tô vendo. Por que só eu não vejo?

LÚCIO
Ali, Tíbio! Tá cego?

ALÍPIO
Vê?

TÍBIO
Não. Ah, agora eu vejo. Meu deus. Tá caindo?

ALÍPIO
Tá descendo, parece.

LÚCIO
Descendo? É gente?

ALÍPIO
Quem sabe?

TÍBIO
Meu deus. Não tinha pensado nessa possibilidade.

LÚCIO
De ser gente?

TÍBIO
De que algo pudesse descer. Pior ainda se for gente!

ALÍPIO
Preferiria uma queda?

TÍBIO
Como é que é?

LÚCIO
Prefere que estivesse caindo? O bagulho.

TÍBIO
Eu preferiria que não estivesse se aproximando. Dá um medo, não dá? Não dá, gente?

ALÍPIO
Medo?

TÍBIO
Medo. Medo pra caralho.

ALÍPIO
Explique-se melhor.

(pausa)

TÍBIO
Como assim “explique-se melhor”?

LÚCIO
Nós não entendemos, entende? A equivalência dessa palavra.

TÍBIO
Ora, vocês não sabem o que é medo?

ALÍPIO
Claro que sim, tonto. Todo mundo sabe.

TÍBIO
Então.

LÚCIO
Na teoria.

ALÍPIO
Explique-se direito.

TÍBIO
Caramba.

LÚCIO
É. Uma explicação direita.

TÍBIO
Bom, eu estava querendo dizer que... que... (pausa) Bom, medo é quando... quando é quando...

ALÍPIO
Vai, cara.

TÍBIO
Medo é tipo um sentimento, entendem?

ALÍPIO
(óbvio) Ah, vá!

TÍBIO
Caramba, cara. Eu tô tentando. É quando a gente se sente incomodado com algo.

LÚCIO
Mas incomodado por que?

TÍBIO
Porque você provavelmente vai estar com medo dessa tal coisa.

ALÍPIO
Aí é que está, cara!

LÚCIO
O que?

ALÍPIO
Eu quero saber ao pé-da-letra, otário!

TÍBIO
Depois a gente vê num dicionário. Agora deixa eu.

LÚCIO
De novo, meu?

ALÍPIO
Ramelão.

TÍBIO
Não sou, não!

LÚCIO
Por que é que começamos com poesia toda santa vez?

TÍBIO
Como é que é?

LÚCIO
Poesia. Toda vez que começamos essa porcaria começamos com rima.

ALÍPIO
Dá uma cara de inteligente.

TÍBIO
Meu, você mudou totalmente o assunto.

ALÍPIO
E o bagulho ainda está caindo.

LÚCIO
Nem fale. Meu deus, eu cago de medo.

(Lúcio e Tíbio se olham)

TÍBIO
Entende agora? Medo é foda, cara. Você entendeu o que eu queria dizer? (procura) Cadê o dicionário? Agora vale a pena discutir.

LÚCIO
Sim. Talvez seja a primeira vez, né?

ALÍPIO
A primeira vez de que?

LÚCIO
De que nós dois nos entendemos?

ALÍPIO
Nós dois?

LÚCIO
Não. Nós dois.

TÍBIO
Vocês vão querer que eu continue com a explicação?

LÚCIO
Eu tô de boa. Já consigo senti-lo. No necessito de mas.

TÍBIO
Talvez ele necessita. Já sente medo, Alípio?

ALÍPIO
Ainda não. Espere um pouco.

(Tíbio continua a procurar a palavra; Alípio observa o objeto que se aproxima do alto; Lúcio acompanha um pouco das outras ações; os três regem algum barulho com o roçar das roupas, com o barulho da língua, com as páginas do dicionário, com a respiração)

ALÍPIO
Caramba. Talvez eu seja um corajoso sem fim.

LÚCIO
Hã?

ALÍPIO
Nada, nada me dá medo. Sou corajoso sem fim.

LÚCIO
Não ria, ria tão cedo. Explique direito pra mim. (à parte) Rima. Bosta.

ALÍPIO
Não sinto esse medo. Não sinto. Eu sou uma hiena.

TÍBIO
Como não? Olhe pra cima! Tá chegando mais perto! Não sabemos o que é. Pode ser qualquer merda de qualquer coisa. (continua a procura)

LÚCIO
Tá caindo, não tá descendo. Tá caindo, gente! Tá caindo! É um meteoro!

ALÍPIO
Caindo?

LÚCIO
É. Não é uma nave.

ALÍPIO
(treme) Cacete.

(silêncio; Lúcio e Tíbio olham para Alípio)

LÚCIO
Agora sim! Agora sim!

TÍBIO
Agora sim o que?

LÚCIO
Foi medo, não foi?

ALÍPIO
O que?

LÚCIO
Foi medo essa sua última expressão?

ALÍPIO
Eu não tô entendendo.

TÍBIO
Ele tá perguntando se o “cacete” que você disse foi tipo uma expressão de medo. Qual era mesmo a palavra que eu tava procurando?

ALÍPIO
Medo. Espere um pouco. (ele pensa) Medo. Caramba. O difícil de tudo isso é unir o nome ao sentimento, entende?

LÚCIO
Como assim? Explique-se melhor. Gostei desse assunto.

TÍBIO
Calma. Eu não entendi.

LÚCIO
Ele vai explicar.

TÍBIO
Mas eu não entendi nada. Nem o começo.

ALÍPIO
Deixe quieto. Não vou ter cu pra conseguir desenvolver.

LÚCIO
Puta que o pariu. (declama canastrão) Me diz o que sentiu! Vai me deixar morrendo de sede? Os mistérios do azul anil. Não me prenda contra a parede. Tinha que ser no Brasil!

(silêncio)

LÚCIO
Caralho.

TÍBIO
Bebe água, cara.

LÚCIO
Você não entendeu. Vocês nunca entendem! É tão difícil de me entender? É tão difícil compreender? É tão difícil entender metáforas?

TÍBIO e ALÍPIO
(óbvios) É!

LÚCIO
É? Tanto?

ALÍPIO
Puta, tu não faz ideia.

TÍBIO
Pode crer.

LÚCIO
E agora, merda? Como é que seremos compreendidos pela classe mais importantemente destacada no crânio universal se não usarmos de metáforas?

TÍBIO
Como é que a galera toda vai se ligar que fita que tá acontecendo, se usarmos de metáforas?

(silêncio)

ALÍPIO
Agora deu medo.

LÚCIO
Puta que pariu! Você tem razão.

TÍBIO
Essa palavra é do caralho.

ALÍPIO
Meu deus.

TÍBIO
Achei!

LÚCIO
Vejam! Vejam! Está perto.

(todos olham para cima)

TÍBIO
Definitivamente. Está caindo.

ALÍPIO
É agora.

LÚCIO
É agora.

TÍBIO
Definitivamente. É agora.

(a coisa cai bem ao centro dos três; eles acompanham com o olhar; quase caem para trás)

(barulho; longo silêncio; os três estão assustados e curiosos)

ALÍPIO
Caramba. Fez um buraco.

LÚCIO
Que buracão, meu deus.

TÍBIO
Definitivamente. Um buraco grande.

(silêncio; eles observam o buraco de vários ângulos; ninguém tem coragem de tocar o buraco)

ALÍPIO
É fundo?

LÚCIO
Parece. (grita) Alô?

TÍBIO
(faz o eco) Alô, alô?

(Alípio e Lúcio olham para Tíbio sem entender)

ALÍPIO
(no buraco) Ei!

TÍBIO
Ei, ei!

LÚCIO
O que foi, cara?

TÍBIO
O que foi o que?

ALÍPIO
Por que tá repetindo o que a gente fala?

TÍBIO
Não era pra fazer efeito de eco?

ALÍPIO
Para de ser besta, cara. Você não entende? Não consegue compreender? Não consegue usar o cérebro que pai nosso que estais no céu te deu? A história começou. Um conflito já se estabeleceu. Temos que descobrir que merda é essa!

LÚCIO
Eu não quero descobrir coisa nenhuma! Eu não sou idiota! (vai sair)

TÍBIO
Calma, cara.

LÚCIO
Meu, essa coisa caiu do céu! Eu não quero tentar descobrir. Quem tenta descobrir morre primeiro. (vai sair)

TÍBIO
Calma, cara. Relaxa aí.

ALÍPIO
Pode ser a grande descoberta do século. Depois das redes sociais.

TÍBIO
Ou depois de Jesus, cara. Da tecnologia 3D, da câmera digital. Lembra? Já percebeu que a época que fez a transação do filme para o arquivo digital deixou um buraco fotográfico na nossa história. Foi uma época em que revelar fotos era caríssimo, e ter uma câmera digital era luxo para poucos. Então foi um tempo de poucas fotografias. (silêncio) E o teatro sempre se fudendo nessa merda.

ALÍPIO
É.

(silêncio)

LÚCIO
E quem foi que descobriu Jesus, meu amigo? Eu não entendi. Ninguém descobriu ele. Isso não foi uma descoberta do século.

ALÍPIO
É. Jesus não foi descoberto. Ele simplesmente aconteceu. E sobra-se somente o que acreditam ser do que ele realmente era.

TÍBIO
E agora eu te pergunto: quem foi que descobriu o Facebook? Quem? Eu que não fui. Vocês adoram colocar problemas nos assuntos dos outros.

LÚCIO
É foda botar modernidade em peça quando se busca atenção da inteligência. E ainda meter o nome de Jesus no meio.

TÍBIO
Pois eis a importância!

ALÍPIO
Uma prima que me falou do Face. A aí ela espalhou pra minha turma toda.

LÚCIO
A minha também, cara.

ALÍPIO
Ficou maior viciada e tinha oito anos. Lá em dois mil e cinco, dois mil e seis. Aí ela infectou a minha turma toda. Todo mundo teve que fazer, é como se não existisse se não tivesse.

TÍBIO
Calma. Ela era viciada e infectou o quê em quem?

ALÍPIO
Nossa! Caralho, cara. A minha prima passou o bagulho da rede pra todo mundo que eu conheço, entende? Começou assim com a minha turma. Ela achou num blog e me passou. Foi tipo o início de uma grande coisa, manja? Daí depois estourou e todo mundo fez também. Até minha vó tem. Minha prima é daquelas que manda correntes.

TÍBIO
Ah, sim. 

LÚCIO
A minha também, cara. Que maluquice.

TÍBIO
Sua prima também, cara? Que coisa estranha. A culpa é das primas filhas da putas, então. De tanta merda nesse mundo.

LÚCIO
Não. A prima dele infectou a minha turma também. Minha prima é evangélica, coitada, corrente é coisa de satã. Usa o Facebook pra defender o Feliciano e postar fotos do bebê horrível que ela teve com um machista bigodudo idiota. Desculpe, não é nada pessoal.

ALÍPIO
Tudo bem, eu não uso bigode. Já a minha é a maior interneteira do Brasil agora. Dizem que ganha dinheiro com uns vídeos mal produzidos sobre plantações de cogumelos...

TÍBIO
É uma safada, então. Quantos anos ela tem?

ALÍPIO
... e também faz uns vídeos recitando Clarice Lispector, às vezes cantando um som de Clarice Falcão, num fundo de Chroma key amassado, às vezes com o latido de um cachorro no fundo. A Tabata. Linda, grande. A cachorra. A minha prima chamava Clarice. Chama. Ela ainda não morreu.

TÍBIO
Cachorra mesmo.

LÚCIO
Lésbica, só pode.

ALÍPIO
Jesus, não diga uma coisa dessas. É minha prima, pô.

LÚCIO
Odeio sapatão. Sério. Pela burrice.

TÍBIO
Nunca quer dar pra gente. É um abuso. (pausa) Mas não tenho nada contra.

(longo silêncio)

ALÍPIO
Bosta de tecnologia.

LÚCIO
Bosta nada. Você não tá ligado. (tosco) Vida virtual é vida legal. No badoo – sabe o que é badoo? – eu sou loiro e tenho um metro e oitenta e um e tenho a profissão de cantor, graças a deus.

TÍBIO
Ai, que legal, Hanna Montana.

ALÍPIO
(gargalha) Boa...

LÚCIO
Vocês dois são patéticos.

ALÍPIO
Hanna Montana... (ri) foi boa... que besta.

TÍBIO
Valeu.

LÚCIO
Eu vou embora. Vocês nunca me entendem.

ALÍPIO
Mas e o buraco, Lúcio? O buraco, caralho! Ninguém aí falou mais nada nessa porra. Hein, Tíbio? Fala alguma coisa.

LÚCIO
O buraco que se foda! A gente preenche ele e pronto. Não é assim o fim? Pra que olhar.

TÍBIO
Ai, cale essa boca. “A gente preenche ele e pronto.” Pff... Fale por você.

ALÍPIO
Temos que fazer alguma coisa.

TÍBIO
Eu pulo lá dentro. Perdi o medo momentaneamente. Vê? Quem é o corajoso sem fim?

ALÍPIO
Então vai, fodão.

LÚCIO
Você pirou? E se for um alienígena? Isso veio do céu, cara. Lembre-se.

TÍBIO
Alienígena?

ALÍPIO
É só um buraco. Não tem nada aí.

LÚCIO
Todo buraco, pra existir, tem que ter alguma coisa em volta pra se chamar de buraco.

ALÍPIO
Ai, cale essa boca.

LÚCIO
Parem de me mandar calar a boca! É sério. Pra você pensar no nada, você obviamente precisará lembrar do tudo.

TÍBIO
Cacete. O medo voltou.

ALÍPIO
Medo filho da puta. Seja bravo como eu!

LÚCIO
Ué. Pula você, então!

ALÍPIO
Oi?

LÚCIO
Pula você.

ALÍPIO
É que...

TÍBIO
Eu pulo, vai.

ALÍPIO
Pronto.

LÚCIO
Ele tá querendo te usar, Tíbio.

ALÍPIO
Cale a boca!

(Lúcio pula no pescoço de Alípio; eles se xingam e rolam no chão; Tíbio separa-os com dificuldade)

LÚCIO
(com muito ódio) Só porque eu sou o mais novo aqui tenho que calar a boca? Digam argumentos! Não fiquem mandando calar a boca! Puta coisa chata!

TÍBIO
Vocês são fodas. Palhaçada isso, meu. Vamos logo descobrir que merda é essa que caiu.

LÚCIO
Não vai descobrir. Não tem o que descobrir. Porque não significa nada.

ALÍPIO
E pra que serve?

TÍBIO
Punhetação artística.

ALÍPIO
Isso é uma merda. Bosta.

LÚCIO
Bosta. Eu quero ir embora. Vamos?

TÍBIO
Vamos.

LÚCIO
Sério?

TÍBIO
Sério. Eu vou com você. Também não aguento mais.

LÚCIO
Então, vamos.

TÍBIO
Sim.

(eles não se mexem; Alípio sai silencioso da cena)

LÚCIO e TÍBIO
Era tudo mais fácil quando não precisávamos perguntar/ Papai, mamãe, titia/ Sempre a ajudar/ Gente vinha e respondia/ Ou teimavam inventar/ Minha tia, minha irmã, minha sobrinha/ Eu sei que eu consigo apalpar e nunca mais ser alguém com possibilidade de compreensão.

(black-out)

1 - O BURACO DE ALÍPIO

(luz, Alípio está em um foco terminando de coar um café; Tíbio e Lúcio observam)

ALÍPIO
(devagar) Duas horas da manhã. Duas e meia. (pausa) Duas e trinte e três. (pausa) Aprendi a fazer um café num blog. (pausa) Primuda gostosa. Ô, menina tesuda. Faltou um chantilly. (ele serve o café em uma xícara; bebe) Delícia. (bebe) Mais ou menos. (bebe) Falta açúcar. (coloca mais açúcar)

TÍBIO e LÚCIO
(explicativos) Isso será um flashback. (voltam a assistir)

ALÍPIO
(bebe) Bom. (pausa) Sabem bem que existe um pouco de maldade no mundo. Sabem, né? Claro. É meio óbvio. Um pouco não! Um tanto. Maldade. Manja? Maldade é um bagulho sensacional. Ouvi dizer uma vez que...

TÍBIO e LÚCIO
Citação descarada.

ALÍPIO
... a bondade em um homem bom, acontece suave, numa sutileza que só a bondade pode proporcionar. Agora a maldade em um homem mal, arrebenta, numa estupidez maquiavélica rápida de corroer um coração. (pausa) Acontece que ora fazemos coisas boas, ora fazemos coisas ruins. Descobrimos a maldade pura quando colocamos as proporções em uma balança.

TÍBIO e LÚCIO
Por exemplo, se entre cinco pessoas três te dizer que você é um cuzão, provavelmente as outras duas só são fracas demais para dizer a verdade.

ALÍPIO
Acontece também, que às vezes pessoas ruins fazem coisas boas.

TÍBIO e LÚCIO
Não duvide que o vilão ame.

ALÍPIO
Talvez ele ame até mais. Um tanto a mais. Que ame tanto que às vezes faz cagada.

TÍBIO e LÚCIO
Então quer dizer que chegamos até aqui pra dizer que a culpa de tudo isso é o amor, seu filho da puta? Vai tomar no cu.

ALÍPIO
Quem tá dizendo sou eu. Vocês não precisam concordar. Foi o que eu posso dizer que aconteceu comigo.

TÍBIO e LÚCIO
Inocente é o caralho.

(Alípio bebe todo o café quente da jarra)

ALÍPIO
Agora eu tô ligado. Posso continuar. Duas e trinta e cinco da manhã. Internet é uma bosta fácil de arranjar hoje em dia. Um papo jogado fora é uma bosta fácil de arranjar hoje em dia. Sexo é uma bosta fácil de arranjar hoje em dia. O problema é quando você é despreparado para o mundo moderno.

(Alípio avista alguém)

ALÍPIO
Bêbado filho da puta! Você não entra mais em casa, seu lazarento! Vai ficar aí fora. Não vai entrar! Vai se fuder que eu não vou abrir! Pode arrebentar! Arrebenta, então! Eu quero ver! Pode chamar quem o senhor quiser! Eu tô me lixando. Mas aqui você não entra mais!

TÍBIO e LÚCIO
O pai dele é um alcóolatra vagabundo e xucro.

ALÍPIO
Você é um alcóolatra vagabundo e xucro! Vai se fuder! (explica para a plateia; calmo) No fim da noite minha mãe vai abrir o portão pra ele. Aí ele bate nela, come ela, e depois ela faz um rango pro filho da puta.

TÍBIO e LÚCIO
Cuidado!

ALÍPIO
O que foi?

TÍBIO e LÚCIO
Você quase caiu no buraco!

ALÍPIO
Putz, valeu. (ele observa o buraco) Eu sempre reclamei do macho ridículo que meu pai me ensinou. (imita) “Princesa! Pega uma pinguinha no porão. Já!”. Princesa, seu filho da mãe? Vai tomar no cu.

(ele liga um computador e vidra instantaneamente)

TÍBIO e LÚCIO
As definições de vírus foram atualizadas.

ALÍPIO
Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Buceta. Buceta. Buceta. Bucetão. Cu. Cu. Cu. Cu. Cu. Teta, teta, teta. Buceta. Buceta. Buceta. Achei! Caralho! Mas que coisa mais gostosa, meu deus! Play. Chupa gostoso, princesa. Chupa bem gostoso. (Alípio se masturba)

LÚCIO
Agora irei ler uma poesia enquanto aguardamos um gozo. (ele tira um papel do bolso; declama toscamente) Avião sem asa/Fogueira sem brasa/ Sou eu assim sem você/ Futebol sem bola/ Piu-Piu sem Frajola/ Sou eu assim sem você.

ALÍPIO
Pronto! Delícia de gozada.

TÍBIO
Aff.

ALÍPIO
Mas me parece que certas noites não são como a gente imaginou. Às vezes uma gozada só não é o suficiente. Tem vezes que necessitamos sentir o cheiro da mulher. O cheiro do suor e da lubrificação feminina.

(algo chama a atenção de Lúcio)

LÚCIO
Tá vindo gente ali.

TÍBIO
Onde?

LÚCIO
Ali, ó.

ALÍPIO
Eu tô vendo. Quem será?

TÍBIO
Caralho, por que só eu não vejo?

ALÍPIO
É uma mulher.

LÚCIO
Uma menina na verdade.

TÍBIO
Cadê gente? Vocês tão viajando.

LÚCIO
Faz parte do jogo, imbecil.

ALÍPIO
Uma menina? Ninfeta?

LÚCIO
Cale a boca, cara!

ALÍPIO
Não me mande calar a boca!

LÚCIO
Viu como é gostoso?

TÍBIO
É tipo pra gente imaginar?

ALÍPIO
Imaginar o que?

TÍBIO
A menina.

LÚCIO
É, imbecil.

TÍBIO
Ah, sim. (encena) Puxa vida! Caramba, tá vindo uma menina ali! Olha, é sua prima, Alípio.

ALÍPIO
O que?

TÍBIO
A menina. É aquela sua prima, sabe? Que faz uns vídeos e tals. Quantos anos ela tem?

LÚCIO
É mesmo. Bonitinha ela.

ALÍPIO
E o que ela está fazendo aqui?

TÍBIO
Não diga que é essa que você...

LÚCIO
Chiu! Não fale.

TÍBIO
Por que? É essa?

LÚCIO
É. Deixe ele contar.

(Lúcio e Tíbio observam a cena novamente)

ALÍPIO
Eram duas e trinta e oito da manhã.

TÍBIO
Trinta e nove!

ALÍPIO
Eram duas e trinta e nove da manhã. Eu tinha acabado de bater uma punheta assistindo um vídeo pornô. Eu sempre fui afim de ninfetinha, manja? E o pinto tem uma cabeça que não pensa muito direito. Vocês devem saber do que eu tô falando. O pinto é foda, cara. Meio que tem vida própria na vida real. (pausa) Eu já estava bem de boa no negócio. Já tinha gozado, tomado um café e já tinha partido pra parte do cigarro. Que é de praxe. (ele acende um cigarro) A menina, minha prima, era bem jovem ainda. Criança mas com um corpo de filha da puta. Super inteligente, a menina. Desse tamanho e já hackeava o quarteirão de casa. Descobriu o Facebook antes de todo mundo com oito anos de idade. E isso me dá um tesão. Mulher inteligente me dá um tesão. Ela tá com dezesseis agora. (pausa) Aqui em casa sempre tá cheio de gente. Tios, tias, irmãs, amigos, amigos de amigos, desconhecidos e etc. E sempre foi assim. Sempre churrasco e tudo mais. Perdi a minha virgindade com a prima evangélica dele, que inclusive faz sexo anal comigo uma vez por semana desde então...

TÍBIO e LÚCIO
Desembucha de uma vez, cara! Chegue ao ponto. Sua prima está aqui esperando.

LÚCIO
Encheção de linguiça é uma merda.

TÍBIO
Menos um ponto por enredo original. Dramaturgo filho da puta.

ALÍPIO
(direto) Bem, a menina acordou pra beber água, eu peguei ela pelo braço e enfiei meu pau na bunda dela. Sem ela querer. Tampando bem a boca dela com um guardanapo.

TÍBIO e LÚCIO
O pinto é foda.

ALÍPIO
Aí, quando ela fez dezoito anos ela me denunciou. Depois de dois anos do acontecido.

TÍBIO
Aí todo mundo ficou sabendo que ele já tinha abusado da irmã, abusado de uma vizinha, abusado de duas sobrinhas, abusado da prima dele...

LÚCIO
Não, com a minha prima era uma coisa mais retal mesmo.

TÍBIO
E, isso ninguém ficou sabendo, claro, abusado da própria mãe enquanto dormia.

LÚCIO
Caramba. Da própria mãe?

ALÍPIO
Eu só apalpei as tetas dela. Foi só isso. Mas ninguém saberia disso se isso fosse a vida real. Eu sou a única testemunha do acontecido. Vocês só sabem porque isso aqui é uma merda de uma encenação!

TÍBIO
Macho do tipo clássico. Que bate em viados, aposto!

ALÍPIO
Vai se fuder, cara. Quem foi que te disse isso? Hoje em dia tá foda ser reconhecido nisso, pô!

TÍBIO
Só ouvi falar.

LÚCIO
É sério? Bate em viados, filho da puta?

TÍBIO
Creio que sim.

LÚCIO
Se tem uma coisa que eu odeio além de sapatão é um cara machista.

ALÍPIO
Oras, e meu direito de opinar? Pra mim isso acaba com a moral e os bons costumes...

TÍBIO
Isso o que? Bater em viados?

ALÍPIO
Dar o cu, porra! Ali é pra sair.

TÍBIO
Ué. Mas você não come o cu da prima dele?

ALÍPIO
É diferente. Homem é homem, mulher é mulher.

LÚCIO
Pedófilo, machista, jumento e espancador de homossexual. É um puta de um personagem existencial. (explica) E por fim, foi descoberto um corpo de uma garota desaparecida há quase um mês. Com indícios claros de abuso sexual. E um sêmen dentro da boca dela. Foi fácil de encontrar o garanhão.

TÍBIO
Assassino também?

ALÍPIO
Ela ia contar. Todo mundo ia ficar sabendo.

TÍBIO
A menina? Meu deus! Você matou a menina? Ah, eu tinha me afeiçoado à ela. Todo mundo ficou sabendo, é?

ALÍPIO
Pois é. O pinto é foda. Recite uma poesia, pelo amor de deus.

LÚCIO
Você é um idiota.

ALÍPIO
E se eu te dissesse que eu amava todas elas? Poxa, eu amo minha mãe, lógico que amo! E eu sempre amei a Clarice! Sempre! Desde pequena. Desde criancinha quando eu carregava ela.

LÚCIO
Tesão é tesão, amor é amor.

TÍBIO
Nossa, você foi bem filho da puta.

ALÍPIO
Eu fui filho da puta? Eu fui filho da puta? Você também é um puta de um filho da puta!

TÍBIO
Eu? Ah, vá te catar!

ALÍPIO
Pensa que eu não sei?

TÍBIO
Sabe o que, cara? Não tem nada pra saber.

LÚCIO
Eu também sei dessa, Tíbio. Todo mundo tá sabendo.

(silêncio)

TÍBIO
Bosta de buraco.

(black-out)

LÚCIO e ALÍPIO
Vai cair! Cuidado, vai cair!

2 – O BURACO DE TÍBIO

(luz, Tíbio está chorando no telefone)

TÍBIO
Não. Ah, não. Não, não, não. Não faz isso. Não, mô. Não. Não faz isso, não. Mô. Não. Por favor, não faz isso comigo. Não, mô. Por favor. Mô. Me ouve. Não faz isso. Não, mô. Não. Não desligue. Mô. Por favor. Mô! Não desligue, por favor. Mô. Me ouve. Não faz isso. Mô! Mô? Bosta. (ele deságua como uma criança; grita surtado)

ALÍPIO e LÚCIO
A namorada dele acaba de mudar o status para solteira.

TÍBIO
Ela foi uma filha da puta! Não precisava ter feito isso.

ALÍPIO e LÚCIO
O que você faria se estivesse no lugar dela? Aceitaria de boa?

TÍBIO
(pensa) Eu...

ALÍPIO e LÚCIO
Não. Ele não aceitaria.

TÍBIO
A coisa toda começou alguns meses antes. Três meses e três dias. Não. Três meses e quatro dias. Cinco. Três meses e cinco dias. Isso. Nós havíamos brigado. Por bobeira, como sempre é. Ela queria saber por que diabos eu tinha ido dormir às quatro da manhã. Eu vou confessar: eu adoro sites de relacionamento. E eu fico me relacionando e batendo um papo virtualmente com um monte de mulher gostosa que curte mostrar a buceta a troco de nada, que às vezes pode até ser algum gordo viado com foto de modelo fingindo ser fêmea que eu me divirto. Com as coisas que é dito. Com as coisas que as pessoas curtem fazer. Eu não faço por maldade. Não tô procurando alguém pra me apaixonar. Eu amo minha mulher, entende? (pausa) Só que aí...

ALÍPIO e LÚCIO
Só que aí veio a parte chata. Certa vez ele se apaixonou.

TÍBIO
Não! Eu não me apaixonei. Eu não sou viado, cara! Quantas vezes eu vou ter que dizer isso?

ALÍPIO e LÚCIO
Vocês já podem imaginar o que deve ter acontecido.

TÍBIO
O pinto é um bagulho foda. Não tem muito que fazer quando é a hora dele agir. E é estritamente compreensível que algumas pessoas façam cagadas por ele. Eu te entendo, amigo.

ALÍPIO
Obrigado, viu.

TÍBIO
E voltando a falar de maldade, o bagulho é muito louco! A coisa toda é uma avacalhação, entende? Um dia você goza, o outro gozam em você. E boatos é uma coisa que meio que machuca, sabe? Um dia você tá no topo, todo gostosão, aí no outro, porque seu pinto disse “sim” a uma besteira, você tá totalmente fodido. E todo mundo tá sabendo.

ALÍPIO e LÚCIO
Resumindo: o filho da puta decidiu sair da regra, dos parâmetros, e marcou um encontro casual para rolar unicamente e, sem dúvida nenhuma, apenas sexo. Porém...

TÍBIO
Porém o caralho! Não existe porém. Eu não me apaixonei, porra! Por que vocês insistem nesta merda?

ALÍPIO e LÚCIO
Resumindo: o filho da puta virou viado e não teve coragem de assumir.

TÍBIO
Ninguém vira viado, cara. Que merda, meu!

ALÍPIO
A cagada então foi casar-se precipitadamente.

LÚCIO
Talvez. Você devia ter aceitado a vontade desde sempre. Teria sido mais fácil.

ALÍPIO
Ê, pinto filho da puta.

TÍBIO
Eu só queria uma gozada! Só isso. (ele liga um computador e vidra instantaneamente)

ALÍPIO e LÚCIO
Ele liga um computador e vidra instantaneamente.

TÍBIO
Sexo, sexo, sexo, sexo, sexo, sexo, sexo, sexo. Gozar, gozar, gozar, gozar, gozar. Gozar já! (procurando) Gatinha caliente. Juliana dá. Gordinha com cam. Menina dois mil e dose arroba. Safada agora. Lulu chupe-chupe. Hum. Lulu chupe-chupe. (explica) Trair é comer outra pessoa. Uma boquete é apenas um favor. É igual oferecer um copo de água.

ALÍPIO e LÚCIO
Resumindo: Tíbio, todo gostoso, marcou via badoo com Lulu chupe-chupe. Chegando no local, nosso querido Tíbio logo percebeu que Lulu não era abreviação de Luiza, ou Luana, ou muito menos de Luzia. Pensem em algo um pouco mais masculino.

TÍBIO
(alguém se apresenta para ele) Oi? Hã? (pausa) Você é Lulu? Eu pensei que... Não. Não tem nenhum problema, não.

ALÍPIO e LÚCIO
Nunca saia com alguém sem antes vê-la via webcam.

TÍBIO
Mas, então. É... Vamos deixar pra uma outra vez, pode ser? Não, cara. Eu nunca fiz esse tipo de coisa. Eu pensei que... Que é isso, cara? Imagina. Não. Olha, desculpa mesmo, viu. Mas... Eu sei, eu sei. Não, não. Não é igual, não. Eu sei que a boca é igual, mas você é homem, cara. Eu nunca... Eu tô ligado, cara. Tô ligado. Eu peço desculpas. (pausa) Eu sei, cara. Eu tô ligado. Mas... então, é que eu sou casado, entende? É. Nunca nem traí nem com outra mulher, cara. (ri) Tá bom. Não, cara. Nunca mesmo. Eu tô. Tava super afim sim, cara, mas é que... Não, cara. É foda. Melhor não. Não, não. Não. Deixe quieto.

ALÍPIO e LÚCIO
Depois de muito cu doce, Tíbio aceitou ser chupado por Lulu.

TÍBIO
Caralho, que delícia!

LÚCIO
Enquanto ele ilustra a chupeta, eu vou ler uma poesia de Vinicius de...

TÍBIO
Gozei. (pausa) Aí eu cheguei em casa e foi de boa. Ninguém nunca ficou sabendo. (pausa) É pra resumir?

ALÍPIO e LÚCIO
Por favor.

TÍBIO
Eu curti a chupada.

ALÍPIO e LÚCIO
Ele curtiu a chupada.

TÍBIO
A gente se encontrou outras vezes.

ALÍPIO e LÚCIO
Eles se encontraram outras vezes.

TÍBIO
E aí rolou mais.

ALÍPIO e LÚCIO
Muito mais. E sem camisinha.

TÍBIO
Eu comi aquele buraco apertado com gosto!

ALÍPIO
Que nojo, cara. Só de ouvir isso dá vontade de moer sua cara. Vire macho, bosta! Deus tá vendo toda essa porcaria, viu!

TÍBIO
E foi gostoso pra caralho! Eu queria comer toda hora, todo minuto! Eu queria estar com ele. Eu queria ficar com ele.

ALÍPIO e LÚCIO
Tíbio adorou comer Lulu chupe-chupe!

TÍBIO
Eu adorei comer Lulu chupe-chupe. Aí, alguns meses depois...

ALÍPIO
Três meses e cinco dias.

TÍBIO
Ela descobriu. Me abandonou e contou pra todo mundo via rede social. Todo mundo compartilhou. (ele vê no computador uma atualização) Filha da puta, desgraçada! Ai, meu deus! Perdão! Eu não acredito! Eu não acredito! E agora? E agora? Quem falou? Quem falou? Merda, merda, merda! Quem falou, caralho?

(Lúcio e Alípio encenam)

LÚCIO
Ficou sabendo, cara?

ALÍPIO
O que?

LÚCIO
Tíbio virou viado.

ALÍPIO
Que Tíbio?

LÚCIO
O Tíbio, porra.

ALÍPIO
Sério? É sério? Você tá brincando. O Tíbio, Tíbio?

LÚCIO
Pois é. A mulher dele se vingou e espalhou pra todo mundo. Não viu no Face?

ALÍPIO
Não. A gostosa?

LÚCIO
É.

ALÍPIO
Nossa.

LÚCIO
Fez uma faixa bem grande e pregou na frente da casa da mãe dele. “Meu marido Tíbio gosta de dar a bunda”. E postou uma foto da bunda dele que tem uma tatuagem de pimenta.

ALÍPIO
Não acredito. (gargalha)

TÍBIO
Eu não sou viado! Eu nunca dei a bunda e nunca vou dar! E a tatuagem foi coisas de ex-namoradas!

LÚCIO
Na bunda?

ALÍPIO e LÚCIO
Então nós nos perguntamos: cadê o buraco dessa história?

TÍBIO
Eu já disse que ninguém vai mexer nele nunca! E a tatuagem eu ainda vou cobrir uma passagem da bíblia, agora.

(silêncio; Tíbio se aproxima do buraco)

ALÍPIO e LÚCIO
Silêncio. Tíbio se aproxima do buraco.

TÍBIO
Eu matei ela. Eu matei minha mulher. E comi antes. Pra mostrar que eu não sou nenhum viado!

ALÍPIO e LÚCIO
O filho da puta matou e estuprou a própria esposa.

TÍBIO
Ex-esposa. Ela me largou. Foi por isso que eu... que eu... (ele chora)

LÚCIO
Não chora, cara. Tudo se resolve no final.

ALÍPIO
Curtimos linearidade apesar de tudo.

LÚCIO
É bom diversificar. A mistura estética é a coisa mais incrível.

TÍBIO
De que merda estão falando?

LÚCIO
Eu sei lá. Acho que esse buraco deve soltar alguma substância que faz a gente brisar.

ALÍPIO
Que coisa louca! (corre baforar o buraco)

TÍBIO
Eu fiquei com medo, entendem? Consegue entender? Eu caguei de medo do que os outros iriam dizer.

ALÍPIO
Medo é foda.

LÚCIO
Se é.

TÍBIO
Eu tinha que matá-la, não acham?

LÚCIO
Eu acho que você foi bem filho da puta. Podia ter largado dela antes.

TÍBIO
Mas eu amava ela! Eu amava!

LÚCIO
E quer amar duas pessoas de uma vez, cara?

TÍBIO
Eu não amava o Lulu, cara! Não amava!

ALÍPIO
Eu não posso falar nada.

TÍBIO
Eu curtia ser chupado. E só.

LÚCIO
Você comia ele mais de uma vez por semana. Isso foi o que disseram, né? Vai saber se não era o contrário.

TÍBIO
Agora você é juiz, é isso?

LÚCIO
Cara, e se você passasse alguma doença pra sua mulher? Isso é uma puta falta de responsabilidade!

TÍBIO
Chega dessa porcaria! Você não pode falar muito, não é?

LÚCIO
Eu? Olha, não começa.

TÍBIO
Você mesmo é um dos mais safados, não é?

LÚCIO
Eu? Fale. Como assim? Me explique.

(silêncio)

LÚCIO
Agora fale. Não tem, né? Eu nunca matei ninguém, nunca estuprei ninguém.

ALÍPIO
Será que ele é o exemplo da história?

TÍBIO
(surpreso) Cara, só você pode tapar esse buraco...

LÚCIO
Hã?

TÍBIO
É, cara, pense bem. Você é o único que nunca teve problemas.

LÚCIO
Também não é bem assim.

TÍBIO
Nunca matou ninguém, nunca fez maldade.

LÚCIO
Pode ser. Tive educação exemplar. Vovó era inteligente e espírita.

ALÍPIO
Sortudo.

LÚCIO
Mas isso não tem nada a....

TÍBIO
Pense, cara. Você está aqui para ilustrar um exemplo de ser humano perfeito.

ALÍPIO
É verdade, cara.

LÚCIO
O que? Vocês piraram? Eu não sou tão perfeito assim.

ALÍPIO
Para de ser teimoso.

TÍBIO
Entenda, cara. Talvez só você consiga desvendar esse grande mistério.

LÚCIO
Que mistério? Parem de viajar! Eu vou embora, gente. Cansei dessa babaquice. Vocês desabafaram, usaram de boa metáfora para brincar de inteligente, expuseram suas vidinhas ordinárias cheias de sangue e incrivelmente clichê, mas nada convenceu o estranho aparecimento dessa coisa que caiu – ou desceu, que se foda – e fez esse buraco esquisito e invisível para o público. Eu vou embora. Chega de babaquice. Adeus, mortais.

(Lúcio fica imóvel; Tíbio e Alípio saem)

LÚCIO
Aristotelicamente, necessito explicar-me.

(um foco destaca Lúcio; ele tira a camiseta e a calça e põe a mão na bunda, por dentro da cueca)

LÚCIO
Meu buraco é mais embaixo.

(black-out)
          

3 – O BURACO DE LÚCIO

(luz; Lúcio está com um shorts curto e uma camiseta colada)

LÚCIO
A partir de agora o espetáculo se tornará um flashback continuo. Com linearidade.

(Tíbio entra fumando um cigarro)

LÚCIO
Tíbio?

TÍBIO
Oi?

LÚCIO
A gente conversou na internet.

TÍBIO
Hã?

LÚCIO
Lulu.

TÍBIO
Você é Lulu? Eu pensei que...

LÚCIO
Você tem algum problema com isso?

TÍBIO
Não. Não tem nenhum problema, não.

LÚCIO
Vamos pular a parte conhecida.

TÍBIO
E a linearidade?

LÚCIO
É impossível hoje em dia. O mundo mudou, meu caro.

TÍBIO
Tudo bem, então.

(Lúcio ajoelha e chupa Tíbio)

TÍBIO
(para a plateia) A filha da puta da minha ex me largou e contou pra todo mundo. Meu pai deu um chute nas minhas costas. E o que foi que eu fiz? Matei a filha da puta. Aí eu fugi. Não fui preso. Lulu chupe-chupe foi comigo. Eu me apaixonei. E curtimos muito durante o verão.

(Lúcio se levanta)

LÚCIO
Na verdade...

(Tíbio ajoelha e chupa Lúcio)

LÚCIO
Cada um conta a história que lhe convém. Tíbio era e sempre foi um dos mais passivos.

(Alípio surge)

ALÍPIO
E eu, cara?

LÚCIO
Você quer também?

ALÍPIO
Não, meu! Cacete! Eu vou dar na sua cara, velho! Qual a minha parte no desenlace?

LÚCIO
A sua parte?

ALÍPIO
O que eu faço agora, pô?

TÍBIO
(engasgando) Você esqueceu, meu? Você é foda. Palhaçada. A culpa foi toda sua.

LÚCIO
Ele estava me chupando num beco. Você chega, dá um chute na bunda dele e me segura na garganta. Aí depois, pouco antes de eu gozar, você me empurra no chão e cospe na minha cara. Tíbio tenta fugir e recebe uma pedrada na cabeça. Ele cai e desmaia. Aí você tira com a nossa cara, fala que vai enfiar um pau no cu dos dois e mata ele por primeiro. Você pisa na cabeça dele. Abre um buraco no crânio dele. Aí eu tento correr, você atira com uma arma que eu não sei de onde surgiu, e eu caio. Você atirou na minha perna. Aí eu choro, grito, te xingo de filho da puta. E você ri da minha opção. Você faz piadas das mais colegiais possíveis sobre a palavra homossexual. E fala de buceta. De como é que é um homem. Um exemplo de humano perfeito. Você dá na minha cara com uma lâmpada fluorescente. Aí, antes de você me matar, eu morro de medo. Literalmente. Eu me mijo um pouco antes, e quase me cago. Aí eu morro. De medo. De medo mesmo, sabe. Medo é uma coisa das mais impressionantes, você sabia? Aí, você chora. Você é maluco. Você chuta os dois corpos com muito ódio. Atira em mim umas sete vezes. Depois faz um pequeno velório simbólico. Reza. E se arrepende instantaneamente. Bebe um café frio de uma garrafa térmica que eu também não sei de onde surgiu. Bebe como um ritual. Atualiza o Facebook com um adeus toscamente misturado a Caio Fernando Abreu. Lê uma poesia quando o sol já está nascendo. Poucos minutos depois atira na própria cabeça rezando a terceira ave-maria da vida.

ALÍPIO
Caramba, tudo isso?

TÍBIO
E que puta buraco, cara.

LÚCIO
Quem é que vai fechar agora, hein? Hein? Me responda.

ALÍPIO
E eu não posso fazer nada?

LÚCIO
Pode. Entra e faz a cena, cara. Já estamos todos fudidos mesmo, né?

TÍBIO
Caramba, mas e o sangue gente? Vai perder a credibilidade.

LÚCIO
É. Teatro com sangue é foda.

ALÍPIO
Não posso ter uma segunda opção? Eu meio que talvez aprendi alguma coisa vendo desse ponto de vista. Como espectador.

LÚCIO
Não tinha pensado nisso. Para de me chupar, cara! Estamos num conflito.

TÍBIO
Te amo.

ALÍPIO
Eu voto na opção!

LÚCIO
Qual opção?

ALÍPIO
Na de haver uma opção.

TÍBIO
Eu acho que eu curto. Seria bastante interessante.

TODOS
A partir de agora decide-se quem quiser/ Ou o que quiser/ Decide-se se devemos aceitar ou enxergar/ Quem escolhe é quem vier/ Quem estiver disposto a opinar/ Ou disposto a compartilhar/ Ou que simplesmente queira ver uma cena assustadoramente mal feita de assassinatos/ Ou que simplesmente queira ver uma cena mágica de final quase feliz.

LÚCIO
Agora a plateia deve escolher qual dos dois finais vocês querem assistir. A morte de Lúcio Lulu chupe-chupe com Tíbio adúltero, pelo homicida, pedófilo, buceteiro e suicida machista Alípio. Ou o entendimento verbal de três seres humanos super desenvolvidos que compartilha de bom senso sobre as questões da vida. A escolha desta noite nos trará um conceito sobre vocês, logo possível estatística.

(eles fazem uma votação rápida)



FINAL 1

ALÍPIO
Vamos começar da parte que eu já matei o Tíbio. Eu cheguei, e interrompi a boquete. Aí aconteceu um monte de coisas e tal. Daí eu matei o Tíbio. Deita aí. (ele joga uma jarra de sangue na cabeça dele) Aí eu pisei com força até abrir um buraco.

LÚCIO
Aí eu corri. (ele corre)

TÍBIO
E eu morri.

ALÍPIO
Eu saco a arma. E atiro. Na perna, pra ele cair.

LÚCIO
(dramático) Seu filho da puta! Que merda é essa, cara? (chora) Pelo amor de deus, cara. (grita) Me deixa ir embora! Pelo amor de deus! Eu não conto pra ninguém.

ALÍPIO
(ameaçando Lúcio) Como é que pode, não é? Toda essa bosta de viadice? Não é? Eu tenho um nojo que me faz vomitar, cara. Dois caras se roçando como duas putas asquerosas bem filhas-da-puta. Se fosse pra ser assim, cara, deus teria criado Adão e Ivo. Tu não tá ligado, né, cara? Não percebe quanta merda vocês estão fazendo. Minha priminha outro dia disse que viu dois homens se beijando numa loja. Isso é sacanagem, cara! Ninguém é obrigado a ver essa filha da putisse de vocês! Façam o que tiverem que fazer na casa de vocês e não contem pra ninguém. Isso aqui é lugar de fazer boquete? Hein? É? Esse local não é publico, não? E deus?

LÚCIO
Se fosse um homem e uma mulher...

ALÍPIO
Eu não te dei permissão para falar, bixa! Nojento filho da puta! Os dois! Todos os dois! Esse pinto nasceu pra comer mulher, seu bosta! Homem direito mal tem amizade com outro homem. É assim que deve ser! E agora você deve pagar por ser uma bixinha ridícula.

LÚCIO
Por favor...

ALÍPIO
Eu vou enfiar a bala dessa pistola bem dentro da tua cabeça que tanto chupou rola por aí.

LÚCIO
Pelo amor de deus, cara...

ALÍPIO
Mas antes eu vou fazer você engolir essa barra de ferro.

LÚCIO
Essa é a hora que eu mijo. (ele mija) Quase cago. (singelamente ele sente uma pontada no peito) Singelamente, eu sinto uma pontada no peito. E morro. (ele morre)

ALÍPIO
Acorda que eu não terminei, putinha. Vai. (ele chuta Lúcio) Acorda, merda.

TÍBIO
(interrompe) Cara, eu me cansei de ficar aqui.

ALÍPIO
Espera. Agora é a parte dramática.

TÍBIO
Ah. Beleza. (deita novamente)

ALÍPIO
Merda. Vocês dois são filhos de uma puta mal comida bem sem vergonha! Que merda. Merda. (se arrepende) Merda.

LÚCIO e TÍBIO
(enquanto eles narram; Alípio faz a ação) E aí, ele chuta nossos corpos e atira em Lúcio sete vezes. Depois faz um pequeno velório simbólico. Reza. E se arrepende instantaneamente. Bebe um café frio de uma garrafa térmica que ninguém sabe de onde surgiu. Bebe como um ritual. Atualiza o Facebook com um adeus toscamente misturado a Caio Fernando Abreu. Lê uma poesia quando o sol já está nascendo.

ALÍPIO
(dramático) Avião sem asa/ Fogueira sem brasa/ Sou eu assim sem você.

LÚCIO e TÍBIO
Poucos minutos depois atira na própria cabeça rezando a terceira ave-maria da vida.

ALÍPIO
... Santa Maria mãe de deus, rogai por nós pecadores. Agora e na hora da nossa morte. Amém.

(Alípio se aproxima com a arma na cabeça)

(black-out)

LÚCIO e TÍBIO
Rubrica: Ouve-se um tiro.

(luz)

(os três estão olhando o buraco)

LÚCIO
Por fim, o que significa esse buraco?

ALÍPIO
Talvez os buracos que eu fiz em vocês.

TÍBIO
Ou o vazio dessas vidas emolduradas nessa noite.

LÚCIO
Ou a mesma função metafórica de todas as outras ideias. A função de apenas complicar ou desenvolver um assunto.

ALÍPIO
Olhem!

TÍBIO e LÚCIO
O que?

ALÍPIO
Tem alguma coisa subindo.

TÍBIO
Onde? Deixe eu ver.

LÚCIO
Meu deus! É mesmo.

ALÍPIO
Caramba! É uma pessoa!

LÚCIO
Ai, meu deus! É deus! Chupa Samuel!

(eles se olham)

TÍBIO
Quem é Samuel?

LÚCIO
Ué, gente. Tudo pode acontecer. Pode ser ele. Pode ser ele!

TÍBIO
Ele quem?

LÚCIO
Aquele que nunca chegou.

ALÍPIO
Parece que é vermelho.

LÚCIO
Vermelho?

TÍBIO
Aquilo é um chifre?

LÚCIO
Ai, meu deus! É aquele monstro da Marvel. Tem o filme dois, sabe? Hellman’s!

TÍBIO
Cale a boca, seu imbecil! Hellman’s é maionese! É o diabo! Nós morremos!

LÚCIO
Ah! Não.

ALÍPIO
Sim. Eles escolheram que a resposta pra essa maluquice era que estávamos o tempo todo mortos. Como um purgatório, entendem? Isso quer dizer que se tivessem escolhido a outra opção o buraco teria outro sentido. E possivelmente uma outra explicação.

TÍBIO
Possivelmente. Estamos fudidos.

LÚCIO
Ai, puta que o pariu! Odeio ficar na curiosidade! Queria saber o que daria se eu tivesse sobrevivido.

ALÍPIO
Ele tá chegando. Vamos fugir.

TÍBIO
Aceite. Nós cagamos na nossa vida. Merecemos ir para o inferno. Vai tentar fugir do capeta, compadre?

ALÍPIO
O que fazemos então? Nos entregar?

LÚCIO
Eu não tenho com o que me preocupar. Ele deve estar vindo buscar vocês dois.

ALÍPIO
Você é viado, cara. Vai para o inferno junto com nós.

LÚCIO
Ai, cale essa boca. Deus tem o amor maior do mundo, maior do que qualquer outro amor, e se meu pai da terra consegue compreender minha opção sexual, você acha que deus vai me condenar por isso? Isso é tudo papo da culpa católica. Aqueles filhos da puta inventaram tudo isso.

ALÍPIO
Quer apostar?

LÚCIO
O que?

ALÍPIO
Que deus não é tão bom assim.

LÚCIO
Ora, você pirou.

VOZ
Atenção. Senhor Alípio Juveni, comparecer a sala sessenta e seis da ala zero seis. Machista retardado e psicótico.

ALÍPIO
Até mais gente! A gente se vê nos agradecimentos! (sai)

VOZ
Senhor Tíbio Curt, comparecer a sessão seis da ala sessenta e seis. Adúltero genocida.

TÍBIO
Até, gente. Queimaremos no mármore do inferno para que isso lhes cause terror e piedade, e que consigam aprender alguma lição idiota com tudo isso. Adeus! (sai)

LÚCIO
E agora, um anjo cintilante aparece para me buscar.

VOZ
Senhor Lúcio Boy...

LÚCIO
Eu? Mas eu não fiz nada de errado.

VOZ
(suspense) A bíblia estava certa.

LÚCIO
O que?

VOZ
Deus odeia as bixas!

LÚCIO
Nããããão!

(black-out)

FIM



FINAL 2

(Alípio interrompe a boquete)

LÚCIO
Tíbio está me chupando e lá, lá, lá...

ALÍPIO
Aí eu chego e interrompo a boquete!

(Alípio chuta a bunda de Tíbio)

TÍBIO
Ai, caralho!

LÚCIO
Vaza, cara. Qual é?

ALÍPIO
(segura Lúcio pelo pescoço) Vocês são bixas?

LÚCIO
Somos. O que tem? Você tem algum problema com isso?

(Tíbio vai correr)

LÚCIO
Tíbio, seu filho da puta!

ALÍPIO
Aí eu atiro uma pedra. (ele atira uma pedra invisível)

TÍBIO
E eu caio desmaiado. (ele cai)

LÚCIO
O que está fazendo, cara? Pense bem. (piegas) Pense no seu futuro. Nas coisas maravilhosas que a vida tem pra nos mostrar. No bem, no amor. Pense na vida. Pense no que perderá se nos matar. Nos filhos que você não vai poder ter. No resto dessa inexplicável missão que todos temos que cumprir. Estamos nivelados, cara. Temos as mesmas opções. Não existe desvantagem. Todo mundo é igual todo mundo. E a coisa vai se repetir. E repetir e repetir.

ALÍPIO
Depois de muito papo de educação moral, chegando ao ponto de dizer: ser homossexual é legal, Lúcio me convenceu de abrir mão da minha vingança sangrenta sem sentido.

TÍBIO
Cansei de ficar aqui.

ALÍPIO
Calma, cara. Falta só a parte dramática. O desenlace.

(música ridiculamente romântica)

ALÍPIO
(piegas) Perdoem-me, amigos. Eu era um homem do mau. Não conhecia o verdadeiro amor. O amor pelo próximo. Seja o próximo o que for. Hoje eu sei o quanto eu fui malvado. Me desculpem, companheiros. Perdoem-me. Por favor. Perdoem-me.

LÚCIO
É claro que te perdoamos. Mas é claro!

(eles se abraçam como um fim de filme)

TÍBIO
Posso levantar?

LÚCIO
Claro. Nessa hora você acorda da desmaiada.

TÍBIO
Ah, que ótimo. (se levanta)

ALÍPIO
E entra no abraço ridículo.

TÍBIO
Hum. Que bom.

(eles se abraçam finalmente felizes)

TODOS
Eles se abraçam finalmente felizes. E o final feliz ridículo e absurdo acontece. Se fosse um filme surgiria o The End bem agora. (eles mostram uma placa de The End) Que escolha medíocre. Esse tipo de situação não existe. Finais felizes da vida real são mais difíceis de se escolher numa votação.

(black-out)

TODOS
Ouve-se um barulho estrondoso de algo caindo do céu.

(luz)

(os três estão olhando o buraco)

LÚCIO
Alguém conseguiu descobrir o que diabos esse buraco significa, depois de nossa conciliação mais linda?

ALÍPIO
Talvez o buraco do meu peito que vocês dois preencheram com amor.

TÍBIO
Ou o vazio da nossa história refletindo em uma ridícula originalidade.

LÚCIO
Ou a mesma função metafórica de todas as outras ideias. A função de apenas complicar ou desenvolver um assunto.

ALÍPIO
Olhem!

TÍBIO e LÚCIO
O que?

ALÍPIO
O buraco está fechando.

TÍBIO
Significa que resolvemos um conflito?

LÚCIO
Meu deus! É mesmo. Pode ser.

ALÍPIO
Caramba! Mas e agora? Final feliz?

LÚCIO
Sério? Ai, não acredito. E agora a gente faz o que? Sorri? De que? Num vai rolar uma graninha? Pode passar chapéu aqui?

ALÍPIO
Quer dizer que se tivessem escolhido a outra opção o buraco teria outra função? Possivelmente uma outra explicação?

TÍBIO
Possivelmente.

LÚCIO
Ai, puta que o pariu! Odeio ficar na curiosidade! Pior final do mundo! Caralho de bosta. Final feliz? Meu, quem curte? Queria saber qual seria a explicação disso tudo se tivéssemos morrido.

TÍBIO
O outro final é mais interessante. Rola até o diabo no meio, porque, claro, nós três vamos pro inferno e tal.

ALÍPIO
Olha só onde viemos parar! Todos contentes. Pff.

LÚCIO
Que horror, gente! Ai, curiosidade é uma merda.

ALÍPIO
Todo mundo odeia final feliz.

LÚCIO
Eu também.

ALÍPIO
Tá fechando.

LÚCIO
Falta só um teco.

ALÍPIO
Ai, meu deus. O que vai acontecer?

TÍBIO
Definitivamente, um tequinho.

(eles aguardam em silêncio; o buraco fecha e eles continuam a aguardar)

TODOS
Eles aguardam em silêncio. O buraco fecha e os três continuam a aguardar. E eles aguardam. Definitivamente, aguardam.

(luz de serviço; em silêncio, os atores retiram todo o material cênico sem finalizar o espetáculo)


FIM




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