O GRILO E O VAGALUME (ADAPTAÇÃO - 2012)

INSPIRADO NA OBRA DE NILSON BARBOSA

Adaptação de Gabriel Tonin

O GRILO E O VAGALUME

Personagens
Sapo
Grilo
Vagalume
Moscão (boneco)
4 Moscas (bonecos)

Cenário: Um jardim; uma caixa de remédio gigante, cogumelos e plantas.


Cena 1: ERA UMA VEZ

(o Sapo entra pulando pelo palco; come algumas moscas, chega ao centro e faz uma dancinha de apresentação à plateia; senta-se em um canto e boceja)

SAPO
Era uma vez um gigante problemático! Morava em uma casa gigante com móveis gigantes e jogava coisas gigantes em seu jardim mal cuidado. Nesse jardim morava um sapo. (ele acena para a plateia) E dentro daquela caixa de remédio gigante mora um vagalume. Um sujeitinho cheio das ideias e muitíssimo inteligente. Dizem que ele sabe canalizar energia solar, dá pra acreditar? O povo por essas bandas tem medo de que ele coloque fogo no jardim. Mas é tudo boato.

(o grilo entra com um violão e uma partitura)

SAPO
Esse é o grilo. Um bicho diferentão.

GRILO
(canta um trecho de uma música desafinadíssimo)

SAPO
Cantor e atleta...

GRILO
E compositor!

SAPO
Exatamente. O Grilo jura pra todo mundo que um dia vai pular tão alto que vai alcançar as nuvens, e que um dia vai ter suas músicas nas paradas de sucesso. Ele mora dentro de um tronco de árvore aqui perto e, não sei por que cargas d’águas, ele decidiu transformar esse lugar aqui num “espaço especial para ensaios”. “É a acústica”, segundo ele.

GRILO
(faz alguma nota em falsete) É.

SAPO
Até que seus ensaios não pré-avisados mudaram o destino dessa história.

(o Grilo senta-se embaixo de um cogumelo; escreve algumas coisas e toca; canta desafinado)

VAGALUME
(em off) Quer parar com essa barulheira toda, por favor? Tenha pena de um pobre coitado que trabalhou a noite toda! Será que não posso descansar nem um pouquinho?

GRILO
De onde é que vem essa vozinha irritante?

(o Vagalume sai de dentro da caixa de remédio)

GRILO
Pelas barbas de Formiga! Que bicho mais estranho é você? Que eu nunca vi um bicho assim!

VAGALUME
Tenha santa paciência! Nunca ouviu falar de um vagalume?

GRILO
(mente) Ah! Tá. Claro que sim. É que... é que... eu não esperava que um vagalume fosse um bicho tão estranho assim. Aí, mas que mal lhe pergunte, você é vagalume de que?

VALAGUME
Bom, eu sou o vagalume da... (pausa) Como assim “vagalume de que”?

GRILO
Sei lá, você quem deve saber.

VAGALUME
Ai, nada a ver! Eu sou um vagalume e só.

GRILO
Muitíssimo prazer! Eu sou o Grilo! Mas o que você está fazendo no meu Espaço Especial para Ensaios?

VAGALUME
Eu moro aqui.

GRILO
Ah!

VAGALUME
E eu estava mesmo desconfiado de que você fosse um grilo, sabe. Certamente. Com essas canelinhas finas e essa magreza toda só poderia ser um grilo mesmo.

GRILO
Ah.

VAGALUME
Mas sabe que além das diferenças eu acho que podemos ser parentes.

GRILO
Ah! (cai na gargalhada) Parentes? Eu e você? (ri mais) Você pirou? Eu sou esbelto e bonitão, meu filho. Canto e até toco violão! E você é baixinho e gordinho. E usa óculos.

VAGALUME
Ai, o que tem? E eu queria dizer que podemos ser parentes, porque...

GRILO
Pirou! Parentes! Que viagem! E além do mais eu sei fazer o melhor cri-cri desse lugar, coisa que você naturalmente não sabe fazer, não é? Quer ouvir um pouco?

VAGALUME
(vai dizer que não precisa) Ah, n...

GRILO
Cri-cri-cri! Cri-cri-cri!

VAGALUME
Para! Para! Para com isso, seu desafinado!

GRILO
(chocado) Desafinado? Eu? Isso é inveja só porque eu sou o melhor cantor desse jardim! E o mais bonito e o mais legal e o mais tudo!

VAGALUME
Ah, eu sim sou bonito, tá?

GRILO
(gargalha)

VAGALUME
Me visto com elegância. Manja só a casaca do papai. (mostra sua casaca)

GRILO
(não sabe o que responder) Bicho que veste casaca mas não usa cartola não pode ser meu amigo nem aqui e nem na China. Esse lugar é meu Espaço Especial para Ensaios, então...

VAGALUME
Pois fique sabendo, Grilo, que eu uso boné, tá? É mais bonito! B-O-N-É!

GRILO
(gargalha do vagalume; imita) B-O-N-É. Bonezinho. (ri mais)

VAGALUME
Deixe de conversa fiada, Grilo. E vamos voltar ao assunto. Eu estava querendo dizer que por sermos insetos que se comunicam, por sermos dois insetos num mundo de insetos, nós podemos ser parentes, talvez primos. Podemos ter tido os mesmos avós. Ou bisavós. Ou tataravós. (vai se aproximando do Sapo, que reage brincando) Ou podemos ser só amigos mesmo. Ou podemos ser irmãos. Ou você pode ser minha mãe!

GRILO
(desesperado por causa do Sapo) Vagalume! Seu bicho maluco! Saia daí!

VAGALUME
O que foi, Grilo?

GRILO
Como assim o que foi? Olha, você pode entender muito bem de insetos, mas vi que de sapo você não entende nada.

VAGALUME
Um sapo! É. Na verdade desconheço a vida desse pobre batráquio.

GRILO
Ah, sim... Hã? Batra o que?

VAGALUME
Batráquio. Batráquio é o nome cientifico dado à família dos sapos e das rãs. Entende? Exatamente por existir classificações é que podemos ser parentes.

GRILO
Hum. Bom, Vagalume, já vi que você é muito inteligente e seu palavreado é muito rico. Mas eu acho que isso é maluquice. E se você é tão inteligente assim, você sabe por que ele tem os olhos daquele tamanhão?

VAGALUME
Ah, claro. É pra ver os sapinhos mais de perto. (ri da própria piada)

GRILO
Engraçadinho. Aqueles olhos, seu bobão, são para hipopotizar a vítima.

VAGALUME
Hipnotizar, Grilo.

GRILO
Ele hipopotiza a vítima com aqueles olhões. Aí você acha que tá tudo bem, tudo certo. Depois que você é completamente hipopotizado, ele te engole vivo!

VAGALUME
É hipnotizar. E que história mais boba. Nada a ver esse negócio de hipnotizar. Eu não acredito que ele realmente possa... (finge) Ah... ah... Grilo... acho... que... acho que estou hipnotizado. (finge-se como um zumbi; ri da própria brincadeira)

GRILO
Deixa de bobagem, Vagalume! Você é um bicho muito sem graça. É só não olhar para os olhos dele que tudo ocorrerá bem.

(o Sapo se mexe)

GRILO
Chiu! Ele se mexeu! Não faz nenhum barulho se não ele pode acordar.

VAGALUME
Certo. (ele sente uma coceira no nariz) Ah. Aaa... aaa...aaa...

GRILO
(corre e tampa o nariz do Vagalume) Não, espirre! Pelo amor do seu Corujão! Se não ele acorda e engole nós dois!

VAGALUME
Certo.

GRILO
Como eu ia dizendo. Eu acho maluquice toda aquela história de...

VAGALUME
Atchiiiiiiiim!

(o Sapo se levanta ameaçadoramente; é uma brincadeira)

GRILO
Ai, meu Deus! Salve-se quem puder! (foge pra fora de cena)

VAGALUME
É só tapar os olhos, Grilo. Não é? (tampa os olhos e fica imóvel, sem medo)

(o Sapo se aproxima como se fosse comer o Vagalume)

SAPO
Lindo dia, não?

VAGALUME
Opa!

(o Sapo sai; o Vagalume ainda continua de olhos fechados)

VAGALUME
Grilo! Grilo? Ele já foi? (abre os olhos) Ué. O sapo já foi embora, Grilo. Não tem perigo. Pode voltar! (pausa) Ah, logo agora que eu estava fazendo uma amizade esse meu espirro estragou tudo. E agora? (pausa) Puxa vida. Vou ter que ficar sozinho novamente. Olá, caixa de remédio gigante.


CENA 2: CAVALEIRO REAL

(o Sapo entra novamente)

SAPO
E foi assim que o Vagalume conheceu o Grilo.

VAGALUME
É verdade.

SAPO
Mas isso era só o início de uma grande amizade.

VAGALUME
Hum. Que bom.

(o Grilo entra vestido com uma caixinha de chicletes, uma tampinha de garrafa como capacete, um fósforo como espada e um cotonete como cavalinho de pau)

GRILO
Atacar! Sai daqui seu sapo do mal! (o Sapo foge) E você! Mãos ao alto! (o Vagalume obedece; para a plateia) E vocês também! Todo mundo com a mão na cabeça.

VAGALUME
Senhor, por que devemos colocar a mão na cabeça?

GRILO
Porque eu sou a autoridade aqui. E estou aqui para ensiná-los a manusear uma espada.

VAGALUME
Mas isso é só um palito de...

GRILO
Quieto! Mãos à cabeça, Vagalume! Agora vamos! Me enfrente!

VAGALUME
Mas eu nem sei por que devo lutar?

GRILO
Como não? Você deve aprender a lutar para se defender do terrível e grande sapo!

VAGALUME
Mas você não me garantiu que se não olhássemos para os olhos dele tudo sairia bem.

GRILO
Eu disse?

VAGALUME
Disse.

GRILO
Ah. Bom. Não interessa!

VAGALUME
Olha, Grilo, você está se contradizendo...

GRILO
Mostre mais respeito, Vagalume! Você sabe com quem está falando, seu pamonha?

VAGALUME
Com o Grilo, oras.

GRILO
Aí é que você se engana, Senhor Vagalume. Eu sou o Cavaleiro Real das Forças Armadas do Gigante!

VAGALUME
Cavaleiro Real? Das Forças Armadas do Gigante? Você não passa de um grilinho de canelinhas finas, Grilo. Isso sim. (ri)

GRILO
Veja como fala, seu esquisitinho! Pois fique sabendo que eu sou o maior defensor do senhor gigante! Eu espantei cinco marimbondos que tentavam entrar na casa do seu gigante. Cinco! E outro dia quando o seu gigante dormia eu esmaguei um baratão que tentava entrar na geladeira abandonada do seu gigante. Sozinho! E outra, eu espantei dezoito formigas da vermelha que queriam morder o dedão do pé dele.

VAGALUME
Nossa, Grilo. Que legal.

GRILO
Eu sei.

VAGALUME
Mas por que você fica defendendo esse gigante, Grilo? Ele é tão mal. Vive pisando na gente. Jogando lixo no jardim. Joga lixo aqui, ali. Lá do outro lado. Tem até garrafa e pneu com água parada, que pode dar dengue, Grilo!

GRILO
Credo!

VAGALUME
Exatamente! Você não devia defendê-lo tanto...

GRILO
Mas Vagalume. Esse gigante é diferente. Ele é do bem. Ele é bonzinho apesar de tudo. Ele só joga lixo no próprio jardim. Pior é os outros que jogam lixo em todo lugar.

VAGALUME
É verdade.

GRILO
(para a plateia) Vocês sabem como é o nome desse gigante criançada? É o bicho-homem, e ele...

VAGALUME
Mas deixa eu te perguntar uma coisa, Grilo. Foi ele quem te nomeou seu Cavaleiro Real?

GRILO
É... não. Na verdade eu mesmo me nomeei. Me tornei o seu guarda-costas. O seu gigante não sabe, mas eu sou seu anjo grilo da guarda.

(o Sapo entra; o Grilo se assusta e corre para trás do cogumelo; o Vagalume apenas tampa os olhos novamente; o Sapo passa e vai para seu canto)

VAGALUME
Oi, de novo.

SAPO
Opa!

(o Grilo volta medroso)

VAGALUME
(ri) Ai, ai, Grilo. Olha, eu moro dentro daquela caixa de remédio gigante. Quando você quiser ir lá para contar suas histórias de cavaleiro real será bem vindo, tá? Agora eu preciso ir. Eu preciso estudar mais um pouco.

GRILO
Estudar? Você disse estudar? Não vai me dizer que você é um cientista!

VAGALUME
Tudo bem. Não digo. (vai sair)

GRILO
Ora, Vagalume! Você é um cientista mesmo?

VAGALUME
Sim. Eu sou um cientista. E estudo a energia solar! Amarre seu cavalinho ali no cogumelo e venha aqui que eu vou lhe mostrar minha experiência.

(o Grilo obedece; quando se aproxima do Vagalume este mostra sua barriga que brilha)

GRILO
Corujão do céu! Salve-se quem puder! Fujam crianças! Fogo no teatro! Incêndio no jardim! (foge para fora de cena)

VAGALUME
Deixa de ser besta, Grilo. Eu não vou botar fogo em nada, não! Estou apenas lhe mostrando o milagre da ciência. (o Grilo vai voltando) Todo vagalume que se preze tem um feixe de luz, que indica seu grau de inteligência. Eu, como você pode ver, tenho só um tiquinho. Mas canalizando as energias que as plantas absorvem do sol eu serei o vagalume com maior intensidade do mundo! Ou seja, o mais inteligente.

GRILO
Credo. Muita mão de obra. Não seria mais fácil você tomar banho de sol todos os dias?

VAGALUME
Não, senhor! Eu me lembro de um primo meu que sofria de falta de luz e resolveu tomar banho de sol todos os dias na praia. Sabe o que aconteceu?

GRILO
Hã-hã.

VAGALUME
O coitadinho morreu de insolação. Ficou parecendo um carvãozinho esturricadinho, tadinho.

GRILO
Vixi. Que o Corujão nos livre disso.

VAGALUME
Será que você sendo um Grilo também poderia canalizar luz?

GRILO
Bom, Vagalume, você é um cientista e sabe o que faz. Fico orgulhoso em saber que tenho um amigo tão culto e inteligente. Mas meu negócio é sombra e água fresca. Já imaginou um Grilo virar um carvãozinho esturricadinho? (sai rindo) Até outra hora, Vagalume!

VAGALUME
Grilo! Grilo! Bicho biruta! Você esqueceu seu cavalinho! (começa a escurecer) Ixi, está escurecendo. Acho melhor eu voltar pra minha casinha. Amanhã eu entrego o cavalinho dele. (sai com o cavalinho)

(black-out)


CENA 3: MOSQUINHAS

(três moscas cantam uma música)

MOSQUINHAS
Era uma vez e assim começa a história
Dos insetinhos que eu guardo na memória
Era uma vez um jardim de alegria
Sem nenhum medo
Sem nenhuma agonia

(o Sapo entra; as moscam saem voando e gritando)

SAPO
Ali no fundo do quintal tem uma geladeira velha. Eu sempre vou lá para comer os insetos que ficam ali dentro. É mais fácil. Não tem pra onde eles fugirem. Eu gostaria de não ter que me alimentar deles, mas é necessário. Opa! Ali vem um inseto de bobeira.

(o Grilo entra com seu violão, vestido com um pijama; os dois se encaram)

GRILO
Ai, meu Corujão! (corre)

SAPO
Fica tranquilo. Você é magro demais.

(uma mosca sozinha entra cantarolando; o Sapo a engole)

SAPO
Foi mal, mosquinha. (pausa) E assim as coisas iam de vento e polpa no jardim mal cuidado. Eu comia as mosquinhas e o Grilo e o Vagalume aumentavam seu companheirismo e amizade. Tudo estava no lugar, onde deveria estar. (boceja) Ai, ai, que soninho. (boceja) Acho que vou tirar um cochilo. Insetos e batráquios também sonham. 

GRILO
(entra; percebe que o Sapo está em seu canto e fica tranquilo; senta-se embaixo do cogumelo) Puxa vida. Eu não consigo nunca terminar essa música. (toca qualquer coisa até que bonito)

SAPO
E então o Sapo, o Grilo e o Vagalume dormiram.

(eles dormem)


CENA 4: O SONHO

(inicia-se um Rock dos anos 60; o Grilo e o Vagalume entram e dançam com um guarda-chuva; o Sapo dança enfeitiçado; ao fim da música, o Grilo e o Vagalume saem; os olhos de uma coruja gigante abrem ao fundo; black-out)

(luz; o Sapo está em seu canto ainda dormindo)

SAPO
Não... não... Por favor! Não... Eu...

(uma mosca maior que as outras voa pelo jardim; ela é assustadoramente monstruosa)

SAPO
Não! Por favor! Eu prometo que nunca mais vou comer seus filhotes! Não! Eu... Por favor! Não! Não! Nããããããão! (ele acorda e vê a mosca; grita) AH!

MOSCÃO
(grita fininho e foge) AH!

SAPO
Puxa vida. Que pesadelo horrível. (pausa) O Sapo então sonhou que uma mosca gigante arrancava suas perninhas e as fritava numa churrasqueira de bicho homem. Aí milhares de moscas vinham e comiam minhas perninhas fritas. Todas aquelas mosquinhas indefesas que eu engoli na geladeira velha. E baratinhas, e joaninhas, e abelhinhas... Ai, ai!

(o Vagalume entra desesperado com um pijama e um gorro)

VAGALUME
Grilo! Grilo! Apareça! (vê o Sapo e logo tampa os olhos) Olá! Eu estou só de passagem.

SAPO
Ah. Tanto faz. (sai desanimado)

VAGALUME
(destampa os olhos) Grilo! Grilo! Pelo amor do seu Corujão! Grilo! (sai de cena chamando) Acorde! Acorde, Grilo!

GRILO
(entra correndo) O que foi, Vagalume? O que aconteceu? Botaram fogo no jardim? A peça acabou? A criançada foi toda embora?

VAGALUME
Não é nada disso! É que...

GRILO
O que é, então? Me fala, pelo amor do...

VAGALUME
É pior, Grilo. É pior.

GRILO
O que é?

VAGALUME
(desesperado) Eu tive um sonho!

GRILO
Ai, meu Corujão! Você teve um s... (pausa) Eu não acredito que você me acordou a essas horas pra me falar de um sonho, Vagalume.

VAGALUME
Mas...

GRILO
Fique sabendo que eu também sonho, Vagalume. Agora deixe-me ir, que eu preciso dormir mais um pouquinho. Amanhã eu tenho exercícios físicos e tenho que terminar minha música. Dá licença.

VAGALUME
Mas acontece que meu sonho era tão real que parecia verdade.

GRILO
E daí? (vai saindo)

VAGALUME
(para a plateia) Eu sonhei que o mestre Corujão nos disse que tudo que achamos que é  gigante e grande são simplesmente coisas comuns. E que por sermos dois insetos pequenininhos...

GRILO
(volta) Achamos que tudo é gigante e grande.

VAGALUME
Isso mesmo!

GRILO
Puxa vida, Vagalume! Nós tivemos o mesmo sonho!

VAGALUME
É, Grilo. E eu sonhei ainda que nós dois dançávamos uma dancinha aqui no jardim.

GRILO
Dancinha, Vagalume? Que é isso?

VAGALUME
É quando a gente mexe o corpo assim, ó. (se mexe)

GRILO
Eu sei o que é uma dancinha! Quero dizer: que é isso de dancinha? Pirou? Eu não sei fazer dancinha nenhuma. E além do mais... eu tenho vergonha.

VAGALUME
Eu estou falando sério, Grilo.

GRILO
E eu estou dando risada? Hein? E onde já se viu sair vestido desse jeito na frente da criançada? Você não se envergonha, não, Vagalume?

VAGALUME
Olha quem fala. Você não tem espelho na sua casa, não, Grilo?

GRILO
É claro que eu tenho espelho, mas o que isso tem... (percebe que também está de pijama; se encolhe envergonhado)

VAGALUME
Viu, só?

GRILO
Ai, quer saber? Vamos deixar de conversa fiada e voltar a dormir! (sai)

VAGALUME
Tchau, Grilo! Até logo. (pausa) Vixi. (sai)

SAPO
E assim o Grilo e o Vagalume descobriram o segredo da existência. Mas eles não levaram isso tão a sério e a vida continuou.


CENA 5: EXERCÍCIOS

(amanhece; os passarinhos cantam; o Grilo entra morto de cansaço)

GRILO
Puxa vida. Eu tô quebrado. Aquele vagalume é um paspalho mesmo! Me acordou aquela hora da madrugada pra me falar de um sonho. Fiquei encanado e não consegui dormir mais. Agora eu tô morrendo de sono! Mas eu vou dar uma lição naquele pamonha só pra ele aprender como é que um Grilo faz justiça. (prepara-se próximo da caixa de remédio e grita) Vagalume! Vagalume! Socorro! Acorde, pelo amor do seu Corujão! (foge e se esconde atrás do cogumelo)

VAGALUME
(sai desesperado de sua casa) O que foi, Grilo? O que aconteceu?

GRILO
Não aconteceu nada, eu só queria acordar você.

VAGALUME
Poxa, Grilo, que maldade, hein.

GRILO
Ah, é?

VAGALUME
Aham. Mas você não me acordou, não.

GRILO
Aff.

VAGALUME
Depois da hora que conversamos não consegui dormir mais, aí aproveitei para ficar estudando mais um pouco e aumentando meu fluxo de inteligência.

GRILO
Ah! Santa Caramuja! Você só pensa em estudar, é? Estudar e estudar! Sabe que também é preciso estar em dia com a forma física. Não é mesmo criançada?

VAGALUME
Ainda prefiro estudar, Grilo. É mais interessante pra mim.

GRILO
É por isso que você continua barrigudo e enferrujado desse jeito! Se a gente mantém o corpo definido, logo a cabeça pensa melhor.

VAGALUME
É que ultimamente eu tenho andado com tanta preguiça. Eu vou voltar pra minha casinha, tá?

GRILO
Ai, que bicho mais preguiçoso! Nada disso, Vagalume! Vamos fazer alguns exercícios!

VAGALUME
Não, Grilo. Meu negócio é outro.

GRILO
Ué, Vagalume! Pra ser meu amigo tem que fazer exercícios físicos, meu filho! Não gosto de ter amizades com intelectuais gordinhos e de óculos.

VAGALUME
Ai, nada a ver o que você tá falando...

GRILO
Vamos, Vagalume! Só um pouquinho por dia já tá bom! Mexa esse corpo mole, seu preguiçoso!

(os dois iniciam alguns exercícios ao som de uma música; o Vagalume faz tudo errado, diferente do Grilo; logo ele se cansa e cai de pernas pro ar)

GRILO
Abóbrão! Bicho preguiça! Pançudinho! Eu faço exercícios todos os dias e não me canso nem um pouquinho, agora você... (tem uma ideia malvada; cai no chão com falsa dor na canela) Ai, Vagalume! Socorro! Acho que exagerei um pouquinho!

VAGALUME
Deixa de besteira, Grilo. Eu avisei que...

GRILO
Por favor! Eu me machuquei! Me ajuda, por favor! Vai lá, companheiro! E aproveite para pegar na mão de um super atleta que vai ficar famoso! Além do mais, você me deve um favor, já que eu te salvei do terrível e grande Sapo!

VAGALUME
Você não me s...

GRILO
Vai me ajudar ou não? (o Vagalume se levanta convencido) Isso, Vagalume. Os amigos devem ajudar uns aos outros.

(o Vagalume estende a mão para o Grilo que a segura e logo a solta derrubando-o para trás)

GRILO
(gargalha) Cri-cri-cri! Seu pamonhão! (sai)

VAGALUME
Ai, ai. (se levanta confiante) De hoje em diante eu vou fazer exercícios todos os dias! E eu serei o inseto mais rápido desse jardim. E o mais bonito e o mais legal! E ninguém nunca mais vai me maltratar. Nem mesmo o Grilo.

(sai fazendo polichinelo)


CENA 6: MAMÃE?

(as três mosquinhas cantam uma música triste

MOSQUINHAS
Oh, Seu Corujão 
Venha nos salvar
A realidade é dura de aguentar
Hoje eu existo
Amanhã eu sou refeição
Não posso ter medo
Aqui no coração

(o Sapo entra e elas fogem gritando)

SAPO
O Vagalume logo percebeu que a diversão do Grilo era tirar sarro da sua cara. Mas ele achava que o Grilo não fazia por mal, simplesmente era um grilinho assustado demais para saber que magoava de vez em quando. (pausa) Ai, minha barriga ronca. Eu não sei mais o que fazer. Se comer, eu tenho pesadelos. Se não comer, minha barriga vira um bicho!

(o Moscão entra; ele é robusto e meio assustador, mas um pouco fofinho; ele pousa na caixinha de remédio) Ai, meu Corujão! Essa mosca veio para se vingar dos seus filhotes, eu sei disso.

MOSCÃO
(com uma voz fina) Que nada! Tô procurando a minha mãe. (ele voa perto do Sapo)

SAPO
Ai, ai! E que inseto é você?

MOSCÃO
Eu sou uma mosca. Varejeira. Você é minha mãe?

SAPO
Não, acho que não.

MOSCÃO
Tá bom. Obrigado.

SAPO
De nada.

(Moscão sai voando pesado)

SAPO
De hoje em diante, eu sou vegetariano.

(pega um pedaço de uma folha, come e sai)

(black-out)


CENA 7: GRILOQUE HOLMES

(o Grilo entra vestido de detetive; ao mesmo tempo o Vagalume sai da sua casa, se assusta e encolhe-se virando de costas para o Grilo; o Grilo olha o Vagalume através de uma lupa)

GRILO
Puxa vida, você tá bem mais gordo hoje, hein?

VAGALUME
Ai, Santo Besourinho! Que bicho mais estranho! Que você é?

GRILO
Eu sou um famoso detetive!

VAGALUME
Detetive? E que tipo de inseto é esse?

GRILO
Ué, você não é todo inteligente, seu pamonhão? Não percebe que sou eu, seu tonto?

VAGALUME
(olha para trás) Ah, Grilo! Deixe de lorota!

GRILO
Tremeu de medo de mim, hein, barrigudinho? Posso te chamar assim a partir de agora, Vagalume? É um bom apelido. Barrigudinho.

VAGALUME
Escuta aqui, Grilo. Desde que eu te conheço você só tem me maltratado, me xingado, me chamado de abóbrão, bicho preguiça, e tudo mais. Assim não dá pra gente ser amigo, Grilo. Fica difícil assim. Eu gosto de você, mas você me magoa com esses nomes.

GRILO
(desconcertado) Ah... puxa, Vagalume. Me desculpa. Eu não sabia que você ficava tão ofendido. Mas eu te falo essas coisas, esses nomes pra mostrar o quanto eu gosto de você. Se eu te chamo de abóbrão, bicho preguiça, pançudinho e... (tenta se lembrar)

VAGALUME
Pamonha.

GRILO
Isso, pamonha. É uma forma carinhosa de brincar com você, seu bobo!

VAGALUME
Não sei. Não gosto muito.

GRILO
Olha, como prova da nossa amizade vou lhe contar um segredinho. Venha cá.

VAGALUME
Conta, conta! Eu adoro segredinhos.

GRILO
Eu larguei a função de Cavaleiro Real das Forças Armadas do Gigante e agora fui nomeado o Principal Detetive Especialista Especial do Jardim.

VAGALUME
Principal Detetive Especialista Especial do Jardim? Puxa vida, que legal! E o que você anda investigando, senhor Principal?

GRILO
Pode me chamar de Griloque Holmes, o detetive.

VAGALUME
Nossa! Que incrível de legal! E o que você anda investigando, Senhor Holmes?

GRILO
Eu ouvi uma conversa entre duas pulgas de que um parentinho meu – quero deixar bem claro que é um parentinho muito distante – andou comendo as flores do jardim do nosso vizinho. Ele veio de muito longe e está acabando com toda vegetação de lá.

VAGALUME
No jardim do vizinho? Mas é muito perigoso, Grilo!

GRILO
Holmes! Me chame de Holmes!

VAGALUME
Holmes.

GRILO
Eu quero encontrar aquele fulaninho e dar-lhe uma lição por desonrar a família! Nem que seja a última coisa que eu faça com vida.

VAGALUME
E como é o nome desse fulaninho, Grilo?

GRILO
É... Gato Louco!

VAGALUME
Gato Louco? Que come flor? Nunca ouvi falar, Senhor Holmes.

GRILO
É... Gato Louco não é. Então deve ser... Garfanoutro!

VAGALUME
Garfanoutro? Também não conheço, Grilo.

GRILO
É, Vagalume, Gato Louco não é. Garfanoutro também não. Alguém aí sabe o nome desse fulaninho? Ele é magro, meio parecido comigo. Não tão bonito, claro.

VAGALUME
É Gafanhoto!

GRILO
Isso mesmo, Gafanhoto!

VAGALUME
(com seriedade) Griloque Holmes, sua tarefa será encontrar esse fulaninho e dar-lhe uma lição por desonrar a família! E você tem apenas meia hora.

GRILO
É elementar, meu caro Vagalume. É elementar. (sai correndo grandioso)

(o Sapo entra; novamente o Vagalume tampa os olhos)

SAPO
Não precisa disso, não.

VAGALUME
É só pra prevenir.

(fica um silêncio; o Vagalume senta e espera ansioso)

SAPO
Cadê seu amigo?

VAGALUME
Saiu em uma missão.

SAPO
Você está aqui sozinho?

VAGALUME
Sim. Ele já volta.

(a barriga do Sapo ronca)

SAPO
Ai, ai, ai. (para a plateia) E então, a barriga do Sapo pareceu gritar por socorro! Ele pensou. (ele pensa)

VAGALUME
Você está bem?

SAPO
E concluiu que estava morrendo de fome e que quando a natureza pede não existe piedade! Virou-se e encarou o vagalume indefeso.

VAGALUME
Você está bem, senhor Sapo?

SAPO
Eu vou... eu vou... (se aproxima ameaçadoramente do Vagalume)

(o Grilo entra desesperado)

GRILO
Santa Mariposa dos Pesadelos! Salve-se quem puder!

(o Sapo foge correndo)

VAGALUME
O que foi, Grilo? O que aconteceu?

GRILO
(exausto) Me chame de Holmes. Holmes!

VAGALUME
Holmes.

GRILO
Ai, Vagalume! Você não vai querer saber o que quase me aconteceu.

VAGALUME
Claro que vou! Quero saber sim! Quem aí quer saber também? Todo mundo quer, Grilo! Pode contar!

GRILO
Tudo bem. Eu estava no caminho, pulei muito pelo jardim e estava quase chegando na cerca. Aí tinha um lugar com mais sujeira do que aqui. Era horrível, assustador. Tinha muito lixo e muita porcaria e muito fedor e muito...

VAGALUME
Continue, Grilo.

GRILO
Aí, apareceu. Apareceu o Gafanhoto, Vagalume. Ele é o dobro do meu tamanho! Aí ele estava ameaçando uma mosca esquisita. (o Sapo aparece ao fundo ouvindo a conversa) Era uma mosca maior do que o normal e tinha uns dentes esquisitos e uma asa meio torta. Ela era meio gordinha e...

VAGALUME
Continue, Grilo!

GRILO
Aí, o Gafanhoto ia bater na mosca! Ou comer a mosca, eu não sei! Aí eu me aproximei, cheguei bem pertinho. E eu estava com tanta raiva que nem podia respirar. Aí eu me aproximei mais, dei um pulo em cima dele e...

VAGALUME
Você o pegou! Você o pegou!

GRILO
Que nada! Ele conseguiu escapar! Saiu correndo de mim.

VAGALUME
Ele saiu correndo ou você que fugiu antes?

GRILO
Ele que saiu correndo! Pirou? A mosca até perguntou se eu era mãe dela.

VAGALUME
Sei. (aperta a canela do Grilo)

GRILO
Ai! (pula de susto)

VAGALUME
(gargalha)

GRILO
Não achei a menor graça!

SAPO
E o que mais a mosca disse?

(o Grilo corre num salto)

GRILO
Até logo, Vagalume! Vou bolar um plano para pegar o Gafanhoto! (sai)

VAGALUME
Tchau, Grilo! Eu vou estudar mais um pouquinho. Até logo!

(o Vagalume e o Sapo se encaram)

VAGALUME
Então...

SAPO
Corra!

(o Vagalume foge)

SAPO
Então o Sapo percebeu que podia ser diferente. Uma amizade bonita como a de um atleta cantor com um cientista deixa a gente sentido de inveja. (pausa) Agora eu vou ser um sapo diferente! Eu quero um amigo. (pausa) Ele agora ia ser mãe!

(o Sapo sai)


CENA 8: UM LINDO E TERRÍVEL DIA

(amanhece; as mosquinhas cantam)

MOSQUINHAS
Eu não tô aqui pra sofrer
Vou sentir saudade pra quê
Quero ser feliz,
Bye, bye, tristeza
Não precisa voltar

(Música "Bye Bye Tristeza" de Sandra de Sá; o Grilo entra e as Mosquinhas fogem gritando como sempre; o Grilo senta-se embaixo do cogumelo com seu violão e uma partitura; escreve algumas coisas e olha para o céu)

GRILO
Puxa vida, dias bonitos como esse, são inspiradores!

(o Vagalume entra)

VAGALUME
Bom dia, Grilo! Cadê a roupa de detetive?

GRILO
Muito trabalhoso ser detetive. Quase perdi minha vida nessa brincadeira.

VAGALUME
Tá bom.

GRILO
Vou fazer o que eu sei fazer. Educação Física e música!

VAGALUME
Tá certo.

GRILO
Olha que dia mais lindo que nasceu hoje, Vagalume.

VAGALUME
É verdade mesmo, Grilo.

GRILO
Essas nuvens. Como são legais de ficar olhando.

VAGALUME
Mas o que tem de tão legal, Grilo?

GRILO
Oras, dá pra imaginar vários desenhos. Olha lá! Uma borboleta.

VAGALUME
É nada. Mais parece um... ah, não. É uma borboleta mesmo. Que legal!

GRILO
Sabe que dias assim me deixam inspirado?

VAGALUME
É mesmo? Eu também.

GRILO
Espera um pouco. (escreve mais)

VAGALUME
O que é isso?

GRILO
Pronto! Consegui! Acabei a minha música! Finalmente!

VAGALUME
Que legal!

GRILO
Dias assim me deixam tão inspirado que me dá vontade de cantar! Quer me ouvir cantar, Vagalume? Você nunca ouviu, né?

VAGALUME
Não. Eu quero sim. Sabe que eu também tenho uma música. Dias assim me deixam inspirados também.

GRILO
É. Então, ouve aí. Vê o que acha.

(o Grilo canta a música que compôs, pode ser alguma conhecida ou a sugestão abaixo, uma música mais melancólica; ele não desafina muito mas também não arrasa; o Vagalume apoia alegremente)

GRILO
Um passarinho que é tão bonitinho
Come o grilinho que não é do mal
O leoãozinho que é tão fofinho
Come a zebrinha porque é animal

A natureza faz as suas escolhas
E a evolução foi que nos fez assim
Física quântica e ciência doida
Mas dá pra iluminar todo jardim

Amigo, velho
Eu queria falar
Quem domina o mundo
É o Grilo Rockstar

Amigo, velho
Eu até gosto de você
Até que é profundo
Amizade com glacê

Amigo, velho
Eu queria falar
Mas quem domina o mundo
É o Grilo Rockstar

VAGALUME
(aplaude) Puxa vida! Que incrível de legal! Adorei, Grilo. Foi muito bom mesmo.

GRILO
Obrigado. Dia inspirador, é isso.

VAGALUME
Posso cantar a minha agora?

GRILO
E você sabe cantar, Vagalume?

VAGALUME
Claro que sei. E aprendi a tocar violão também.

GRILO
Sério?

VAGALUME
Sim. Quer ouvir? (pega o violão)

GRILO
Acho melhor...

VAGALUME
Todo mundo cantando comigo!

(o Vagalume canta e arrasa; têm até backing vocals; ele interage com a plateia e faz um show de uma versão da música Twist and Shout dos Beatles; o Grilo fica o tempo todo emburrado)

VAGALUME
Inseto cientista!
(Inseto cientista!)
E um exibicionista
(Um exibicionista)
Brincadeira, é um atleta legal
(Um atleta legal)
Às vezes um pouco do mal
(Às vezes do mal)

Mas eu sei que é um vencedor
(Sei que é um vencedor!)
É meu amigão!
(Meu amigão)
Um cara legal que eu nunca vou esquecer jamais
(Nunca esquecer jamais!)
Porque ele sempre está aqui
(Está sempre aqui)
E eu gosto muito dele, caramba!
(Gosto dele, caramba)
Porque ele é o meu melhor amigo, ele é
(Melhor amigo)
E eu gosto de falar isso pra todo mundo e pra todo lugar que eu vou, eu falo
(Ele fala mesmo)

Uuuuh!

Aaah, Aaaaah, Aaaaaah, Aaaaaaaaah!

Inseto cientista!
(Inseto cientista!)
E um exibicionista
(Um exibicionista)
Brincadeira, é um...

(o Grilo interrompe o Vagalume todo irritado)

GRILO
Chega, Vagalume! Chega! Chega! Desliga essa porcaria de backing vocal ridículo. Você é surdo? Eu falei chega.

VAGALUME
O que foi, Grilo? Tava muito desafinado, gente?

GRILO
Não, Vagalume! Que chatice! Eu falei chega! Todo mundo já viu que você tenta me imitar, tá?

VAGALUME
Eu? Não, Grilo, eu não...

GRILO
Você sabe muito bem que eu sou o melhor cantor desse jardim, não sabe?

VAGALUME
(vai argumentar contra, amigavelmente) Na verdade...

GRILO
Pois bem! Eu preciso desse lugar para ensaiar os meus cri-cris! É o meu Espaço Especial para Ensaios! E eu acho que esse lugar está pequeno demais pra nós dois, Vagalume. Todo esse jardim é pequeno pro meu talento e você só me atrapalha sempre!

VAGALUME
Grilo, você está exagerando. Eu não toco mais, tudo bem. Eu só pensei que...

GRILO
Você só pensa, só pensa! É só isso que você sabe fazer! E essa musiquinha aí! Pff! Ninguém nem gostou dela!

VAGALUME
É que eu tô começando.

GRILO
E pode acabando com a graça, já! Eu me cansei, Vagalume! Você se faz todo de espertinho aí, mas não passa de um pamonha!

VAGALUME
Grilo, não precisa falar assim comigo, eu...

GRILO
Chega de conversa fiada, Vagalume! Por que você não vai embora pra sempre, hein? Pega suas coisinhas e some daqui de vez?

VAGALUME
Poxa, Grilo...

GRILO
Chega de mas, mas, mas! Eu quero que você vá embora, Vagalume. Vá embora!

VAGALUME
É isso mesmo que você quer?

GRILO
É. Vai ser melhor pra todo mundo. Ninguém vai sentir falta!

VAGALUME
Você tem certeza, Grilo? Isso não é certo.

GRILO
Eu estou certíssimo! Seria ótimo se você sumisse daqui!

VAGALUME
(depois de uma pausa) Tudo bem. (ele entra vagarosamente em sua casa e sai com uma trouxinha)

GRILO
Muito bem.

VAGALUME
Grilo, pense em tudo que nós passamos juntos! As nossas brincadeiras! Os nossos pesadelos! Você não...?

GRILO
Fora, Vagalume! Fora! Não quero mais ver a sua cara!

VAGALUME
Dia inspirador, hein...

GRILO
Fora! Fora! Fora!

(o Vagalume vai saindo pela plateia)

VAGALUME
Sabe, Grilo? Antes eu queria dizer que eu descobri que não somos parentes mesmo. Você é da família dos Gafanhotos e eu da família dos Besouros. Muito bem ingrato amigo. Eu vou. Mas quando você se arrepender será tarde demais.

GRILO
Foooooora!

(finalmente, quase saindo de cena, o Vagalume olha para trás uma última vez)

VAGALUME
Mas, Grilo...

(o Grilo aponta com o dedo a saída; o Vagalume sai)


CENA 9: SOZINHO

(por um momento o Grilo se mostra arrependido, mas logo se recompõe contente)

GRILO
Enfim só. Livre daquele inseto preguiçoso e chato! Ai, ai. Como é bom viver sozinho! Ter essa parte do jardim só pra mim e não ter de dividir nada com ninguém! Não é bom viver sozinho, criançada? É sim! Olha só! Agora eu posso pular, cantar, gritar que ninguém vai se incomodar ou me incomodar. Agora está tudo bem. Um dia maravilhoso como esse e essas nuvens maravilhosas. São dias que me deixam inspirado! Eu fico mais sensível em dias assim. (pausa; respira) Ai, ai. Adoro respirar o ar puro. E não ter ninguém pra roubar meu oxigênio! (pausa) Bom, a vida tem que continuar. Acho que eu vou brincar um pouquinho. Alguém aí quer brincar com o mais bonito e simpático Grilo? Hein? Ah. Grande coisa. Eu não preciso de vocês pra me divertir. Eu tenho meu amigo Vagalume e vocês vão ver a hora que eu contar que vocês... Opa! Esqueci que tinha mandado o Vagalume embora. Mas quem precisa do Vagalume pra brincar? O Vagalume era um insuportável, não é mesmo criançada? É sim! E se vocês estão do lado dele vocês também são chatos! Pois fique sabendo que eu posso muito bem brincar sozinho, tá? Eu posso brincar com o eco. Querem ver? (se prepara) Grilo!

ECO
Grilo!

GRILO
Tem alguém aí?

ECO
Tem alguém aí?

GRILO
Você só fala o que eu falo, é?

ECO
Você só fala o que eu falo, é?

GRILO
Ninguém responde?

ECO
Ninguém responde?

GRILO
Ah, assim não dá. Não brinco mais!

ECO
Ah, assim não dá. Não brinco mais!

GRILO
Seu pamonha!

ECO
Pamonha é você!

GRILO
Ah! Assim não dá! Até o eco está ficando um insuportável! (tem uma ideia) Ah! Posso brincar de esconde-esconde. Eu conto até dez e depois eu vou procurar. 1, 2, 3, 4... 10! Lá vou eu! Eu vou achar, eu vou achar! Ninguém se esconde do Grilo! Ninguém se esconde do poderoso Grilo! (pausa) Mas quem eu vou procurar? Tive uma ideia! Eu vou esconder! Ninguém nunca vai me achar! (esconde-se dentro da caixinha de remédio)

(o Sapo entra carregando o Moscão)

SAPO
E então o Grilo brincou sozinho pelo jardim. Tentou e tentou fingir que estava tudo bem, quando não estava.  Enquanto que o Sapo adotou a mosca diferente como seu filhote.

MOSCÃO
Mamãe.

(o Sapo senta-se em seu canto)

GRILO
(sai ainda brincando e empolgado) Eu posso brincar de pega-pega! Eu saio correndo e vou pegar! Vou pegar! Não! Eu saio correndo aí você me pega! Você! Isso! Você me pega! (pausa) Você quem?

SAPO
E então ele percebeu.

GRILO
Puxa vida. Eu estou sozinho.

SAPO
Tarde, hein?

GRILO
Fica quieto! (pausa) Ah, não! O que eu fiz?  Eu não acredito! Como eu sou um imbecil! O Vagalume era um amigão, e eu não dei nenhum valor pra ele. (sai correndo chamando) Vagalume! Vagalume! Volte! Volte, por favor! Esse jardim ainda é seu! Por favor, volte! Vagalume! Vagalume! (pausa) Ele não volta mais. Eu perdi um grande amigo. Tudo por culpa da minha vaidade, do meu orgulho... (vai até o Sapo) Sapo, por favor! Me faz um imenso favor?

SAPO
Sim, Grilo.

GRILO
O senhor poderia me hipopotizar e depois me engolir vivo?

SAPO
Ora, por que isso?

GRILO
Eu sou um inseto muito mal. Não mereço nada de bom. Eu não soube lidar nem com uma amizade.

SAPO
Me desculpe, mas agora eu sou vegetariano. Encontrei um fungo que cai bem no estômago. Não é tão gostoso como moscas, mas... (o Moscão geme em seu colo) É... é... digo... Ora, Grilo, sinto muito. Não posso fazer isso.

GRILO
Puxa vida.

(o Grilo vai lentamente até a caixinha de remédio e deita dentro dela; o Sapo continua a história)

SAPO
Então o Grilo chorou. Ficou alguns minutos chorando de soluçar. E...

MOSCÃO
Mamãe, mamãe.

SAPO
Chiu. Deixa a mamãe contar o resto. Espera um pouco.

MOSCÃO
Mamãe, mamãe, mamãe!

SAPO
O Vagalume, já longe dali, conseguiu ouvir os gritinhos desafinados do Grilo.

MOSCÃO
Mamãe! Mamãe!

SAPO
Deixa eu contar, filhinho! É o fim da história!

MOSCÃO
Mamãe. Mamãe!

(silêncio; o Sapo fica olhando para Moscão que fica quieto um instante e depois continua)

SAPO
E para a alegria do Grilo...

(Moscão ataca o Sapo brutalmente com seus dentes assustadores e uma voz mais grossa)

MOSCÃO
Mamãe! Mamãe! Mamãe!

SAPO
Socorro! Socorro!

(depois de uma breve luta com o Moscão, o Sapo o joga pra dentro de sua boca)

SAPO
No fim das contas, a natureza faz a coisa certa.

(sai)


CENA 10: AMIZADE

GRILO
(se levanta desanimado) Ai, ai. Eu queria que tivesse sido diferente. Queria uma segunda chance. (longo silêncio; ele espera por um tempo e vai saindo lentamente para sua casa)

(pela plateia o Vagalume aparece em um foco; o Grilo quando o vê se enche de alegria)

GRILO
Vagalume! Você não foi embora?

VAGALUME
Eu já estava bem longe daqui quando ouvi seus gritinhos desafinados. Mas se quiser que eu vá de novo...

GRILO
Não! De jeito nenhum!

(eles se abraçam)

GRILO
Me perdoa, Vagalume! Me perdoa! Diz que me perdoa!

VAGALUME
É claro que eu te perdoo, Grilo! Mas é claro!

GRILO
Sabe que eu descobri uma coisa com isso tudo, Vagalume?

VAGALUME
É um segredinho?

GRILO
Um bom segredinho! Mas que pode contar pra quem você quiser.

VAGALUME
E o que é? O que é?

GRILO
A amizade é tão importante que é impossível viver sem ela. Eu tentei. É difícil pacas!

VAGALUME
Pois é, Grilo. E a gente tem que entender que cada um é diferente.

GRILO
Que ninguém é igual, né?

VAGALUME
Exatamente. Olha pra nós dois.

(eles se olham e gargalham)

GRILO
Que dupla mais esquisita!

VAGALUME
Um detetive cantor, atleta e cavaleiro real!

GRILO
E um cientista lamparina!

(eles gargalham; o Sapo entra chorando; o Grilo pula em cima do Vagalume)

SAPO
Puxa vida! Ninguém quer ser meu amigo! Eu já até tentei ser mãe, meu! Que vida mais difícil! Ei, vocês! Posso ser amigo de vocês?

GRILO
Mas você não vai nos engolir?

SAPO
Não. Eu já disse! Na verdade eu não sou muito fã de carne de Grilo e de Vagalume. Vagalume deixa a boca brilhante e Grilo coça o estômago.

VAGALUME
Bem vindo ao grupo, Senhor Sapo!

GRILO
Bem vindo ao grupo, Senhor Sapo!

SAPO
E podemos concluir que dias inspiradores são exatamente mágicos como todos os outros dias. E que inspiração para ser um bom inseto, ou um bom batráquio, é somente questão de escolher de qual lado você quer ficar. Do lado deles, ou do lado nosso? (para o Grilo e o Vagalume) Amigos, já que os dois se mostraram dois bons compositores, agora é minha vez de mostrar meu pequeno talento. Querem ouvir a canção que eu compus?

(eles cantam a música na plateia)

TODOS
Bom é o nosso dia que nos dá a vida
Um jardim imenso feito para todos
E o valor da história pra compartilhá-la
Com você! Você! Você!

Nossas brincadeiras formam as pessoas
Brinca de boneca, cuidar dos filhotes
O valor de uma história, é sempre bom contá-la
Pra você! Você! Você!

Vai ter muita hora pra se divertir
Vai ter muita hora pra gente brincar
Vai ter muita hora pra gente sorrir
Com você! Você! Você!

VAGALUME
Vai ter muita hora pra se completar

GRILO
E ser amigo

VAGALUME
Vai ter muita hora pra continuar.

GRILO
Aqui comigo.

VAGALUME
Vai ter muita hora pra gente brincar!

TODOS
Com você! Você! Você!

SAPO
E essa foi a história do Grilo e do Vagalume! Uma amizade que não durou para sempre. Mas que durou... o quanto durou.

(eles saem; black-out)


EPÍLOGO: MOSQUINHAS

MOSQUINHAS
Um sapinho colorido
Um verde engraçado
Que come um de nós

Vamos lutar contra o monstro
Pois cada história
É uma só voz

Vamos lutar bravamente
E ser a semente
Da revolução

Somos pequenas, mas fortes
E quem vier com graça
Vai ter muita ação.

(o Sapo entra e elas saem correndo e gritando loucamente; o Sapo dá de ombros e sai)


FIM



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