GÊMEAS DE MERCÚRIO
Personagens
Carina
Ruben
Caroline
(a mesma atriz deve fazer as duas personagens; deve
existir uma dublê para cenas que as personagens contracenam; e cenas gravadas
em vídeo)
Um hospital psiquiátrico.
(Carina aparece em um foco)
CAROLINE
Eu nasci no dia quarenta e oito de maio do ano seis mil e
sessenta e nove depois de Cristo, em Mercúrio. Eu sou univitelina. Eu morava no
saco do meu pai, nove meses antes. Era uma vida. Na maioria das vezes, nessa
fase da vida, vivemos uns dois três dias apenas. Então é uma provação. É como a
vida do mosquito que nasce, come, caga e morre. Mas um mosquito vivendo na
pressão da necessidade de transmutação. Sim, eu sei, a mosca de larva cria
asas. Mas quem é que precisa de asas nos dias de hoje? Eu queria ser gente
apenas. E era uma corrida contra o tempo. Sozinha, disputando com outros
desesperados. E naqueles exatos três dias de existência – ou não, porque meu
pai pode ter gozado antes de ter comido a minha mãe – eu fui a mais rápida. E
aí eu corri pela vida! Eu corri que nem uma louca! Nadando, assim, na porra do
meu pai. Foi uma loucura. E era um empurra-empurra. Uma loucura. Até que
finalmente deus apareceu na nossa frente. Éramos uns trezentos milhões quando
chegamos até o óvulo. Uns noventa milhões morreram pelo caminho. Uma tragédia.
E aí eu fui esperta. Uma voz na minha cabeça dizia pra eu não pensar nos
outros. Pense só em si. Pense só em si. Aí eu usei toda a força que eu tinha na
calda e decidi que aquele era o dia de vencer. Eu nadei com tanta força que eu
fiquei com essa parte aqui doendo depois. O pior foi a hora que eu cheguei no
óvulo. Ele é gosmento mesmo, sabe, e bem grande. Bem grande mesmo. E aí eu dei
uma cabeçada e nada. Eu dei outra e nada. Até que ele fez uma rachadurinha. E
eu entrei. E uma voz gritava na minha cabeça: “Conseguimos! Conseguimos!”. E aí
eu consegui, meu deus do céu. Foi uma sensação no sentido de: “Porra,
consegui.” Uma loucura. Por algumas horas eu fiquei torcendo pra que nenhum
mais conseguisse entrar também. Esse tipo de coisa acontece. Mas não. Eu fiquei
sozinha. Eu seria filha única. (pausa) E foi aí que começou uma parte estranha.
Eu vivia bem lá dentro, naquelas primeiras horas. Minha mãe era incrível. Eu
não tinha sido por acidente. Foi de propósito aquela noite de sexo do meu pai
com minha mãe. Eu estava contentíssima e mamãe vibrava comigo. Ela me
alimentava maravilhosamente bem. E aí, eu ainda era uma bolinha pequenininha.
Eu tinha me fundido ao óvulo. E pouco tempo depois, eu comecei a mudar. Mas a
mudar estranhamente. Eu sentia que eu era uma bolha que estava rachando ao
meio. Isso tudo em pouquíssimo tempo. E realmente eu comecei a rachar no meio.
Começou aqui pela parte de cima e foi até embaixo. E de repente, eu me vi em
dois. Eu tinha me dividido em duas partes iguais. Eu me via no outro canto. E a
outra parte de mim também me via ali. Eu tinha me multiplicado em dois corpos,
num só pensamento. Nós dois sabíamos que éramos o mesmo embrião. Mas a vida era
essa, não havia o que contestar sobre isso! E aí a gente foi crescendo e crescendo.
Até que finalmente a gente tivesse braços pra se abraçar. E a gente se abraçou
mesmo. Foi arrepiante. E a gente chutava ao mesmo tempo! Tudo tinha ficado mais
claro que éramos uma coisa só esperando alguma coisa acontecer. O mesmo cabelo,
os mesmos olhos, os mesmos pensamentos. Apenas as digitais que não, porque elas
se formam no contato com o útero. E cada um de nós ficou em cantos diferentes,
então... (pausa) E aí eu nasci. E foi o primeiro momento mais doloroso da minha
vida. Me separaram da minha outra parte à uma distância que nunca tinha
acontecido antes! Eu estava aqui, e a outra parte de mim do outro lado. E a
gente não sabia o que fazer! Era perturbador aquele barulho, e gente falando, e
ela chorando e eu chorando! Eu cheguei a tomar um tapa na bunda de um
grandalhão mal educado. (pausa) Minha mãe nos pegou no colo. E eu senti minha
perna encostar na perna da outra parte de mim. E nós nos reconectamos. Mamãe
disse: “Caroline e Carina”. “O que?”, eu pensei. “Não! Somos a mesma! Não tem
que dar dois nomes! Ficaremos juntas. Pensamos iguais e temos a mesma cor dos
olhos.” Daí ela olhou pra parte de mim e disse: “Você é a Caroline”, e virou
pra outra parte de mim: “E você é a Carina”. (pausa) E naquele momento percebemos
que não éramos a mesma pessoa. Eu era Caroline e ela era Carina. Ela nos
apresentava como irmãs. E cada uma foi tendo uma visão e um ponto de vista
sobre as coisas ao redor. Começando com a parte de que eu iniciei a vida com um
tapão e ela chorou logo que o ar entrou. Gravamos na cabeça esse início de
existência. Como todas as outras coisas que se seguiram. E a gente foi
aceitando a nossa separação. Que iriamos viver e agir diferentes, mesmo sabendo
bem lá no fundo que, um dia, fomos uma coisa só.
(Caroline senta-se na escuridão de costas para a plateia,
ela escreve uma carta; com um jogo de luz, a dublê toma o seu lugar)
VOZ DE CAROLINE
A morte é uma curiosidade. Eu nunca me aguentei com a
minha curiosidade. Eu nunca consegui entender o que era aquele espelho vivo
vivendo ao meu lado. Eu nunca irei entender quem eu sou e quem é a parte que
saiu de mim.
(Carina entra bem vestida; Caroline continua ao fundo)
CARINA
(lê a carta) “Carina, eu nunca consegui entender. Espero
nos reencontrarmos um dia de novo para voltarmos a ser uma. Saudade eterna,
você é parte de mim. Me desculpa por tudo.”
(Carina vai até uma caixa onde encontra os pertences de
Caroline; ela vê alguns objetos e se emociona)
VOZ DE CAROLINE
A morte não dói.
(o foco de Caroline se apaga)
(Carina olha pelos cantos; é sua primeira visita depois
da morte da irmã)
CARINA
Sua burra. Não tinha que tentar entender.
(Ruben entra)
RUBEN
Desculpe, Ca.
CARINA
Você demorou.
Você demorou.
RUBEN
Eu peguei um trânsito.
CARINA
Não tem problema.
RUBEN
Você tá bem?
(ele a beija)
CARINA
Tô.
RUBEN
(suspira) Ai, meu deus. Ca, eu sinto muito.
CARINA
Eu sei.
RUBEN
E agora?
CARINA
Enterram amanhã à tarde.
(Ruben a abraça)
RUBEN
Não sei o que dizer. Mas eu tô aqui, tá.
CARINA
Tá.
(silêncio)
CARINA
Ela bebeu mercúrio, Ruben.
RUBEN
Eu sei.
CARINA
Que horrível, não? Eu não consigo imaginar como ela
estava pra chegar nesse ponto.
RUBEN
Não fique pensando.
CARINA
Ru, eu senti. Eu sei que você acha natural a ligação que
a gente tem. Mas eu senti o exato momento que ela morreu.
(silêncio)
RUBEN
Carina, mas isso é normal mesmo. Muita gente conta sobre
isso. Que sente o irmão gêmeo.
CARINA
É como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado, sabe.
Eu juro. É como se faltasse algum dos meus órgãos de dentro de mim, mesmo. Ru,
eu não sei o que fazer... (ela chora)
(ele a abraça)
RUBEN
Calma, Ca. Chore. Faz bem. Você precisa chorar.
CARINA
Vai acontecer alguma coisa comigo, Ruben.
RUBEN
Não vai, Carina. Fique calma. Você tem que ficar forte
agora, Ca.
CARINA
Eu sinto! Eu sinto! Falta uma parte... (ela chora)
RUBEN
Ca. Não se preocupe. Talvez essa é a história que a sua
vida precisava contar. A Carol fez uma escolha, Ca. Vocês tiveram escolhas e
opiniões diferentes o tempo todo, não tiveram? Você tem que seguir em frente.
Eu sei que é difícil. Quando meu irmão morreu, eu fiquei só o pó. Eu cheirava
naquela época, e aí eu me fodi. Eu não quero que você entre na ideia de isso
ser uma tragédia. Eu quero que você seja forte e lide com isso.
(silêncio; Carina se acalma)
CARINA
Ruben, eu amo você. Você vai ser sempre meu melhor amigo.
Esse sentimento é muito estranho, Ru. Eu não sei explicar.
RUBEN
Você já leu uma porrada de coisas sobre gêmeos
univitelinos, não leu?
CARINA
li.
RUBEN
Carina, é normal você sofrer agora. Sofra. É sua irmã.
Mas não entre numa paranoia que você tem a ver com isso, ou que falta uma parte
física de você. Isso é só um sentimento. E que se você alimentar vai te
destruir. Vocês eram duas meninas lindas. E lindas por serem diferentes, tá
bom?
CARINA
(ri)
RUBEN
Eu não quero que você esqueça dela, Ca. Não é isso. Mas é
que é assim que as nossas histórias são contadas. Com tragédias e com comédias.
CARINA
Você tem razão.
(silêncio)
CARINA
Você nunca vai saber qual é a sensação.
RUBEN
Não. Eu nunca vou saber.
CARINA
É a única experiência que eu tenho na vida. Eu existia
multiplicada, andando por aí.
RUBEN
É.
CARINA
(suspira) Ai, meu deus.
RUBEN
Vai ficar tudo bem.
CARINA
Eu sei. Eu sei.
RUBEN
O que você vai fazer agora?
CARINA
Não quero ir no funeral. Eu não vou no enterro.
RUBEN
Tudo bem. Eu acho melhor.
CARINA
Eu não quero ir. Não ia me fazer bem. Eu vou pra minha
casa. A tia Tê tá cuidando de tudo.
RUBEN
Vamos pra minha casa. Você fica lá comigo uns dias.
CARINA
Não. Eu quero ficar sozinha, Ru. Eu preciso.
RUBEN
Ca...
CARINA
Você acha que eu devo ir, Ruben?
RUBEN
No velório? Eu não sei. Não sei o que te aconselhar.
CARINA
Eu acho que eu não vou. Eu não quero ter essa lembrança.
RUBEN
Dizem que serve mais como um adeus àquele corpo.
CARINA
É isso o que eu não quero. Não quero vê-la como um corpo.
RUBEN
Mas é o que nós somos, Carina. Corpo.
CARINA
Eu não quero me ver morta, é isso! Vai ser eu ali,
naquele caixão. Eu não vou.
RUBEN
Então não vá. Vai ser melhor.
CARINA
Vai ser melhor.
Vai ser melhor.
RUBEN
Essas são as coisas dela?
CARINA
São.
RUBEN
Você vai levar?
CARINA
Não.
RUBEN
Leve.
CARINA
Não. (pausa) Tá bom. Eu levo. Mas eu vou jogar fora.
RUBEN
Tudo bem. Vou levar lá no carro. Vou deixar você um pouco
sozinha aqui, tá ok?
(Ruben pega a caixa)
RUBEN
Eu vou esperar você lá, tá bom? Sem pressa.
(Ruben sai; Carina olha mais um pouco o lugar)
CARINA
Sua burra.
(Carina sai)
(Caroline aparece ainda escrevendo a carta ao fundo no
mesmo foco)
VOZ DE CAROLINE
Eu só queria aliviar essa parte de mim. Metade de mim se
esqueceu das confusões e viveu casada, esquecida e tranquila. Eu não podia
ceder à vontade de largar mão das dúvidas. E foram essas filhas da puta de
dúvidas que escreveram meu destino. De início remédios, depois clinica
psiquiátrica. E por fim, navalha no pulso ao gosto de mercúrio. Eu era um, eu
era dois, eu era seis? Quem diabos era eu?
(com um jogo de luz, Caroline corre pelo espaço contente;
ela samba sozinha sem música e brinca com tudo; ela se diverte com coisas
banais)
(silêncio)
CAROLINE
Essa sou eu seis anos atrás. Eu era a louca mais contente
do mundo! Foi uma época que eu decidi fazer ballet! Eu usei uma porrada de alucinógenos
e chás de lírio, naquela época. Pra entender um pouco mais. Ganhar mais
percepção do mundo. Eu curtia entender as coisas e as coisas me eram
respondidas facilmente. Porque eu estava de acordo sempre. (pausa) Minha irmã
se tornou uma imbecil nessa época. Não, imbecil não. Não pra tanto. Mas a gente
entrou numa fase que ficamos muito tempo sem se ver. Isso ficou comum nos seis
anos seguintes até a minha morte. A gente se via duas ou três vezes por ano só.
Eu achei que esse dia nunca ia chegar, sabe. O dia que finalmente um homem a
tiraria de mim. Claro que ela me disse que iria se casar mas que iria morar do
lado de onde eu morasse. Mas eu não quis ficar esperando. Eu fiquei tão
chateada com a nossa separação que eu quis fugir. Fui morar sozinha no litoral.
Ela me dizia que eu estava fazendo tempestade em copo d’água. Mas eu não podia
controlar a raiva misturada de angustia que eu sentia. Eu achava que iriamos
ficar juntas o tempo todo. Era assim que eu via a nossa história. As duas
velhinhas, e as duas juntas. Sempre juntas. Como sempre. (pausa) Eu sei que
tínhamos pensamentos diferentes às vezes. Mas eu tenho certeza que isso foi
culpa dos outros e de influências externas! Antes disso, pensávamos totalmente
iguais. Éramos idênticas, menos a digital, mas éramos iguaizinhas. O mesmo
sorriso, o mesmo gênio. (pausa) E ela se apaixonou. E era uma coisa que não era
tão fácil, porque eu não podia me apaixonar por ele também. Sempre tivemos o
mesmo cachorro, as mesmas bonecas, os mesmos poemas preferidos, os mesmos
filmes... E aí ela me abandonou de repente e fez um filho uns três anos depois.
E eu fiquei sozinha. Apaixonada pelo meu reflexo. (ela se olha num espelho e
quase chora) Tudo o que eu queria era completar a parte que falta em mim. Esse
peso que parece um elefante esmagando as borboletas no estômago. Ou um sapo,
engolindo-as e as despedaçando em dois e enterrando a segunda parte bem fundo
lá no quinto dos infernos! (grita) Você foi burra, Carina! Foi você quem fez a
primeira separação entre a gente. Eu só finalizei com estilo. (silêncio; a
raiva passa depois de uns segundos; Caroline ri) E sabe o que aconteceu? Nos
cinco primeiros meses morando no litoral depois do casamento, eu estava
arrasada. Eu estava morta. Mas logo eu quis esquecer. E quando eu quis foi
fácil. O mar me ajudou pra caralho. Eu comecei a me encontrar. Longe de tudo e
da Carine, eu encontrei felicidade de novo. Coisa que eu jamais achei que ia
encontrar. Eu fiquei durante um ano inteirinho, hiper mega feliz. Essa
felicidade durou um ano exato. E eu fui essa pessoa feliz e saltitante durante
exatos um ano. O início dos efeitos dos psicoterapêuticos que eu usei enquanto
sentia a brisa da praia. Fiz ballet, viajei, namorei. (pausa) Daí no segundo
ano longe dela, eu entrei em crise novamente. O engraçado é que sempre no dia
exato de se fazer um ano, eram que as coisas mudavam da água pro vinho. E a
Carina sempre tentando se reconciliar. E eu entrei numa crise profunda de
solidão. Eu não queria ver ninguém. Emagreci uma porrada. E então eu fui essa
pessoa solitária durante exatos um ano. Cheguei a dormir na rua uns dias. Perdida.
Um ano de felicidade, um ano de solidão. (pausa) Daí no terceiro eu foquei na
arte. Meu terapeuta quem recomendou. Foquei na parte burocrática e na
acadêmica. Fiz tudo direitinho. Voltei a fazer ballet e entrei pra faculdade.
Um pensamento executivo da coisa. E foi o ano que eu mais falei com a Carina
desde então.
(um telefone toca; Caroline atende e ao fundo num foco vê
se Carina do outro lado da linha – dublê)
CAROLINE
Alô? Oi. (pausa) Ah, feliz aniversário pra você também,
sua chata. Eu sabia que ia ligar. (pausa) É, eu sei. Não, não vai dar. Eu tenho
aula a semana toda. (com desdém) Mande um beijo pra ele também. Fale que eu
falei “obrigada”. (pausa) Sim, sim. Tá dando tudo certo, sim. Tenho
apresentação esse fim de ano todo fim de semana. (pausa) É, venha sim. Tá bom.
Feliz aniversário também. Beijo.
(o foco de Carina se apaga)
CAROLINE
Não que eu tenha falado muito com ela. Ou contado muito.
Ela não me entendia mais. Nós nos falamos por telefone e nos vimos no natal. E foi
um ano calmo, um ano tranquilo. E aí um ano exato depois desse foco profissional
que coloquei na minha cabeça, eu abandonei tudo. Abandonei a faculdade de Artes
e um grupo de dança, e larguei todas as pessoas que me consideravam como amiga.
Me tranquei no meu apartamento e só saia pra comprar comida. Pirei nuns filmes
existenciais, morei dentro da internet e só fazia danças selvagens e malucas
pra mim mesma. (pausa) O quarto ano foi um ano de descobrimento espiritual
dentro da arte. E aí eu misturei dança com música e teatro. E pirei nas crises
de artista. Primeiro sozinha, depois eu quis espalhar minha confusão. E não com
muito talento e nada de super produção, desculpem.
(um foco apresenta um palco com várias garrafinhas de
água)
(Caroline entra ao som de Björk; toscamente ela dança em
volta das garrafas; ela para próximo à primeira garrafa e a bebe totalmente com
dramaticidade; ela vai até a segunda e a bebe totalmente com um pouco mais de
dificuldade; na terceira, ela quase vomita de leve, mas consegue terminar a
garrafa; na quarta ela bebe com muita dificuldade, e regurgita, tudo um tanto
teatral; ela retira um alfinete da camiseta e fura a própria mão; ela tenta
terminar a quarta mas vomita de novo; mais uma vez ela se espeta; ela tenta
beber todas as garrafas e se fura quando não consegue; a cena pode terminar com
ela conseguindo beber um absurdo de garrafas ou com a luz em resistência)
(Ruben aplaude; mais alguém aplaude longe)
RUBEN
Minha linda.
CAROLINE
Ru! (pula nos braços dele) Você veio, seu cachorro! Sua
bicha!
RUBEN
Eu vim, delícia. Tive que vir prestigiar essa beleza
toda. Que saudade que eu tava dessa sua carinha.
CAROLINE
Né? Você visita mais a Carina do que eu.
Né? Você visita mais a Carina do que eu.
RUBEN
Você quem quis vir morar longe, Carol. Não dá pra vir
sempre, né.
CAROLINE
Eu sei. E aí? Você gostou?
RUBEN
Seu apartamento é uma fofura.
CAROLINE
E a minha performance?
RUBEN
Ah, sim. Gostei bastante. Eu não entendo muito, né? Mas
foi interessante. Diferente. Seus amigos são legais.
CAROLINE
Obrigada. É muito o que eu tô passando hoje em dia, sabe.
Eu entro dentro da coisa que parece que eu incorporo uma outra pessoa em cena.
RUBEN
Hum. Que legal.
CAROLINE
O problema é que esse tipo de arte não dá dinheiro, sabe.
O publico é sempre esse. Três, quatro pessoas. E sempre amigos. (ri; cochicha)
Na verdade, eles não são meus amigos.
RUBEN
Não? Eu pensei que fosse.
CAROLINE
Dois deles moram na rua, e o terceiro tava passando aqui
na frente, aí eu chamei e ele quis ver. Olha que ótimo. Hoje tive quatro
espectadores. (ri)
RUBEN
Gostei do lance de ser aqui.
CAROLINE
É. Eu só vivo aqui dentro agora.
(silêncio)
CAROLINE
Mas que bom que você veio. Você acredita que a Carina não
veio me ver? O ano passado eu fiquei em cartaz um tempão com outra peça. E ela
nem veio ver.
RUBEN
Ela me falou. É que aconteceu tanta coisa, Carol.
CAROLINE
Eu sei. Eu entendo.
RUBEN
E você? Tá bem?
CAROLINE
Tô, tô.
RUBEN
Hum. Tá mesmo?
CAROLINE
Tô sim. Caminhando.
RUBEN
Se tiver com algum problema você pode me falar, tá bom?
CAROLINE
Tudo bem. Eu só... sei lá.
Tudo bem. Eu só... sei lá.
RUBEN
O que? Fale.
CAROLINE
Não, é que eu sempre vou achando que eu vou ficar louca,
sabe. Só isso.
RUBEN
Pare, nega. Louca você já é.
CAROLINE
É, eu sei. Eu tenho medo de ficar mais.
RUBEN
Pare de graça. Você é linda e uma puta artista.
CAROLINE
Há, será mesmo? Eu acho que a vida tá me levando pra um rumo esquisitíssimo.
Há, será mesmo? Eu acho que a vida tá me levando pra um rumo esquisitíssimo.
RUBEN
Credo, Caroline! Pare de besteira.
CAROLINE
Sério. Você nunca vai saber qual é a sensação, Ruben. Tem
uma cópia de mim andando por aí. E a gente mal se fala.
RUBEN
Ai, meu deus, Carol. Você quem quis se mudar. O casamento
dela não ia influenciar em nada no relacionamento de vocês duas.
CAROLINE
Ai, como não, Ruben? A gente nunca mais ia dormir juntas.
Passear juntas. Ia ser eu, ela e ele.
RUBEN
Vocês já não dormiam juntas fazia tempo, Carol.
CAROLINE
Oras, de vez em quando! A gente sempre dormia juntas de
vez em quando.
RUBEN
E por que não podem dormir juntas de vez em quando agora?
CAROLINE
Porque ela me trocou, Ruben. Eu não posso dividir com ela
o mesmo marido. Eu não posso mais influenciar na vida dela. Eu nem quero ver o
bebê dela. Não posso fazer parte disso.
RUBEN
Meu deus, e por que não? Seu sobrinho é a coisa mais
linda do mundo, Carol. Ele fez três meses ontem.
CAROLINE
Eu sei. Eu não estou bem, Ruben. Eu nunca vou ficar bem.
RUBEN
Quando você se mudou pra cá você parecia tão feliz.
CAROLINE
Depois dos primeiros cinco meses, né? Tive que buscar uma felicidade forçada. Durou um ano. Aí depois fiquei deprê de novo. Fiquei deprê um ano inteiro. Dormia na rua de vez em quando. Aí ano passado eu decidi fazer faculdade. Passei, deu certo. Arrumei um trampo. Tudo deu certo. Mas daí eu pirei de novo, Ruben. Eu nunca vou parar de pirar não importa o quanto eu busque paz. Um ano bem, um ano mal.
Depois dos primeiros cinco meses, né? Tive que buscar uma felicidade forçada. Durou um ano. Aí depois fiquei deprê de novo. Fiquei deprê um ano inteiro. Dormia na rua de vez em quando. Aí ano passado eu decidi fazer faculdade. Passei, deu certo. Arrumei um trampo. Tudo deu certo. Mas daí eu pirei de novo, Ruben. Eu nunca vou parar de pirar não importa o quanto eu busque paz. Um ano bem, um ano mal.
RUBEN
Carol...
CAROLINE
E tudo o que eu queria era voltar no tempo. Pra dentro da
barriga da minha mãe. Pra nunca mais me separar da Carina.
(silêncio)
RUBEN
Carol, você não pode viver na sombra da sua irmã.
CAROLINE
Eu sou a sombra dela. Eu sou a minha irmã. Não somos
pessoas diferentes.
RUBEN
Mas é claro que vocês são pessoas diferentes, Carol!
CAROLINE
Não! Não somos!
RUBEN
São sim. Em tudo. Desde sempre. E eu carreguei você no
colo, lembra? Carreguei vocês duas. E eu posso dizer com certeza que vocês são
completamente diferentes uma da outra.
(silêncio)
CAROLINE
Só somos diferentes porque uma você colocava na perna
esquerda e a outra na perna direita. Fomos criando conceitos e pontos de vista
a partir da nossa posição com relação às pessoas e às coisas. Ela observava e
memorizava um lado da coisa, e eu, outro. Mas antes disso, éramos iguais.
Éramos completamente a mesma pessoa. E a mesma alma.
RUBEN
Carol, se você estiver precisando de ajuda...
CAROLINE
Vê? Você sabe que eu estou ficando mais louca do que o
normal.
RUBEN
Não é isso. É que você tem que parar com essas bobagens,
Carol.
CAROLINE
Eu não sei se eu quero parar. Eu quero descobrir mais
coisas.
RUBEN
Mas que coisas?
CAROLINE
Eu não sei. Eu ainda não as descobri.
(silêncio)
CAROLINE
Eu vou levar eles até a porta.
(ela sai)
(Ruben encontra um frasco com um líquido metálico dentro;
ele abre e cheira o frasco)
(Caroline retorna)
CAROLINE
Eles foram uns simpáticos. Me deram uma gorjeta, até.
Doze reais. O pagamento do artista na noite.
RUBEN
Eu ainda não dei meu ingresso.
CAROLINE
Não precisa. É brincadeira.
Não precisa. É brincadeira.
RUBEN
Eu insisto. O que tem dentro desse frasco, Carol?
CAROLINE
É mercúrio. Já viu que legal as bolinhas que formam?
RUBEN
Onde conseguiu isso?
CAROLINE
Quebrei seis termômetros. (ri)
RUBEN
Isso é perigoso. Você sabe, né?
CAROLINE
Que dia é hoje?
RUBEN
É ano bissexto. Vinte e nove de fevereiro hoje. Que
legal.
CAROLINE
Eu nunca entendi isso direito. Deveria existir dias até o
quarenta e oito, eu acho.
RUBEN
Por que quarenta e oito?
CAROLINE
Porque eu gosto desse número.
RUBEN
Tome cuidado com esse negócio aqui. Não tá pensando
besteira, né?
CAROLINE
Não, não vou me matar ainda. Fique tranquilo. Daqui uns
anos talvez.
RUBEN
Boba.
Boba.
CAROLINE
Eu gosto de ver as bolinhas se juntando. Só isso.
RUBEN
Sei. (ele tira um envelope do bolso) Tome.
CAROLINE
Eu disse que não precisa me pagar, Ru. Cortesia da casa.
Nem foi tão bom assim a apresentação.
RUBEN
Eu insisto. Tome.
(ela abre o envelope)
CAROLINE
Nossa, Ru, quantos reais tem aqui?
RUBEN
Dois mil. Presente de um fã.
CAROLINE
Pare, eu não posso aceitar. Eu não preciso de dinheiro.
RUBEN
Todo mundo precisa, Carol. Guarde ou gaste.
CAROLINE
Eu não preciso desse dinheiro, Ruben. E não vou precisar
também.
RUBEN
Por favor, aceite. É um presente.
(silêncio)
CAROLINE
Tudo bem.
(Ruben beija a testa dela)
RUBEN
Eu adoro você, viu.
CAROLINE
Eu também adoro você. Você é meu único amigo.
(eles se abraçam)
RUBEN
Eu vou indo. Tenho que chamar um taxi. E ligue pra
Carina, tá bom?
CAROLINE
Tem um ponto na esquina. Eu vou ligar.
RUBEN
Beijo, linda. Precisando é só me ligar também. Ou me
mande um e-mail.
CAROLINE
Tá. Você também.
RUBEN
Adorei o espetáculo.
CAROLINE
Obrigada.
(Ruben sai; Caroline rapidamente queima o envelope com o
dinheiro)
(black-out)
(em vídeo, mostra-se o efeito do mercúrio quando se junta)
(Caroline aparece dançando no escuro)
VOZ DE CAROLINE
Aquela noite eu quase bebi o mercúrio do frasco. Minha
conversa com um amigo antigo me deixou mais pra baixo. Só não fiz aquilo
naquela hora porque sabia que eu ainda tinha dois anos pra deixar isso
acontecer. Respirei fundo, chorei a noite inteira e acordei pensando merda.
Estava chegando o fim do quarto ano.
(Carina entra falando no telefone com alguma coisa na
axila)
CARINA
Ai, Ca, que delícia isso. Eu nem acredito! Quando você
vem então? (pausa) Tá. Eu vou preparar um jantar delicioso só pra nós duas. (pausa)
Não, só pra nós duas. Vai ser a nossa noite, tá bom? (pausa) Eu mando ele se
danar, oras. (ri) Convidar o Ru? Ué, não quer jantar só comigo, sua chata?
(pausa) Ai, não comece! Você que fez uma tempestade com tudo isso, Carol.
(pausa) Tá bom. Nossa, eu fiquei super feliz com a notícia, Carol. Você não tem
ideia. Eu acho que a gente devia tirar umas férias juntas. O que você acha? Só
eu e você. Por uns dias. (pausa) Ai, sei lá. Pra longe. Pra bem longe. Pra
gente tirar o atraso desses anos todos. (pausa) Ué, eu deixo o bebê com a mamãe
por uns dias. Uns quinze dias. Um cruzeiro! Vamos pra um cruzeiro! (pausa) Ai,
menina, um mês? Eu tenho que trabalhar, né? (pausa) Tá bom. Depois a gente vê. Venha
logo, então! Por que você não se muda amanhã, já? (ri) Tá. Tá bom. Nossa, essa
vai ser a semana mais longa das nossas vidas! Beijo, sua linda! Eu te ligo
amanhã, tá? Te amo muito, muito, muito, muito, viu. Beijo. (desliga) Que
delícia, meu deus.
(Ruben entra)
CARINA
Há! Adivinha a boa notícia!
Há! Adivinha a boa notícia!
RUBEN
O que?
O que?
CARINA
Adivinha, adivinha!
RUBEN
O que é que foi? Ganhou na loteria.
CARINA
Não, tonto! A Carol tá voltando!
RUBEN
O que?
CARINA
Eu acabei de falar com ela! Ela tá voltando, Ru! Ai, eu
tô muito feliz. Eu não aguentava mais essa besteira dela.
RUBEN
Sério? Mas tá voltando assim, do nada?
Sério? Mas tá voltando assim, do nada?
CARINA
Ela disse que o quinto ano chegou e disse que queria
passar esse quinto ano aqui perto.
RUBEN
Não acredito. Temos que tirar umas férias. Só nós três.
Vamos pra Europa passear e fazer compras.
CARINA
Não. Eu decidi que eu vou passar mais tempo sozinha com
ela, Ru. A gente precisa se entender.
RUBEN
Eu sei. Vai fazer bem pra vocês duas.
CARINA
Vai sim.
(Carina retira um termômetro de baixo do braço)
RUBEN
Tá com febre?
CARINA
Achei que estivesse. Mas não. Ai. (Carina derruba o
termômetro) Cacete.
RUBEN
Quebrou?
CARINA
Bosta. Quebrou. O que eu faço?
(black-out)
(uma música narra imagens de um vídeo com gêmeos
siameses; mostra-se pessoas com duas cabeças; mescla-se ao vídeo do mercúrio;
um óvulo e espermatozoides; dois bebês aparecem em um colo; um na perna
esquerda e outro na perna direita; um vídeo caseiro mostra Carina e Caroline
quando crianças; as duas vestem um vestido de mesma cor e laços iguais; elas
não fazem nada no vídeo, apenas sorriem e acenam igual; num outro vídeo, no
mesmo cenário, só uma delas aparece; e em um outro são duas meninas
completamente diferentes)
VOZ DE CAROLINE
Eu nasci no dia quarenta e oito de maio do ano de seis
mil sessenta e nove depois de Cristo, em Mercúrio.
(um foco acende e Caroline está caída no cão (dublê);
Carina está nervosa ao lado tentando usar o telefone)
CARINA
Ai, meu deus do céu. (atentem) Alô? Ruben? Ruben, pelo
amor de deus. A Caroline tomou uns remédios. Eu tô sem meu carro aqui. Eu já
chamei uma ambulância, mas essa porra não chega. Pelo amor de deus, venha me
ajudar aqui. (pausa) Eu não sei! Eu não sei! Eu cheguei e eu abri a porta...
(pausa) Ruben, pelo amor de deus, venha logo! (pausa; ela grita desesperada) Eu
não sei se ela tá viva ou morta, Ruben! (ela chora) Por favor, venha logo...
(desliga; ela se senta ao lado de Caroline) Ai, Carol. Por que, minha irmã? De
novo, não.
VOZ DE CAROLINE
O quinto ano eu mal vi passar. O quinto ano desde a minha
tragédia, foi o ano mais feliz de nossas vidas. O reencontro. Tempos antes eu pensava
que eu iria viver assim o resto da vida: um ano bem, um ano mal, um ano bem, um
ano mal. E naquele quinto ano que eu voltei a morar perto dela eu juro que
todos esses pensamentos se afastaram. Eu pensava que tudo tinha acabado e que
agora as coisas iam andar bem. Não ia ser só mais um ano feliz, ia ser o ponto
final pra uma incrível reconciliação de uma história de cinema.
(black-out; mostram-se fotos das duas em situações
divertidas; caretas e sorrisos)
VOZ DE CAROLINE
Quatro anos sonhando com esse reencontro, e agora o que a
gente mais queria era se curtir. Se conhecer de novo. Nós fizemos um cruzeiro
magnífico e depois fomos pra Europa com o Ruben. Foi o melhor quinto ano da
vida! No fim das contas, demos a desculpa de que esses quatro anos longe, foi
para voltarmos com mais vontade e com muito mais amor. Ela estava disposta a me
entender e eu estava disposta a nos fundir.
(a luz acende e Carina (dublê) está debruçada sobre o
corpo de Caroline; Caroline, deitada, encara a plateia)
CAROLINE
Mas eu estava certa somente de uma coisa. Um ano bem, um
ano mal. Alguma coisa sempre nos inquieta. Chegamos no sexto e último.
(black-out)
(um foco destaca Ruben)
(ele conversa com alguém)
RUBEN
Eu não quero saber o que o senhor acha. Eu quero que você
me dê respostas, ou que indique um tratamento. Eu não acho que isso seja
frescura da cabeça dela, principalmente depois disso. Ela está com problemas.
Há anos ela tem problemas, mas a gente deixou ela seguir o que queria. Agora a
situação ficou fora do controle, doutor. Eu não quero depois ficar sabendo de
uma tragédia na história dessas meninas. A Caroline precisa de um tratamento
duro, doutor. Ela já não está bem com si mesma há muito tempo. Desde que a irmã
se casou.
(Caroline entra)
CAROLINE
Você vai me internar mesmo aqui, Ru?
RUBEN
É pro seu bem, Carol. Pense que é pra você parar de
pensar naquelas besteiras todas.
CAROLINE
Eu não quero parar de pensar naquelas besteiras. São as
minhas besteiras. Cadê a Carina?
RUBEN
Carol, nós amamos você. Sua irmã te ama mais que o mundo,
Caroline. Elas não iriam suportar perder você, menina. Você nos deu um baita de
um susto.
CAROLINE
Me desculpe. Era pra ter dado certo.
RUBEN
Ca, eu sei que é difícil. Mas vamos tentar, ok? Você fica aqui um tempo e se você não gostar eu juro que eu mesmo venho te buscar e aí a gente vai pra praia. Combinado?
Ca, eu sei que é difícil. Mas vamos tentar, ok? Você fica aqui um tempo e se você não gostar eu juro que eu mesmo venho te buscar e aí a gente vai pra praia. Combinado?
CAROLINE
Eu não quero ficar aqui, Ru.
RUBEN
Carol, é pro seu bem. Você vai ver como você vai melhorar.
CAROLINE
Eu não quero.
RUBEN
Por favor, Carol. Tente. Uns dias.
(um foco destaca Caroline da cena)
CAROLINE
Os dias tornaram-se meses. E aí eu fui ficando mais louca
porque eu era tratada como louca. Tudo era coisa da minha cabeça. E na verdade
realmente era mesmo. Fui eu que inventei minhas paranoias. Mas eu as apreciava
e me achava criativa. E nesse lugar foi onde eles tentaram me tirar o que eu
tinha de mais importante além de minha irmã. Eles iriam fragmentar a parte
Caroline de nós: eu. Minha irmã já estava fragmentada em milhões de pedaços. E
eu, seis, por enquanto. Com medo de se tornar, sete, oito, nove. Olha como é
engraçado, primeiro éramos uma. Depois duas. Depois um monte. Eu não consigo
suportar essa matemática sem sentido! E não consigo suportar o limite
matemático pra toda essa bosta. Eu acho que eu nasci no dia quarenta e oito de
maio, e ponto final. Não sei quem foi o idiota que disse que não aí. (pausa) Eu
tenho medo de cada vez ficar mais louca ainda.
(Carina, em um vídeo, chama Caroline)
CARINA
Carol. Psiu.
CAROLINE
Oi?
Oi?
CARINA
Aqui, ó.
CAROLINE
Ca! Você! Que saudade!
CARINA
Eu também. Vim ver como você tá.
CAROLINE
O que você acha? Vocês me trancaram aqui.
CARINA
Carol, isso tudo é...
CAROLINE
Pro meu próprio bem, eu sei, eu sei. Eu só tô cansada. Eu
acho que aqui eu tô ficando pior.
CARINA
O médico disse que você está melhor.
CAROLINE
Será?
Será?
CARINA
Você acha que não? Ele disse que em breve você poderá
voltar pra casa.
CAROLINE
Em breve quando?
CARINA
Eu não sei. Mas ele disse que estamos progredindo.
CAROLINE
Como assim “estamos”? Quanto tempo eu tô aqui? Onze ou
dose meses?
CARINA
Onze. Acho que vai fazer um ano. Já é pra você tá melhor,
Ca.
CAROLINE
Depende se você vê a situação sentada na perna esquerda,
ou sentada na perna direita do sujeito.
CARINA
Oi?
CAROLINE
(cínica) Oi. Tudo bem? Porque se você ver esse espaço
daquele canto (aponta), você terá uma observação e experiência únicas.
CARINA
Carol...
CAROLINE
Eu sei, eu sei... Mas o problema é que eu sou louca,
Carina. Não adianta eu sair daqui porque eu vou ser um estorvo pra você o resto
da vida. Não adianta dizer que não, mas olha que egoísta que eu fui: tudo o que
eu queria era você de novo pra mim. E olha que egoísta você foi: você é parte de mim. Você entendeu? Você é parte de mim. E aí você decide dar
essa parte de mim pra outra pessoa? Pra um estranho? Você me dá, sem meu
consentimento, você consegue entender? Isso não é nem egoísmo, é crueldade.
Você me reparte em dois de novo, Carina. Em três! Você me repartiu em seis
pedaços, até agora, Carina. Seis bostas de anos diferentes. Seis Carolines de
mim. E sei lá quantas mais de você, (grita) porque você não me deixou estar do
seu lado!
CARINA
Carol, como que eu não deixei? Você quem foi embora.
CAROLINE
Você não me deu outra escolha. Eu não ia suportar.
CARINA
Você nem tentou.
CAROLINE
Pois eu tentei o tratamento nessa bosta desse lugar e não
funciona. Meu problema sou eu e você.
CARINA
Caroline, pelo amor de deus, você não pode colocar esse
peso nas minhas costas. As coisas na vida real não são como você pensa. Com
toda essa poesia e importância pra nós duas como indivíduos especiais e
excepcionais. Lá fora eu e você somos dois números. E não adianta ficar se
lamentando das coisas que a gente não entende, poxa. Tem que seguir em frente.
CAROLINE
Se você soubesse de um grande segredo você iria conseguir
disfarça-lo?
CARINA
E qual é o grande segredo, Carol? Qual é?
CAROLINE
Eu sei que eu e você somos a mesma pessoa.
(silêncio)
CARINA
Carol...
CAROLINE
Você vai dizer que não, porque está confusa. O mundo
real, como você diz, nos confunde. Mas eu sei que somos a mesma pessoa, Carina.
Eu lembro.
CARINA
Pois essa parte que você diz ser você, diz que não acha
isso. Eu digo que eu acho que somos duas pessoas. E somos pessoas completamente
diferentes.
CAROLINE
Eu disse, o mundo te confundiu com os pontos de vista...
CARINA
Você está parecendo um desses crentes, Carol! Você tá
pirando numa ideia sobrenatural da coisa.
CAROLINE
Não, não. Não é nada de sobrenatural. É natural mesmo. É
assim que funciona. Ca, nós não nascemos nesse planeta. Eu e você. Eu consigo
me lembrar. Era um planeta gigante, e eu tentava dar cabeçada no planeta. E
tinha uns outros milhões chegando pra viver naquele planeta. Mas eu tinha que
ser a mais esperta, eu precisava. E aí eu bati com força mais uma vez e o
planeta abriu um buraquinho e eu entrei e fiquei bem quietinha. Sozinha ali. E aí
eu era uma bola de mercúrio vindo das bolas do meu pai. Uma bolinha de mercúrio
bem bonitinha, quietinha, esperando algo acontecer. E de repente eu, o planeta
Mercúrio fundido, me divido em dois. Blup! Dois. Eu olho pra você e você olha
pra mim. E eu enxergo o que você enxerga e você enxerga o que eu enxergo. E nos
abraçamos. E nascemos arrepiados de emoção. E de medo da separação seguinte. E
aí foram nos separando. Mamãe até tentou nos vestir iguais. Mas assim como a
minha digital é diferente da sua por causa dos lados que ficamos no útero, a
posição que eu fiquei com o nome que decidiram ser o meu, e com a posição do
lado que eu observava a família e a
posição perante à todo o mundo e à toda experiência da vida, eu como Caroline e
você como Carina, fez a separação nas nossas opiniões e nos fizeram acreditar
que somos duas. Mas isso está errado, Carina, está muito errado. E é isso que
está me deixando louca.
CARINA
Ca, todos temos nossas aflições. Você está envolvendo a
minha vida nos seus negócios. Eu te amo mais que tudo, mas eu também tenho medo
dessas coisas que você diz.
CAROLINE
(brava) Mas caralho, você não entendeu...
CARINHA
(grita) Você estava dizendo que nós nascemos em Mercúrio,
Carol! O que você quer que eu entenda? Você diz que lembra de quando a gente
era um espermatozoide. Meu deus do céu, Carol. Isso não tem absolutamente nada
de possível.
(silêncio)
CAROLINE
Eu às vezes misturo assuntos. Mas tente entender. Eu me
lembro de quando éramos uma.
CARINA
A gente mal lembra quando tinha seis anos, Carol. E
naquela época, eu já preferia a Xuxa. E você a Angélica.
(silêncio)
CAROLINE
Você jamais vai sentir a sensação que eu tenho.
CARINA
Qual sensação? A de te sentir? Claro que eu te sinto. Eu
te sinto o tempo inteiro. Carol, eu sei o que você quer dizer. Mas não existe
explicação pra tudo nessa vida então vamos viver.
CAROLINE
Eu não consigo deixar de pensar e virar um robô. Não
quero viver sem saber.
CARINA
Mas sem saber o que, meu deus?
CAROLINE
Não sei. Se eu ainda não sei, como eu vou saber?
(silêncio)
(no vídeo, Carina desaparece e Caroline aparece em seu
lugar)
CAROLINE
Eu acho que eu só quero morrer, é isso.
CAROLINE (Vídeo)
Oi, Carol!
CAROLINE
O que?
CAROLINE (Vídeo)
Sou eu. Tudo bem com você? Comigo, digo.
CAROLINE
Oi?
CAROLINE (Vídeo)
Precisa de um ombro, queridinha? Ruben comprou um foguete
espacial que pode nos levar de volta à Mercúrio, Carol!
CAROLINE
O que você quer, Carina? Vai me tirar dessa porra de
lugar ou vai ficar jogando na minha cara que eu sou uma louca desvairada? Eu já cansei dessa visita. Se não for pra
ajudar. É melhor ir embora. Eu tô cansada de que tirem sarro dos meus
pensamentos.
CAROLINE (Vídeo)
Não, você está se confundindo. Eu não sou a Carina. A Carina
já foi embora faz um tempinho.
(silêncio)
CAROLINE
Quem é você, então?
CAROLINE (Vídeo)
Eu sou você.
(em estrondo; black-out)
(um vídeo mostra o silêncio no planeta Mercúrio; um pôr
do sol vermelho e grande; um tapinha na bunda de um bebê)
(Carina entra; ela está em sua casa depois da visita à
clínica e carrega a caixa com os pertences de Caroline)
(cansada; ela se deita e chora)
CARINA
Sua burra, burra, burra, burra! (chora mais) Você também
era parte de mim, Ca. Eu só não conseguia sentir antes. Como eu sinto agora...
(ela dorme; Caroline aparece no vídeo; ela canta uma
música de ninar)
CAROLINE
Durma criança nos
braços do planeta
Sinta a esperança
de vivermos como um só
Chore, menina, não
se esqueça dos problemas
Lembre que o
destino, meu e seu, é virar pó
Nunca adormeça sem
ter grandes certezas
Antes de dormir,
ore e olhe para o céu
O egoísmo é não
dividir a mesa
Destruir a alma é
que é um caso bem cruel
A matemática faz
parte da rotina
Quem é problemático
tem mais é que sofrer
Aquela dúvida virou
minha única amiga
Tiraram o elástico
que unia eu e você
CARINA
Me desculpa, Carol. Eu não sabia que era tudo isso.
CAROLINE
Eu precisei morrer pra você lembrar.
CARINA
Eu sei.
CAROLINE
Eu tinha te avisado tanto. A resposta estava fácil lá
dentro da gente. Tudo o que precisávamos era ficar juntas.
CARINA
Eu sei. Me desculpa.
CAROLINE
Mas agora uma esperança paira sobre mim, Carina. A morte
é um segredo inimaginável.
CARINA
Somos uma só. Uma só...
CAROLINE
E seremos de novo.
E seremos de novo.
(o vídeo desaparece)
(ao fundo, surge Caroline (dublê) dançando no escuro; ela
cantarola a mesma música; Carina acorda)
(ela se levanta e prende o cabelo; limpa o rosto e vai
até um foco; fala num microfone, na missa de sétimo dia)
CARINA
Me falaram que eu tinha que falar alguma coisa, então...
(pausa) Foi culpa minha. Tudo bem. Eu sei que foi. A única coisa que a Caroline
precisava, eu tirei da vida dela. Vocês já ouviram falar de membro fantasma?
Assim, quando alguém perde algum membro do corpo, um braço, uma perna, e aí ela
continua sentindo esse membro por tempos depois. Sente coçar, doer, arrepiar.
Ele sente que estaria mexendo os dedos se ainda tivesse um braço, por exemplo.
Era isso que ela sentia. Eu era um membro dela dividindo minhas experiências
com uma terceira pessoa. No mundo real, ela não poderia se apaixonar pelo mesmo
homem que eu. Nem eu entenderia uma coisa dessas. Nós tivemos o mesmo cachorro,
as mesmas bonecas... Sempre tivemos o mesmo tudo! Só que ninguém se lembra
exatamente do dia do nosso nascimento, não é? Nossos pais nos contam, mas o que
eles falam são sobre as experiências deles. A nossa experiência jamais nos
lembraremos. E nem lembraremos quem éramos ontem. Ou ano passado. Cada ano que
passa a gente se transforma em uma pessoa diferente. Apenas o nosso nome que
limita uma transformação maior e mais grandiosa. Mas estamos o tempo inteiro
sendo pessoas diferentes, e nos contradizendo. E esquecendo... (pausa) Caroline
sabia que o mundo era uma maluquice. Nos seus últimos meses ela dizia que nós
tínhamos nascido no planeta Mercúrio no ano seis mil e cacetada. E dizia que se
lembrava do dia da nossa fecundação. Do dia que a gente se dividiu em dois no
útero da mamãe. Ela já estava sob efeito de remédios fortes, e se definhando
por dentro. (pausa) Mas quando aconteceu, quando ela tomou o Mercúrio, eu pude
sentir dentro de mim. Logo que aconteceu eu não fiz nada. Eu sabia que tinha
acontecido alguma coisa com ela, mas decidi esperar o telefone tocar. E ele
tocou e era lá da clínica dizendo que ela havia morrido. Ela quebrou seis
termômetros e uniu o mercúrio de dentro num pote. E aí bebeu. Sozinha. Deixou uma
carta miserável, e morreu. (pausa) Já ouviram falar de membros fantasmas?
(Caroline dançarina desaparece; num vídeo, Caroline
gargalha)
CARINA
De novo?
CAROLINE
De novo o que? Já se cansou de mim de novo?
CARINA
Eu nunca me cansei de você, Ca. Não era fácil de
entender.
CAROLINE
Não quer que eu venha mais?
CARINA
Quero. Só não quero que você me assuste.
CAROLINE
Oras, e eu te assusto por que? Tô tão feia assim depois
de morrer.
CARINA
Não. Você continua a minha cara.
(elas riem)
CARINA
É que é toda noite, sabe. Eu não sei quanto tempo eu
ainda aguento. Tá me deixando louca, isso.
CAROLINE
Se quiser, eu estou te esperando aqui.
CARINA
Não. Não fale mais isso.
CAROLINE
A morte não dói, Carina.
CARINA
Não interessa. Eu não quero pensar sobre isso.
CAROLINE
Olha como isso é engraçado, né? Eu finalmente estou
dentro da sua cabeça de novo. Finalmente voltamos a ser uma, em partes.
CARINA
Sim, toda vez que eu durmo.
CAROLINE
Eu que te ajudo a dormir, sua chata. Não gosta da minha
música?
CARINA
Gosto. Eu só queria lembrar dela quando eu acordo. Eu
sempre me esqueço.
CAROLINE
Não precisa lembrar. Ela é só nossa. Daqui de dentro.
CARINA
Esses encontros parecem tão reais, não parecem? Parece
como se estivéssemos conversando mesmo. Eu sei que eu tô sonhando e inventando
suas respostas, mas... Sei lá. É tudo tão estranho.
CAROLINE
Talvez seja você mesmo quem invente as minhas respostas.
Mas isso não quer dizer que isso não é real.
CARINA
Eu estou tão confusa. Talvez seja por isso que você
passava antes.
CAROLINE
Talvez, não. Era
por isso. Você virou um fantasma na minha cabeça, igual o que eu sou pra você
hoje. E veja que fim que deu.
CARINA
Eu tô com tanto medo, Ca. Com tanto medo. Eu não sei se
eu quero mais saber.
CAROLINE
Saber de que?
CARINA
Eu não sei! Eu não sei! É tudo tão estranho. Eu sinto
como se tivessem arrancado uns metros do meu intestino e costurado as bordas.
Falta alguma coisa lá dentro, sabe. Um aberto. Como se uma parte de mim
estivesse sendo esmagada e pulsando torto. Eu tenho medo de mim, e eu tenho
medo de você.
CAROLINE
Não precisa ter medo de mim. Eu não posso fazer mais
nada. Meu corpo físico já deve estar apodrecendo dentro daquele caixão.
CARINA
Não me lembre disso! Quero dizer que tenho medo de nós.
(silêncio)
CARINA
Eu entendo o seu grande segredo, Ca. Agora eu entendo.
CAROLINE
Entende mesmo?
CARINA
Sim. Hoje eu percebo que não somos duas pessoas
distintas. Nós fomos e sempre seremos a mesma pessoa.
(a campainha toca; Carina acorda e o vídeo desaparece)
CARINA
Quem é?
RUBEN
(off) Sou eu! Feliz aniversário!
CARINA
(abre a porta) Ai, Ruben, que horas são?
RUBEN
Meia noite em ponto! Eu tava passando aqui perto e decidi
dar uma passadinha. Ó, seu presente. (entrega um pacote)
CARINA
Não precisava, Ru.
RUBEN
É presente. Uma lembrancinha.
CARINA
Obrigada. (dá um beijo nele)
Obrigada. (dá um beijo nele)
RUBEN
Você tá bem? Vamos tomar um chope, um vinho?
CARINE
Não. Obrigada, Ru. Tô meio cansada. Tô bem. Tenho sonhado
muito.
RUBEN
Olha, hoje é um dia que você tem que tirar folga da vida,
Ca. Hoje é seu aniversário e eu quero ver você só com sorrisos nessa cara
linda. Entendeu? Entendeu?
CARINA
Entendi. Mas não sei o que temos pra comemorar.
RUBEN
Comemorar, não. Celebrar.
CARINA
Não sei o que temos pra celebrar.
Não sei o que temos pra celebrar.
RUBEN
Ca, por favor.
CARINA
Tá bom. Me desculpe. Eu não sei o que está acontecendo
comigo.
(silêncio)
RUBEN
Cadê seu marido e o baby?
CARINA
Quem?
RUBEN
Seu marido o bebê.
CARINA
(ri) Você tá me confundindo, seu bobo.
RUBEN
Oi?
CARINA
Que marido e que bebê! Você tá louco? Não quero essas
coisas pra mim, não. Não sou igual àquela tonta da Carina.
(silêncio)
RUBEN
Ca, do que você tá falando?
CARINA
Ai, Ruben, não me encha o saco. Eu tô meio dormindo
ainda.
(silêncio ela pega um copo de água)
CARINA
Quer beber alguma coisa?
Quer beber alguma coisa?
RUBEN
Ca, onde eles estão?
CARINA
Eles quem, caralho? Você bebeu, Ruben?
RUBEN
Não, Carina, você que acabou de dizer como se... como
se... Você tá bem mesmo? Você tomou algum remédio?
(silêncio)
RUBEN
Carina, eu tô falando com você. Você tomou algum remédio?
CARINA
Por que tá me chamando por esse nome, Ruben?
RUBEN
Como assim, meu deus? Carina, pelo amor de deus. Você
está fazendo alguma brincadeira comigo? Isso não tem graça.
CARINA
A Carina tomou mercúrio...
RUBEN
Carina! Não! Puta que o pariu, meu deus. (ele a pega no
rosto) Carina, pelo amor de deus, olhe pra mim. Olhe aqui.
(silêncio; eles se olham)
RUBEN
Ca, por favor. Não faça isso com você mesma.
CARINA
Fazer o que?
Fazer o que?
RUBEN
Ca...
CARINA
Eu não entendo, Ruben. Eu não entendo.
RUBEN
Eu também não entendo... Mas não faça isso com a gente.
CARINA
Eu não estou fazendo nada, Ru. Você está fazendo uma
tempestade, igual ela dizia.
(Ruben fecha os olhos; Carina realmente acha que é
Caroline)
CARINA
O que foi, Ru? Eu sei que eu sou difícil de entender.
RUBEN
Não é isso. Você quer que eu te explique?
CARINA
Quero.
RUBEN
Carina, na minha realidade, vocês duas eram a Caroline e
a Carina. Duas meninas lindas, filhas de amigos meus. E aí há duas semanas a
sua irmã Caroline se suicidou, Carina. Eu vim visitar a Carina hoje. Você é a
Carina.
CARINA
Pare de ser idiota. Fui eu quem me suicidei.
RUBEN
Meu deus. (ele chora assustado)
CARINA
Por que você tá chorando, Ru?
RUBEN
Não faça essas brincadeiras comigo, Ca. Se isso for uma
brincadeira é de muito mal gosto.
CARINA
Mas brincadeira de quê, meu deus? Ruben, você veio
celebrar meu aniversário então vamos celebrar. Não me confunda ainda mais!
RUBEN
(pra si) O que eu faço? O que eu faço?
CARINA
Ru, você tá me assustando.
RUBEN
Você quem tá me assustando, Carina!
CARINA
Para de me chamar por esse nome, caralho!
RUBEN
(chora mais)
(black-out)
(num foco escuro, Carina e Caroline se abraçam; elas
dançam contentes e brincam com coisas banais)
VOZ DE CAROLINE E CARINA
Alguém já ouviu falar sobre uma pessoa que se matou duas
vezes? (pausa) No sétimo ano, foi a vez da parte esquecida de nós, entender
sobre quem éramos. Eu passei seis anos entendendo sobre as coisas e depois me
matei. Aí eu tive um ano de purgatório, entendendo mais e mais sobre as coisas.
E me provando que eu não era duas pessoas. O sétimo ano, o ano da Carina, foi o
mais doloroso de todos. Suas compreensões do universo e sobre si mesma não
poderiam e nem deviam ser aceita pelos personagens terceiros. Então eu sofri.
Sofremos por igual, pois nunca se diferenciou. (pausa) A nossa confusão na
Terra é culpa do ponto de vista das coisas que observamos. Nós devíamos nos
considerar uma única carne em movimento, porque é o que somos. Uma bola viva. Em
Mercúrio a coisa sempre foi igual. Separava e fundia tudo. Tudo fundido.
Fundido, não fudido. Fundido. E sempre no formato de esfera. De gota. De
gravidez. De células. De planetas. Tudo circular. O difícil é quebrar limites que
alguém decidiu regrar nessa piração toda. (pausa) Eu sempre fui e sempre serei
somente uma.
(Caroline e Carina terminam uma dança espetacular)
(um vídeo mostra uma menina sozinha)
FIM
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