FACE TO FACE

FACE TO FACE

PERSONAGENS
RENATA
CLAITON
JUDSON
DONA IRENE
MONICA
PÉRICLES
GILBERTO
ROSANA
SARGENTO
MILITARES
ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
MANIFESTANTES DO LADO A
MANIFESTANTES DO LADO B

CENA 1

(Enquanto a plateia entra, todos os personagens são apresentados num telão com uma foto de rosto; Renata deve permanecer durante todo o espetáculo mexendo em um computador ao fundo; no terceiro sinal vemos o ícone de “nova atualização” do Facebook; bruscamente todos os personagens entram divididos em dois grupos e gritam para o público, todos de uma vez:)

LADO A
(coisas do tipo)
“Vocês querem que a gente dê o cu também”
“Comunista! Petralha! Marxista!”
“Seus vagabundos, vão trabalhar!”
“Isso daqui não é Cuba!”
“Corruptos! Vocês apoiam a corrupção!”
“Ladrão! Vagabundo!”
“Viva a dignidade! Pela moral! ”
“Viva a PM! Viva a PM"”
“Vá trabalhar!”

LADO B
(coisas do tipo)
“Seu coxinha de merda! Você é um bem alimentado!”
“Burguesia fede! Burguesia fede! Seus burguesinhos de merda! ”
“Machista! Fascista!”
“Vocês vão foder com o Brasil!”
“É pobre de direita? Você é burro!”
“Hipócrita! Cristão pervertido!”
“Vá pegar um livro de história, ignorante!”

(o Lado B começa a se dispersar primeiro; logo o grupo vai diminuindo, pouco a pouco, até sobrar apenas Claiton e Judson)

CLAITON
Você não conhece a minha vida e como foi a vida da minha família pra falar. Meu pai deu duro pra conseguir tudo o que tem e não precisou de nenhuma ajudinha do governo pra se sustentar. Por que esses vagabundos não conseguem seguir os bons exemplos? Só seguem sempre a merda?

JUDSON
Mas e você? Tudo bem, seu pai foi batalhador, mas e você? Você suou quanto nessa vida pra merecer a vida boa que tem?

CLAITON
Meu pai suou por mim! E eu trabalho com ele desde os doze anos, então...

JUDSON
Não me venha com essa, rapaz! Você não sabe o que é ter que ralar na vida!

CLAITON
E o cara que faz nove filhos pra receber Bolsa Família, sabe?

JUDSON
Você diz que tem que ensinar a pescar, mas você tá sendo ensinado desde pequeno COMENDO! Dá pra comparar? Você come bem todo dia! Você come direitinho desde sempre. É fácil aprender a ser empresário quando o pai te obriga a fazer isso e te alimenta para isso.

CLAITON
Mas...

JUDSON
Pra mim, não interessa se existe gente fazendo mau uso da vida, o que me interessa é que todos comam ao menos o mínimo. Que culpa algumas crianças tem de nascer com pais sem visão empreendedora?

CLAITON
Pode parar, cara. Todo esse negócio de que um lado defende pobre e um lado defende rico é uma besteira. Isso foi inventado por aquele partidinho de merda que você apoia. Eu entendo a necessidade das ajudas sociais, mas acho que isso acomoda o pobre.

JUDSON
Há muito mais tempo tem pobre lutando pela terra que lhe é de direito, que foi tomada e demarcada por qualquer um que se auto intitulou merecedor e que só venceu porque tinha mais força braçal. Isso ninguém inventou. E se alguém realmente tem culpa nisso, é quem fica confortável em ter luxo enquanto alguns não têm nada. E principalmente nem luta pra que todos tenham o mínimo.

CLAITON
Mas e qual sua luta, comunista? O que você faz? Discute pelo Facebook? Meu pai doa dinheiro pra quatro instituições de caridade. E o seu pai, o que ele faz? Você é uma piada, Judson. E esse Iphone aí?

JUDSON
Meu pai morreu de AIDS.

(silêncio)

CLAITON
Sinto muito pelo seu pai, mas eu acho que quem procura acha. Depois que eu falo que temos um lado limpo e vocês um lado sujo, ninguém concorda. Perdão, mas só apanha da polícia quem faz merda, só morre quem faz merda.

JUDSON
Cale essa boca, seu imbecil! Você tá de brincadeira comigo? Pode isso, produção?

CLAITON
Um dos meus defeitos é a sinceridade. Desculpe, é o que é.

JUDSON
Eu só não bato em você agora porque isso ofende a minha ideologia. A vida vai te ensinar. Mas que eu tô com vontade de socar a sua cara, eu não posso negar.

CLAITON
Uh, quer partir pra briga, é? “Isso ofende a minha ideologia”. Pode vir, eu não tenho medo de você, bundão. Pode vir!

JUDSON
Você pensa ser o charme dos seres humanos, o exemplo da dignidade, mas não passa de um merdinha mimado. Você vai virar pó no final também.

CLAITON
E você também, otário. Vocês não vão conseguir transformar o país numa Venezuela. O povo brasileiro não vai deixar.

JUDSON
(ri) Dá até dó, cara. Sério.

CLAITON
Então pra que você veio discutir? Eu não vou mudar a sua opinião e você não vai mudar a minha. Dá até dó dessa sua cara aí, ó.

JUDSON
Eu vim porque eu curtia a nossa amizade. Porque você importa. Eu queria que você abrisse os olhos, é isso o que eu queria. Se fosse um qualquer eu já tinha excluído. Mas eu achei que fosse importante vir te alertar.

CLAITON
Cada um tem a sua opinião. Não é você quem defende um mundo com diversidade? Que cada um pense diferente.

JUDSON
Mas a sua opinião fere exatamente isso em mim.

CLAITON
O que?

JUDSON
O meu direito a ser diferente. A sua opinião fere o meu direito a ser diferente, porque vocês querem conservar uma ideia do que é moral e do que é imoral. E a moralidade deve ser sempre evoluída, não dá pra parar nas mesmas regras que se usava na Idade Média!

CLAITON
Pois a sua opinião também fere o meu direito a pensar diferente. Porque vocês querem me tirar o direito de não querer ter uma babá lésbica cuidando da minha filha, por exemplo. Eu sei o que vocês planejam transformar isso daqui.

JUDSON
Você tá de sacanagem, né, Claiton? Na democracia você teria o direito a pensar diferente, você pode odiar viado se você quiser, você pode odiar quem você quiser!

CLAITON
Mas vou ter que me calar. Vocês querem que eu cale a minha boca com a minha opinião de que isso é imoral.

JUDSON
A imoralidade que você fala é ilusória, Claiton! Você desconhece essas pessoas e as julga pelo sexo dela.

CLAITON
Não é nada disso, você que não entende, Judson! Para de ser cabeça oca!

JUDSON
Eu não consigo entender por que você só confia em heterossexuais pra cuidar da sua filha. Se a pessoa for pra ser uma pessoa ruim, ela vai ser uma pessoa ruim sendo viado ou sendo macho. Você não consegue mesmo entender que seu medo é bíblico? Por um ensinamento de higiene da época que essa bosta foi escrita – sim, eles se referiam à higiene de homens que tem relação com outros homens – é que você tem medo das pessoas por causa disso.

CLAITON
Se na democracia eu tenho o meu direito de pensar diferente, você tá ferindo o meu direito vindo querer mudar minha religiosidade. Hipocrisia é pouco, né?

JUDSON
Mas o caralho é que você não é um cristão, Claiton! Puta que o pariu! Você não segue o que Cristo mandou então não é cristão! Você é um falso cristão e todo mundo sabe! Você só faz da boca pra fora.

CLAITON
Você não sabe de nada. Eu sou cristão desde pequeno. Mas todo mundo peca...

JUDSON
Realmente, você está certo. Ainda não vivemos uma democracia. Exatamente por isso que eu vim aqui lutar pelo meu direito de ser viado e ter o seu respeito, por exemplo. Como bom amigos que fomos em uma época importante da nossa vida. Mas você é um cabeça dura orgulhoso, Claiton.

CLAITON
Mas você não é viado, Judson. É?

JUDSON
Você entendeu o que eu quis dizer. O que interessa é que não dá pra aceitarmos mais esse tipo de opinião, Claiton. Você ajuda o retrocesso da nossa evolução.

CLAITON
Para, cara. Você tá falando sério? É sério isso mesmo?

JUDSON
O que?

CLAITON
Você saiu do armário, Judson?

JUDSON
E se fosse, cara? E se fosse isso?

CLAITON
Não, para.

JUDSON
Claiton, eu vou ter que te excluir.

CLAITON
Tudo bem se você for viado, Judson. É que eu pensei... a gente sempre pegava as minas.

JUDSON
Eu não sou gay, cara. Você não entende bosta nenhuma. Eu tô dizendo que eu não sei fazer sala pra gente que parou no tempo em assuntos tão básicos. Gente que se diz cristão, mas que trai a namorada e tira sarro de travesti.

CLAITON
Cara, o duro é que você se acha o dono da razão. Se quiser me excluir pode me excluir. Acho criancice da sua parte, mas enfim. E eu quero que você prove o que você tá falando. Eu nunca traí a Jenyfer. E aquilo foi só uma piada, tá bom? Quem não sabe levar na esportiva é que tá atrasado no tempo. E eu sempre desconfiei que você tivesse um pezinho lá, rapaz, que gostasse da fruta. Nem vem que eu gosto de buceta, hein! Eu não tenho preconceito, Judson, só não quero que minha filha seja influenciada, por exemplo, e comece a dirigir caminhão. (gargalha da própria piada) Judson?

(Claiton percebe que Judson estava mexendo no celular; ele vai conferir no seu também)

CLAITON
Você me excluiu, seu corno!

JUDSON
Não tem porque a gente fazer sala. Eu não vou conseguir ver suas postagens e ficar quieto. Então é melhor pra nós dois.

CLAITON
Judson, acho isso uma puta de uma criancice! Mas você quem sabe.

JUDSON
É difícil pra mim, como alguém que se preocupa com a nossa existência, ter que conviver com alguém que defende o passado.

CLAITON
Você sempre quer terminar o assunto com uma frase de efeito e espera que eu me cale com seu argumento, não é? Você não vai me fazer mudar de opinião, Judson.

JUDSON
Eu só espero que você pense um pouco mais nas coisas que você defende e veja se isso está ligado ao amor do Cristo que você tanto adora ou se está ligado à uma convençãozinha de merda. Que eu me lembre, Cristo não falou pra ser vingativo, pra ser sarrista, que fere a auto estima das pessoas. Pare de ser orgulhoso.

CLAITON
Pare de ser orgulhoso você! Você não é o dono da razão! Discutir com petista é igual discutir com pombo...

JUDSON
Ah, meu vai se fuder! Pare de ser idiota, Claiton!

CLAITON
E ainda precisa apelar pro baixo calão!

JUDSON
Eu nem sou petista, caralho! Pare de ficar parecendo um cristão que defende a moral a todo custo! Você dirige alcoolizado, Claiton! Você bebe e dirige que eu sei e você nem tem vergonha de negar!

CLAITON
Pare de me julgar, você não conhece a minha vida.

JUDSON
Eu já estive junto! Você curtia uma cocaína e todo mundo sabe. A gente divide o mesmo planeta, imbecil. Não tente falar de moralidade que tá ficando feio pra você.

CLAITON
Você também curtia uma cocaína, Judson! E fuma maconha até hoje que eu sei.

JUDSON
Por isso mesmo que não sou bobo e defendo o lado de cá.

CLAITON
E eu tive que aprender que cocaína é uma merda na marra, Judson. Hoje eu sei das merdas que eu podia ter evitado.

JUDSON
E agora você quer forçar que os outros jovens não entre na mesma burrada, à força? À força, é isso mesmo? Funciona à força? Pelo histórico do bicho humano, funciona? Com a repressão da PM, que você tanto falava mal naquela época, que você correu na biqueira com o cu na mão. Era delícia? Que tipo de merda você se transformou, Claiton? (ênfase nessa informação) Eu tô pagando um carma na mão de um sogro militar, cara, você não tem noção de como é!

CLAITON
Não apele. Aceite a opinião dos outros. Quem ficou no passado foi você, maconheirinho.

JUDSON
Eu não aceito a sua opinião porque ela é a opinião da minha avó. E a única coisa que a minha vó fez na vida foi ser esposa do meu avô. Então ela é boa de cozinha, e só, infelizmente. Graças a alguns que foram contra o que o seu lado defende, Claiton, felizmente as futuras mulheres terão mais história e mais bagagem científica pra discutir do que só ser “donas de casa”.

CLAITON
Prefiro que fossem como era. Eu amo a inocência da minha avó. Qual o problema de serem “donas de casa”? Depois o preconceituoso sou eu. Ainda acredito que a mulher é quem deve cuidar dos filhos e os homens da casa e do sustento. É assim que deus deixou de exemplo.

(Judson pega o celular novamente, mas se lembra)

JUDSON
Ah, depois dessa eu ia te excluir, mas esqueci que eu já tinha excluído. Adeus, Claiton. Você é um imbecil atrasado.

CLAITON
Adeus, Judson. Você é um pervertido que acredita em fantasias comunistas.

(eles se cumprimentam e saem cada um para um lado)


CENA 2

(Quatro militares entram com Estela, Wanda, Luiza e Patrícia algemadas; outros quatros trazem uma bacia de água; todas elas estão vestidas com um vestido social vermelho; eles as ajoelham frente ao balde; um sargento indaga as quatro de uma vez)

SARGENTO
Quais são os interesses?

(silêncio; os Militares a afundam de cabeça na água)

SARGENTO
Quais são os interesses, eu perguntei?

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Não é por interesse financeiro, eu juro!

SARGENTO
Por que seria por interesse financeiro se você já é burguesa, não é? Qual seu verdadeiro nome?

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Estela/Wanda/Luiza/Patrícia.

SARGENTO
O verdadeiro!

(os Militares afundam suas cabeças novamente)

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Meu senhor, o senhor vai me desculpar, mas o que eu quero dizer é que eu não estive nessa situação por amor à guerra. Eu estou nessa situação porque eu represento os acuados.

(os Militares afundam suas cabeças)

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
E se num futuro eu estiver bem, que se deus quiser isso deve acontecer, eu espero que todos estejamos bem e que paguemos por nossos crimes reais. E prosperidade para todos, não só para alguns.

(afundam novamente)

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Prometo tentar acabar com crimes contra a dignidade como esse que estão praticando, e custe o que custar iremos tomar as rédeas desse país das mãos dos senhores coronéis.

(os Militares vão afundar, mas Sargento os impede)

SARGENTO
Esperem! (silêncio) Isso eu aposto pra ver. Quando você sair daqui Senhora Roussef, SE a senhorita sair, será um mundo completamente diferente do que você espera. E nesse mundo não vai existir espaço pra mais terroristas.

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Exatamente, eu vou acabar com todos eles. Não vai sobrar pedra sobre pedra.

(black-out)

(as luzes se acendem e Renata, que estava no computador ao fundo, sai vagarosamente de cena e volta com um café e umas bolachinhas; ela se senta novamente e continua no computador)

(black-out)


CENA 3

(Péricles entra acompanhando Dona Irene)

PÉRICLES
Senta aqui, mãe.

(ela se senta)

DONA IRENE
Eu tô preocupada com a Monica, sabe.

PÉRICLES
É, eu também tô. A mãe dela também tá. Essas companhias que ela arrumou. A gente tá torcendo pra que seja só uma fase, né. Adolescente.

DONA IRENE
Ela não vai fazer faculdade?

PÉRICLES
Acho que vai, mãe. Não sei do que ainda.

DONA IRENE
Mas quantos anos ela já tá?

PÉRICLES
Dezenove. Vai fazer vinte agora.

DONA IRENE
Tem que falar pra ela ir fazer faculdade.

PÉRICLES
Ela tá perdendo muito tempo, eu já falei. Mas ela diz que a gente que não entende ela.

DONA IRENE
Ela não vai mais na igreja?

PÉRICLES
Faz tempo, né, mãe? Igreja.

DONA IRENE
Tem que levar ela. Se não ela vai aprender só besteira.

PÉRICLES
Você acha que ela vai? Imagina que ela vai. Nem no batizado do Ju ela foi. 

DONA IRENE
Tá fumando?

PÉRICLES
Parou. Acho que parou.

DONA IRENE
Ai, meu deus. Eu com dezenove já tinha vocês três. E seu pai trabalhava desde os catorze.

PÉRICLES
Pra você ver como o mundo tá caminhando, né, mãe. Não tem mais jeito. E agora ainda mais quatro anos de PT. Dá vontade de sair desse país, não dá?

DONA IRENE
Antigamente não era assim.

PÉRICLES
E a Monica votou na Dilma. Você acredita? Eu ralei a vida inteira pra dar o conforto que ela tem pra ela agradecer o assistencialismo petista, que ela nunca usufruiu. Era o que me faltava isso. Foi muito mimada, essa menina.

DONA IRENE
E aquele namorado dela?

PÉRICLES
Terminaram. Faz tempo já, mãe.

DONA IRENE
Graças a deus, né. Eu rezei tanto, Péricles. Eu pedi pra deus pra que ela enxergasse. Ela é muito bonita pra aquele moço. Não é preconceito, Péricles, é que ela consegue arrumar um namorado mais bonitinho, não consegue?

PÉRICLES
Não adianta falar isso pra ela, mãe. Não adianta.

DONA IRENE
Ela é muito rebelde. Se fosse seu pai, você lembra, né? Não tinha esse negócio de não querer ir na missa. Onde já se viu?

PÉRICLES
Outros tempos, mãe. Outros tempos. Temos só de torcer pra que não tenhamos que dar tudo o que é nosso pros comunistas filhos da puta, né?

DONA IRENE
O Lula é comunista?

PÉRICLES
O Lula é comunista.

DONA IRENE
Ô, homem feio, não? Seu pai que odiava.

PÉRICLES
Papai era esperto. Não tinha esse negócio de dar trela pra sindicalista insatisfeito, não. Outros tempos, mãe. Outros tempos.

(Mônica entra)

MONICA
Oi, vó!

DONA IRENE
Oi, linda. Tudo bem com você?

MONICA
Tudo e com a senhora?

DONA IRENE
Vai indo, né?

MONICA
Ah, que é isso, vó? Tá bonitona. Oi, pai. Você pode me emprestar o carro por algumas horinhas?

PÉRICLES
Pede um carro pro governo.

MONICA
Pai!

DONA IRENE
Empreste o carro, Péricles, deixe a menina.

PÉRICLES
É o cúmulo termos uma comunista dentro dessa casa. Mas enfim, eu sou seu pai, né? Eu vou matar? Claro que não. Meus amigos tiraram sarro de mim esses dias.

MONICA
Pare de ser criança, pai. A gente já brigou e já se entendeu. E eu defendo o socialismo, eu já disse. Tudo bem a gente ter pensamentos políticos diferentes, é saudável isso.

PÉRICLES
O que me dá raiva é essa cara que você faz que sabe de tudo.

DONA IRENE
Péricles, deixe a menina!

MONICA
Talvez a raiva seja porque no fundo você sabe que eu estou certa.

PÉRICLES
Eu vou usar o carro agora. Tenho que sair.

MONICA
É só de ruindade.

PÉRICLES
Eu tenho que sair mesmo.

MONICA
Pai! Mas você é muito infantil mesmo!

PÉRICLES
Tá de castigo! Mimada!

MONICA
Vó, entra no Face pra gente conversar.

DONA IRENE
Demorô!

(a iluminação muda e só Monica e Dona Irene permanecem em cena)

DONA IRENE
Eu estou preocupada com você, Monica. Com essas más companhias.

MONICA
Que más companhias, vó? De onde você tirou que meus amigos são maus? Eles respeitam você, independente da sua religião ou sexo, coisa que o papai não faz. Quem é mau? O papai que deu uma surra no cara que bateu no carro dele semana passada, ou meus amigos que se encontram pra rir da vida? Ontem eu perguntei na roda, eu juro por deus, ninguém nunca ali bateu em ninguém, vó. E o papai que é todo moralista cristão? Quem é bom e quem é mau?

DONA IRENE
Seu pai é muito cabeça dura. Igualzinho o pai dele. Tenha paciência.

MONICA
Eu não tenho mais paciência com o retrocesso, vó. É difícil pra mim. Principalmente por ser filha dele.

DONA IRENE
Não leve tão a sério. A gente não pode virar fanático de política.

MONICA
Não é ser fanático de política, vó, é discutir o básico da nossa existência.

(silêncio)

DONA IRENE
Você precisa acreditar em Jesus, Monica. Ele acalma os nossos problemas da cabeça.

(silêncio)

MONICA
Você é uma fofa, vó. Acho que você seria uma putona se tivesse nascido em outra época. Putona no bom sentido!

DONA IRENE
Tá louca, menina! O que é isso!

MONICA
No bom sentido, vó, no bom sentido.

DONA IRENE
Putona. Imagine, eu.

MONICA
Nunca se sabe.

DONA IRENE
Na minha idade, se uma menina falasse essa palavra, era tapão na boca.

MONICA
Putona.

DONA IRENE
Tá bom, mas não precisa ficar repetindo.

MONICA
Vó, faz um favor pra mim que me deixaria muito orgulhosa, não ouve as opiniões políticas do meu pai. Ele parou no tempo, vó. Não posso dizer que estou certa cem por cento nas minhas ideologias, mas o modo que ele vê o mundo já foi desmascarado e confrontado pela ética e real moral, e também pela ciência! Não ouça o que ele diz. Ele ajuda o preconceito se espalhar.

DONA IRENE
Mas o que vai importar se eu concordar com ele ou não, Monica? Eu vou morrer logo, logo. Não se preocupe.

MONICA
Vó, importa pra você poder morrer sabendo. Não importa? Isso não é importante pra você? Ter defendido o lado certo? Você não se importa em ter feito algo, vó?

DONA IRENE
Eu só quero reencontrar o seu pai e a minha mãe. E a Tia Lurdes também. É só isso que eu queria.

(silêncio)

MONICA
Desculpe encher o saco, vó.

DONA IRENE
Posso contar uma coisa?

MONICA
Claro, vó.

DONA IRENE
Sabe em quem eu votei?

(Monica não precisa ouvir a resposta e ri)

MONICA
Sua linda inteligente!

(ela agarra a vó)

(black-out)


CENA 4

(os Militares entram com Estela, Wanda, Luiza e Patrícia amordaçadas; antes de começarem a tortura Gilberto entra)

GILBERTO
Calma aí! Então quer dizer que isso daqui é uma propaganda política, é isso mesmo minha gente? A gente tá gastando nosso tempo ouvindo ladainha de petralha revoltado? Eu não voto no PT e nunca vou votar e não sinto a obrigação de fazer isso porque todo político é corrupto. Ponto final.

(Rosana apresenta Gilberto como se estivéssemos em um zoológico)

ROSANA
Gilberto foi um homem dono de uma farmácia no interior de São Paulo que vendia remédio pra cavalos para aborto clandestino. Ele fugiu do processo e ficou desaparecido por dez anos em alguma fazendo do Pantanal.

GILBERTO
Eu sou a favor da conquista pelo mérito! Do jogo limpo! Se esses bandidos do governo querem saquear as nossas conquistas, é hora de a gente revidar na bala! Onde já se viu defender bandido? O bandido vai lá, mata, estupra, e depois vem os direitos humanos querer defender o filho da puta?

ROSANA
O filho de Gilberto foi preso por praticar trote violento da faculdade contra os calouros. O rapaz chegou a queimar o cabelo de uma adolescente. Graças a deus, seus contatos com delegados deu uma forcinha pra que rapidamente ele fosse solto. Além disso, o mesmo garoto, o mais velho entre os três filhos, vende drogas ilícitas em raves e micaretas por todo o estado, mas isso ninguém ainda descobriu.

GILBERTO
Se você for na casa do miserável e der um saco de peixe pra ele, ele nunca mais vai se interessar em ir pescar de novo. Ele vai se acomodar com o dinheiro que os trouxas aqui estão pagando! Eu tenho que sustentar vagabundo? Me diga, eu sou obrigado, em plena democracia a sustentar filho dos outros? Já não basta o respeito que estão nos obrigando a dar para essa corja, pra essa escória, depois dessa ditadura do “politicamente correto” que a Globo e o Lula implementaram.

ROSANA
Em 2007, Gilberto foi preso por ter batido em um garoto de dezesseis anos que encontrou no quarto com seu filho de quinze. O garoto, o filho do meio de Gilberto, quando se assumiu homossexual foi expulso de casa com um soco no olho e hoje mora com uma tia.

GILBERTO
Aí essas biscates saem com essas roupas de puta e depois que é estuprada vem querer reclamar. Ah, faça me o favor! Biscate tem que aprender a ser biscate. Menina que vai na igreja, veja se engravida antes do tempo! Não engravida!

ROSANA
A filha de Gilberto, a mais nova entre os três, canta no coral da igreja e já abortou duas vezes com dezoito anos. Não tomou a vacina contra HPV porque é cristã, e pegou HPV porque a família não desconfia da sua vida sexual ativa.

GILBERTO
Eu sou super a favor da pena de morte! Tem marginal que não tem jeito.

ROSANA
Num país como Gilberto imagina ser o melhor, ele e toda a sua família deveriam estar na cadeia, se fosse fazer justiça aos ilegais, no jeito que ele diz acreditar na justiça.


GILBERTO
Chega de propaganda política nas escolas! Chega de ensinar a ditadura de Marx para nossas crianças! Chega de defender o gayzismo e o feminismo! Chega! Fora PT! Fora! Intervenção militar, pelo amor de tudo o que é mais sagrado!

(Rosana, com um canivete, apunhala Gilberto pelas costas)

GILBERTO
Oh! Eu te disse... esse comunismo te cegou...

ROSANA
Eu não sou Jesus Cristo pra ter paciência.

GILBERTO
Vocês também matam.

ROSANA
Nós matamos em rebate.

GILBERTO
Todos matam...

ROSANA
Todos matam.

GILBERTO
A violência está acabando com esse país... Antes de morrer eu peço paz. (morre)

(Claiton e Judson entram discutindo)

JUDSON
Não vou te aceitar de novo, não adianta, Claiton! Sai do meu, pé!

CLAITON
Pare de ser idiota, Judson! Isso é coisa de moleque!

JUDSON
Ah, meu deus! O que é isso?

CLAITON
Tá morto?

ROSANA
Ele votou no Aécio.

CLAITON
O que?

ROSANA
Ele defende a intervenção militar. Não dá pra permitir isso.

CLAITON
Eu também votei no Aécio. Mas eu não defendo a intervenção militar.

JUDSON
Mas acha que assistencialismo é compra de voto de vagabundo.

CLAITON
Acho mesmo, porque é!

ROSANA
Coxinha!

(Rosana ameaça esfaquear Claiton)

JUDSON
Calma, calma!

CLAITON
E depois nós é que somos os revoltados, né? Você acabou de matar um cara porque ele votou na oposição do que você acredita, garota! Vai pra cadeia! Comunista! É isso o que a bandida da Dilma espalha!

JUDSON
Isso não é comunismo, Claiton, cale a boca! A Dilma não tem nada a ver com isso!

ROSANA
É comunismo sim! Eu sou comunista de sangue! Viva Marx! Viva Che Guevara!

CLAITON
Pois é. Che Guevara foi o maior assassino do mundo. E tantos outros comunistas vagabundos, como você! Tá vendo o que eu tava falando, Judson? Chupa essa!

JUDSON
Todo mundo matou na luta, Claiton. Não é exceção no comunismo. O capitalismo tá matando até hoje. Mas o nome disso não é comunismo. Querida, você não é comunista. O comunismo tem a generosidade como meta. Matar não é um ato generoso.

CLAITON
Ninguém sabe se ele realmente merecia isso. E agora, hein?

ROSANA
Esse cara merecia. Acredite.

CLAITON
E quem é você pra julgar se ele merecia morrer, queridona? Comunista que nem sabe o que é comunismo!

JUDSON
E quem é você pra saber se a justiça dela é menos válida que a sua justiça, Claiton?

CLAITON
Você tá defendendo ela, Judson? Vocês comunistas me irritam de uma forma, que não dá pra acreditar. Até em um assassinato vocês querem passar uma de bonzinhos.

JUDSON
Não acho que o que ela fez foi certo. Não acho que o que você fez foi certo, moça. Acho que a gente, como melhores pensadores, deveríamos...

CLAITON
Melhores pensadores. (ri)

JUDSON
... achar outras formas de combater esses reacionários malucos. Não com mais violência.

ROSANA
Minha irmã mais nova tomou remédio de cavalo pra tirar o bebê que ela não queria, aí o bebê nasceu e a minha irmã morreu no parto. O bebê nasceu com problemas.

CLAITON
Foi querer abortar, é isso que dá.

ROSANA
Foi esse filho da puta quem vendeu o remédio pra ela! E vocês votam pra que não exista procedimentos legais!

CLAITON
Aposto que ele não bateu na porta dela vendendo. Que culpa tem o bebê?

JUDSON
Vocês da direita são engraçados, Claiton. Vocês são contra o aborto, porque a vida é divina, mas são a favor da pena de morte caso o feto dê errado quando crescer. Cadê a coerência dessa moralidade?

CLAITON
É... veja bem...

ROSANA
Temos que esconder o corpo.

CLAITON
Esconder o corpo? Você tá louca? Temos que chamar a polícia! Isso aqui é um crime grave! Ou vocês acham que eu vou ser conivente com isso daqui? Isso daqui não é natural, Judson.

(Gilberto acorda num susto)

CLAITON
Ai, meu deus do céu! Tá vivo! Tá vivo!

JUDSON
Graças a deus! Você safou de uma boa, garota.

GILBERTO
Sua... sua... (tosse) Achou que eu fosse morrer, não é? Sua lésbica maconheira vagabunda! Sapatão! Caminhoneira!

JUDSON
Não precisa disso, cara!

GILBERTO
Essa corja petralha tá usando de todos os meios pra nos extinguir, colega. Se ela me esfaqueou ela pode esfaquear qualquer pai de família de bem. Esses comunistas querem transformar o Brasil num centro de prostituição e desordem. Tudo manipulação daquela vaca da Dilma Roussef e da TV Globo.

JUDSON
Cale essa boca! Você não sabe o que está falando!

GILBERTO
Vocês são todos uns ignorantes que não querem enxergar! A ditadura está por vir e eles querem nos calar, nós ricos e intelectuais! Eles querem nos calar! Eles querem nos calar! Intervenção militar! Intervenção militar!

(Judson tira o canivete da mão de Rosana e termina de matar Gilberto com muita violência e raiva)

JUDSON
(grita) Analfabeto!

CLAITON
Meu deus! Vocês não são diferentes no ódio contra as classes, Judson. Vocês são bichos assim como fala que somos. Eu nunca matei ninguém por discussão política.

JUDSON
Ele era um atraso pra nossa evolução. Meu deus.

CLAITON
E quem é você pra saber qual é o melhor caminho? Se o deus dele estiver certo, você terá a justiça que merece.

JUDSON
Se o deus dele estiver certo, eu prefiro ir pro inferno.

ROSANA
Eu também.

CLAITON
Assassinos.

JUDSON
Não é coisas só do nosso lado. Não é uma vantagem nossa.

CLAITON
Vocês mataram muito mais.

JUDSON
Vocês mataram muito mais.

CLAITON
Vocês mataram muito mais!

JUDSON
Vocês mataram e ainda matam, todo dia! O capitalismo matou muito mais! Principalmente pobre!

CLAITON
Eu nunca vi ninguém morrer no capitalismo! Você já viu? Olha aqui na minha frente um exemplo do seu comunismo!

JUDSON
Não tem comparação perto da quantidade de pobres que são mortos pela polícia pelo bem do controle social, de gentinha bem alimentada e podre por dentro. Você vive em berço de ouro por isso nunca viu ninguém morrer.

CLAITON
Você também, oras. Vai falar isso pra família dele. Vai contar pro filho dele. Vai dar seu testemunho de vidinha de esquerdista.

JUDSON
Não tem como pensarmos só na importância de uma única família. Se não começarmos a pensar grande, jamais sairemos do lugar.

CLAITON
Assassinos.

ROSANA
Cale essa boca se não eu te mato, também.

CLAITON
Pode vir!

JUDSON
Ninguém vai mais matar ninguém aqui!

(Estela, Wanda, Luíza e Patrícia, que continuaram em cena desde o começo, são afundadas dentro do balde novamente)

SARGENTO
Ninguém vai mais matar ninguém, minha linda. Só precisamos que nos conte onde vocês escondem seus instrumentos de terrorismo?

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Os terroristas são vocês! Quem matou gente que eu conheço foram vocês!

SARGENTO
Comunistas também mataram! Em chacinas num paredão, em diversos exemplos da tentativa desse modelo.

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Isso é uma péssima característica humana e não é coisa de só um lado da política. Muitos mataram pelo que acreditam, em alguns momentos não havia outro jeito. A diferença é que alguns lutam por um mundo melhor para todos, outros por um mundo melhor só para alguns.

SARGENTO
Confirmando que é uma assassina, senhora futura presidente?

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Confirmando que eu não desprezo a luta dos meus companheiros. Cada um sabe e tem o direito de refletir sobre o que se entende de justiça. E que aprendamos com isso.

SARGENTO
Comunistas não são santos, minha linda! Talvez você esteja completamente enganada nos seus discursos, você não reflete sobre isso? Sobre a possibilidade de estar errada?

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
O tempo todo, senhor Sargento. Eu penso nisso o tempo todo. Principalmente quando os senhores me esfolam a cara no concreto. E eu sou socialista. E o senhor? O senhor pensa se pode estar errado?

(silêncio)

ESTELA/WANDA/LUIZA/PATRÍCIA
Talvez porque o senhor nunca foi confrontado numa disputa de argumentos que estivéssemos sentados numa mesa jantando, decentemente, como duas boas pessoas civilizadas. Talvez eu te convencesse sem essas algemas. Mas aqui o senhor é o boss e não quer ouvir o que eu tenho pra falar.

CLAITON
Assassinos!

ROSANA
Você não entende!

CLAITON
Vocês matam quem discorda de vocês!

ROSANA
A gente mata e morre! Mas mais morrem do que matam do nosso lado!

CLAITON
Quantidade não interessa, vocês são bandidos e filhos da puta da mesma forma que reclamam de nós!

JUDSON
Nenhum lado se safou nessa história com perfeição, Claiton. Mas alguns mataram porque não havia outro jeito de se conseguir liberdade. Ainda prefiro ficar do lado de quem matou por justiça.

CLAITON
Justiça é relativo.

JUDSON
Disse o cara que defendeu os caras que amarraram o adolescente no poste. Ali a justiça era feita com classe?

CLAITON
O que eu quero dizer é que vocês não são diferentes deles. Olha quem fala! Você defendeu a vítima, que era bandido declarado! Você não sabe como esse cara se sentia na vida. Se ele realmente merecia morrer. Assim como você disse que era pra eu pensar na vida daquele moleque do poste. Não foi o que você disse? Hipocrisia é pouco, né, Judson?

ROSANA
Muita gente morreu sem merecer nessa vida. Mas valeu a tentativa. Eu sei que vai ser melhor pro mundo uma raça dessas exterminada.

CLAITON
Hitler também dizia isso.

JUDSON
Fui irracional pelo ódio da injustiça.

CLAITON
(ri) Lá vem as desculpinhas!

JUDSON
Não dá pra respeitarmos a opinião de quem nos oprime, é muito difícil. Sei que não era o certo. Mas eu entrei no calor das babaquices que ele tava dizendo.

CLAITON
Só porque o cara votou no Aécio. Isso é um absurdo! Isso a Globo não mostra.

ROSANA
É muito mais do que isso. É muito mais do que isso. Você entenderia se fizesse parte de alguma minoria.

CLAITON
Você é lésbica?

JUDSON
Claiton, o que aconteceu aqui hoje é reflexo da violência humana. Somos violentos. Defendendo qualquer lado. Mas vale a pena morrer pra qual lado dessa luta?

CLAITON
O meu lado. O meu.

(ouve-se um alarme de sirene; eles se olham assustados)

ROSANA
Fodeu.

(black-out)


CENA 5

(Péricles sobe em um púlpito)

PÉRICLES
Tenho péssimas notícias para todos. Nosso companheiro Gilberto Menezes foi brutalmente esfaqueado por dois petistas e veio a óbito. Acalmem-se! Acalmem-se! A justiça de deus é plena, meus caros. Estamos colhendo o fruto da nossa luta contra esses ditadores. Eles querem nos calar, companheiros, mas nós não vamos parar de encher o saco deles! Queremos um Brasil com ordem e progresso! E fora essa ditadura anticristã, antifamília! Eles pensam que nós somos poucos, mas nós somos a única esperança para a dignidade e temos que lutar com todas as armas possíveis! Fora Dilma Roussef! Fora Venezuela!

(Monica e Judson aparecem correndo)

MONICA
Se meu pai descobrir que eu tô saindo com você, ele vai buscar a gente no inferno.

JUDSON
Essa vida não dá tempo de a gente ficar brincando de fingir. Eu gosto de você.

MONICA
Eu também gosto de você.

(eles se beijam; Claiton entra)

JUDSON
Vai ficar tudo bem. A nossa utopia é a salvação.

CLAITON
Romance? Tão de brincadeira, né? Com a filha do chefe? Só pode ser zoeira.

JUDSON
Você tá me perseguindo, Claiton? Eu vou te bloquear. Deixa a minha vida em paz!

CLAITON
Se eu não me importasse com você eu já tinha vazado. Mas eu me importo.

JUDSON
Você é de outro tipo de pessoa, Claiton. Não temos o que discutir mais.

MONICA
A guerra já começou. Na verdade, ela nunca acabou. As pessoas só se acomodaram em morrer por nada.

CLAITON
Do que você tá falando?

MONICA
A morte do militante Gilberto causou revolta. Ele era amigo do meu pai. Você acredita que quando eu era criança ele me colocou no colo dele e eu juro por deus que tinha alguma coisa de diferente naquilo que ele tava fazendo.

CLAITON
Você tem como provar isso?

MONICA
Não.

CLAITON
Boatos não provam nada.

MONICA
Só tô dizendo.

JUDSON
Outra intervenção militar, Claiton. Começou, companheiro. Zé Celso foi preso de novo, dá pra acreditar? E é tudo culpa minha.

CLAITON
E pra ficar mais dramático ainda vocês dois precisavam ter um caso, não é mesmo?

JUDSON
A vida é um novelão!

(Dona Irene entra em cena apressada)

DONA IRENE
Garotos! Seu pai está chegando, Monica! Quem é esse menino bonito?

CLAITON
Claiton. Eu votei no Aécio.

DONA IRENE
Ninguém é perfeito. Fujam! Busquem abrigo. Dizem que o Pantanal é um ótimo lugar para terroristas.

MONICA
Não somos terroristas, vó.

DONA IRENE
Terroristas no bom sentido, querida.

JUDSON
Você vem Claiton?

CLAITON
Eu não tenho do que fugir. Quem não deve não teme, amigo.

MONICA
Eles tem todo o histórico do seu Facebook, Claiton. Você tem se interessado por saber mais o que a gente defende, não tem?

CLAITON
Não! Imagina.

JUDSON
Tem sim. Você podia ter me entregado, mas não me entregou. Porque você está me seguindo se você não acredita no que eu digo?

CLAITON
Talvez pra ser uma balança no seu pensamento.

(silêncio)

JUDSON
Você tem toda razão. É bom a existência da oposição.

DONA IRENE
Vocês precisam ir! Não há tempo!

MONICA
Vamos, Judson.

CLAITON
Pra onde vão?

JUDSON
Pra Venezuela, por enquanto.

CLAITON
(ri) Ai, ai. Que piada, meu deus.

JUDSON
Você devia vir com a gente.

CLAITON
Jamais, eu amo meu Brasil.

MONICA
Vamos!

JUDSON
Vamos. Até mais, Claiton.

MONICA
Tchau, vó!

DONA IRENE
Fique bem, menina! E mude o mundo por mim! Acredito ter nascido pra colocar você no mundo, meu anjo.

MONICA
Não tanto, vó. Não tanto.

(eles se abraçam e saem)

CLAITON
O Judson é um cara bacana.

DONA IRENE
Aquela é minha neta. Tá vivendo uma aventura. Quem diria!

(os Militares derrubam a porta, o Sargento está à frente)

SARGENTA
Onde eles estão?

DONA IRENE
Onde estão quem, meu filho? Vocês destruíram a minha porta!

(os Militares agarram Claiton e o colocam de joelhos)

DONA IRENE
O que é isso? O que estão fazendo? Deixem o menino em paz.

CLAITON
Eu sou de direita! Eu apoio a intervenção militar!

DONA IRENE
Nós dois fomos na marcha pelo Impeachment da Dilmalandra. Esse menino é uma benção de deus, senhores. Ele quer servir a marinha, não quer meu filho?

CLAITON
Quero. Estou me preparando pra isso.

DONA IRENE
Somos de igreja, senhores, por favor, nos deixe em paz.

(Péricles entra)

PÉRICLES
Mãe.

DONA IRENE
O que é isso, Péricles? O que tá acontecendo aqui?

PÉRICLES
Foi o novo namoradinho da Monica o assassino do Geraldo. A gente sabe que eles estiveram aqui.

DONA IRENE
Veja o que está fazendo, Péricles. Você não sabe como foi a primeira vez que isso aconteceu.

PÉRICLES
E a senhora sabe? A senhora foi madame de general, mãe. A golpe de sessenta e quatro fez bem pra nós.

DONA IRENE
Seu pai não foi bom o tempo inteiro, Péricles. Os tempos são outros, meu filho. As pessoas querem liberdade.

PÉRICLES
Eu também quero. Mas só pra quem tem honra. Foram eles que começaram essa guerra.

DONA IRENE
A Monica está do lado deles.

PÉRICLES
Eu não tenho filha comunista. E quem é esse?

CLAITON
Claiton, eu votei no Aécio! Eu votei no Aécio!

PÉRICLES
Pode matar.

CLAITON
Seu filho da puta, como assim pode me m...?

(um tiro; Claiton cai)

DONA IRENE
(desesperada) Péricles! Péricles. Meu filho.

PÉRICLES
São outros tempos, mãe. Vamos colocar ordem e progresso nessa bagaça.

(black-out)


CENA 6

(os Militares marcham)

MILITARES
“Ouviram do Ipiranga
Ordem e Progresso
Fizeram a melodia
De um futuro retrocesso

Os revolucionários
São nossos inimigos
Terroristas do dicionário
Um bando de pervertidos

Antifamília, anticristão
O mundo que buscamos vem da força da nossa mão
Vence quem tiver mais chances de sofrer menos
Vence quem quiser vir pro lado dos direitos

Se conforte
Controle e ordem
Controle e ordem
Se conformem
Controle e ordem
Controle e ordem
Se se comovem
Morte e repressão!”

(Rosana atravessa o palco correndo)

ROSANA
Eles querem me matar! Descobriram onde eu moro! Pegaram o meu sobrinho que tem problema. Eles levaram meu sobrinho pra eu me entregar!

(ela sai; Monica e Judson passam correndo)

MONICA
Eles estão nos procurando na Venezuela também! Estamos de mochila nas costas!

JUDSON
Não vamos falar pra onde estamos indo porque se não vocês serão torturados para contar.

MONICA
Adeus, companheiros!

(eles saem; Dona Irene entra correndo)

DONA IRENE
Esses militares vão desgraçar a juventude. Escuta o que eu tô dizendo, eu tive pai, marido e filho militar. Precisa ter jeito pra lidar com os outros, não é assim que dá jeito.

(vários manifestantes do Lado A entram)

LADO A
(gritos de guerra do tipo)
“Comunista! Petralha! Vai tomar no cu!”
“A nossa bandeira, jamais será vermelha!”
“Ei, petralha, vá morar em Cuba!”

(eles param e aguardam o que Dona Irene vai dizer)

DONA IRENE
É... Viva a PM! Vão trabalhar seus vagabundos! Fora PT!

LADO A
(comemora com Dona Irene) EEEEEEEEEEE! Fora PT! Fora PT!

DONA IRENE
Seu ladrões!

LADO A
EEEEEEEEEEEEE! Ladrões! Ladrões!

DONA IRENE
Fora Aécio Neves! Fora! Ladrão!

LADO A
(eles param e ficam em silêncio)

DONA IRENE
Digo...

LADO A
Comunista?

DONA IRENE
Não, eu odeio o Lula também. Puta homem feio.

LADO A
(comemora com Dona Irene) EEEEEEEEEEEEE!

(Dona Irene mostra descontentamento, mas participa da comemoração)

LADO A
Puta homem feio! Puta homem feio!

(Gilberto e Claiton entram correndo e se encontram ao centro)

GILBERTO
Eu fui morto por comunistas.

CLAITON
Eu fui morto por militares.

GILBERTO
Até mais!

CLAITON
Até mais!

(eles saem correndo)

(Rosana entra novamente)

ROSANA
Levaram meu bebê! Levaram o meu sobrinho!

(uma sombra aparece com um bolo de dinheiro na mão)

PÉRICLES
Já chega. Toma o seu dinheiro. Boa atriz, você.

(ela pega o dinheiro, agradece e sai)

(o Lado B entra em silêncio com as bocas amordaçadas em protesto; eles sentam-se no chão do palco e ficam em silêncio; por alguns longos segundos a cena é esta; finalmente eles são atacados por bombas de gás e o palco é tomado por gritaria e fumaça; drama e violência num ataque policial)

(Estela, Wanda, Luíza e Patrícia agora estão vestidas normalmente, cada uma com características diferentes; elas lideram a frente de uma manifestação de braços dados e com cartazes)

ESTELA/WANDA/LUÍZA/PATRÍCIA
"A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios estados-membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição." Queremos paz e liberdade. É paz e liberdade o que queremos.

VOZES
Ordem e progresso!

ESTELA/WANDA/LUÍZA/PATRÍCIA
Paz e liberdade!

VOZES
Ordem e progresso!

ESTELA/WANDA/LUÍZA/PATRÍCIA
Paz e liberdade!

VOZES
Ordem!

(black-out; ouvimos a gritaria das meninas desesperadas sendo atacadas)

SARGENTO
Essas quatro vieram pra apanhar! Essas gostam de tomar cacete!


CENA 7

(quando as luzes retornam apenas Renata está em cena mexendo no computador; um foco a destaca, finalmente)

RENATA
Isso aqui tá parecendo uma reunião social de animais selvagens. Só eu tive essa sensação depois que esse negócio acabou? Tem gente acreditando em cada porcaria e compartilhando tanta merda sem checar a fonte, que dá até medo do que isso vai se tornar na vida das pessoas. Vocês conseguem sentir essa sensação? De que seus amigos próximos são pessoas revoltadas e que essas eleições deixou uma marca nas nossas crenças e amizades? E o pior disso tudo é que são amigos próximos que não nos vemos e proseamos há anos, mas o Facebook nos coloca todos numa mesa social ao vivo e ativa, todos escancarando as notícias e opiniões dessa vida bandida, e todo mundo tá adorando ter uma cara digital nesse novo mundo onde não tem como você se esconder do Google. E essa porra vicia, caralho. Vicia, sério, lógico que uma interação dessas ia nos viciar. Tem coisa que a gente não conseguiria dizer pra pessoa se fosse ao vivo, cara a cara, e a rede social resolve esse problema. Se essa treta fosse ao vivo, ia ter morte pra tudo quanto é lado e aí não duvido de uns loucos lutarem por um golpe de estado. Eu também sou entediada com a vida, e tenho meus problemas, ninguém é perfeito. Eu também tenho mais coisa pra fazer, tenho louça pra lavar, mas não posso ficar quieta diante de um assunto tão complexo e tão manipulado pelas pessoas. Eu não fiquei em cima do muro pra poder me safar depois, eu fiquei em cima do muro pra tentar entender. E o que eu vejo é muita especulação e muita teoria conspiratória pro meu gosto. Quem vê, pensa que realmente estamos caminhando pra uma desgraça. Eu não acredito nisso. Eu acredito que existe gente lutando e não só pelo egoísmo financeiro próprio. Tem gente lutando de verdade nessa vida, e eu não duvido disso. Não dá pra generalizar todo político como corrupto, mesmo que a gente tenha o direito de sempre desconfiar. Indiferente de quem escolhemos pra votar, que façamos isso por convicções reais e não por especulação, esse é o grande perigo. Piadas à parte, acho que todo mundo tá no mundo pra tentar fazer alguma coisa que preste, não é, não? Pra que perder tanto tempo se não for pra ajudar? Eu só tenho medo dos pessimistas de plantão e dos criadores de boatos.

(Judson e Monica entram correndo)

RENATA
O que é isso? Vocês estão loucos? Isso é invasão de domicílio!

JUDSON
Moça, pelo amor de deus! Eles estão vindo atrás da gente.

MONICA
Nos desculpe por te envolver nisso. Mas nós não tivemos outra opção se não pular a janela.

RENATA
O que é que tá acontecendo?

JUDSON
Não ouviu falar? Você defende o que?

RENATA
Como assim “eu defendo o que”?

JUDSON
Novo golpe, garota! E o novo modelo é às escondidas, pelo visto. Não tá passando na televisão?

RENATA
Calma, você não é um desses paranoicos esquerdistas, é?

MONICA
Ela tá do lado deles.

(Judson saca uma arma e aponta para Renata)

RENATA
Calma! Calma, pelo amor de deus!

JUDSON
Você vai nos dar abrigo. Só por essa noite.

RENATA
Gente, eu votei na Luciana, do PSOL.

(silêncio)

MONICA
Então por que nos chamou de “esquerdistas paranoicos”?

RENATA
Porque o que eu tenho visto é uns paranoicos falando umas abobrinhas que não se encontra fonte nenhuma. Tem uma galera dando muito desespero no Facebook atoa.

JUDSON
Atoa, não, sua bobinha. Tá acontecendo coisa que você não imagina.

RENATA
Sei, novo golpe militar.

JUDSON
Isso daqui não é nenhuma brincadeira, moça.

RENATA
É muito sensacionalismo pro meu gosto. De ambos os lados. E vocês são o que? Guerrilheiros socialistas? Vocês se amam e ela é filha do general, é isso? Adivinhei?

MONICA
Meu pai trabalha no Ministério da Defesa, meu avô era filiado do Arena. Eu sou a ovelha vermelha da família.

RENATA
Vocês tão de zoeira com a minha cara.

JUDSON
Você não quer acreditar, mas te aconselho a não compartilhar mais coisas de socialista na sua timeline. É um conselho que eu te dou, tome cuidado. Nós vamos passar essa noite aqui e amanhã cedo a gente vai embora.

RENATA
A direita fala que vivemos uma ditadura comunista. A esquerda que estamos beirando outra ditadura militar. É muita zoeira pro meu gosto.

JUDSON
Você não faz ideia do que os coronéis são capazes de fazer pra tomar o país de volta.

MONICA
Você não faz ideia.

(silêncio)

RENATA
Enfim, eu tenho escolha? Você tá armado. Eu não tenho muita escolha, não é mesmo?

MONICA
Nos perdoe por isso.

RENATA
Como vou saber se vocês não são dois loucos assassinos?

JUDSON
Você não tem escolha.

RENATA
Eu sou a favor de que quem defende o comunismo e o socialismo tem de espalhar a generosidade. E não luta armada como os ditadores. Vocês tão se igualando a eles, se tudo isso é verdade. Vocês também estão se militarizando com essa arma na mão.

(silêncio)

JUDSON
Você não sabe como é dar o cara a tapa por uma revolução.

RENATA
Digo generosidade a ponto de morrer ao invés de matar.

JUDSON
(se irrita) Eu morro por isso! Eu morro por tudo isso! Você não sabe como funciona na raça, garota! Você não sabe porra nenhuma!

(silêncio)

JUDSON
Só ver a vida passar pelo Facebook não adianta em nada.

RENATA
Empurrar à força a nossa utopia nas cabeças de pessoas que querem olhar somente para a razão também não vai adiantar. Nada funciona à força. No braço, não vamos conseguir nada.

JUDSON
Se você é a tão esperta, o que você acha que eu devia fazer? Me entregar na humildade e deixar que eles acabem com qualquer esperança que a gente tenha? O que tá em jogo aqui é a sua liberdade também! Eu matei pela sua liberdade!

RENATA
Não jogue a sua culpa em mim.

JUDSON
Não desmereça a minha luta. Posso estar errado, mas eu tô preparado pra morrer por isso.

(silêncio)

MONICA
Confie em nós. Nós não somos malucos assassinos.

RENATA
Só essa noite.

(um vídeo mostra atualizações do Facebook; um foco destaca a cabeça de Renata)

RENATA
Gente, dois malucos, que se dizem guerrilheiros socialistas numa aventura romântica e revolucionária, estão me mantendo em cativeiro nesse momento. Por favor, chamem a polícia! Ele tem uma arma. Acredito que essa paranoia está indo longe demais, de ambos os lados. Cadê o governo que não toma uma atitude para essa alucinação social coletiva?

(Judson está com a arma apontada pra cabeça dela)

MONICA
Não, Judson, não!

(black-out; ouve-se um tiro)


CENA 8

(quando as luzes se acendem , TODOS os personagens estão sentados em roda em silêncio se observando; no vídeo vemos as fotos dos perfis; eles apenam fazem uma sala social um pro outro, em silêncio)

TODOS
Bom dia, amigos! Uma ótima semana pra vocês e que deus abençoe a sua família. Bom dia!

CLAITON
Sábio é aquele que dá o silêncio em rebate à discussão.

DONA IRENE
Deixe Jesus entrar na sua casa. Se você acredita, compartilhe. Se não, só ignore.

RENATA
Vejo amigos excluindo outros amigos por causa de discussão política. Me parece um tanto infantil isso tudo.

PÉRICLES
Deus fez Adão e Eva, não é Adão e Ivo.

GILBERTO
Fora PT! Fora corrupção! Vai pra Cuba, Dilma! O PT é o partido mais corrupto do universo! Fora corrupção!

ESTELA
Ainda que eu falasse a língua dos homens...

WANDA
Ainda que eu falasse a língua dos homens...

LUÍZA
E falasse a língua dos anjos...

PATRÍCIA
E falasse a língua dos anjos...

ESTELA/WANDA/LUÍZA/PATRÍCIA
Sem amor eu nada seria.

SARGENTO
Deus está à frente da nossa marcha.

MONICA
Tô excluindo o Facebook, galera! Isso aqui tá ficando perigoso demais. Beijos, para os íntimos estarei no WhatsApp.

JUDSON
Só não vê que a guerra começou quem tá confortável na vidinha virtual.

ROSANA
A vida é um novelão.

(a multidão de internautas “posta” seus comentários mais comuns, finalizando a cena numa gritaria de opiniões diversas)

(black-out)


CENA 9

(no escuro, ouvimos o final da cena 7)

RENATA
Cadê o governo que não toma uma atitude para essa alucinação social coletiva?

MONICA
Não, Judson, não!

(um tiro; as luzes se acendem e Rosana atirou em Judson, Renata está paralisada de terror, enquanto Monica corre para o corpo caído)

MONICA
Não. Não, não. Por que? (ela chora)

ROSANA
A coisa é maior do que a gente imagina, garota.

MONICA
Ele também me dizia isso.

ROSANA
Ele tava perdendo o controle. Tava variando da cabeça desde que matou aquele cara só porque o cara era contra a Dilma.

MONICA
Esse mundo é muito confuso. (silêncio) Agora acabou a nossa única esperança.

ROSANA
Não existe ditadura nenhuma, menina. Não tá tão grandioso como parece, não tem nada histórico acontecendo. Seu pai tá fazendo tudo o que faz pelo seu bem.

MONICA
(se levanta surpresa) Então você trabalha pro meu pai.

ROSANA
Você vai agradecer um dia.

MONICA
Você trabalha pro meu pai. Eu não acredito nisso.

(silêncio)

MONICA
(incrivelmente surpresa; ela junta as peças) Tudo isso porque eu tava saindo com um socialista? Eu não acredito. É isso mesmo, produção? Vocês estão de brincadeira com a minha cara.

(helicópteros e barulhos de um exército cercam o local)

ROSANA
Até mais, garota! Seu pai me contratou por fora. (sai)

(alguns militares entram na retaguarda do Sargento e Péricles)

MONICA
Pai.

PÉRICLES
Vamo pra casa. Já chega. Vai.

MONICA
Eu não tô acreditando nisso.

PÉRICLES
Cale a boca, Monica, e entre no carro agora.

(em silêncio ela sai acompanhada de alguns militares; Péricles olha pra Renata e sai em seguida; o Sargento vai até a garota que ainda está em choque)

SARGENTO
Nada aconteceu aqui. Isso aqui é só um caso de família.

(ele sai e leva a trupe e o corpo com ele)

(Renata permanece travada, tremendo; ela vai se recompondo aos poucos, com muita dificuldade; ela sai e volta com uma xícara de café e um pacote de bolacha; respira profundamente tentando se acalmar; se senta em frente ao computador e pensa em algo para escrever; reflete pouco e digita o que vemos no telão:)

“HÁ VIDA LÁ FORA.”

(a música sobe; black-out)

FIM


Texto de Gabriel Tonin



  

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