DEUS SEX MACHINE

DEUS SEX MACHINE

ESPETÁCULO PARA TRÊS ATORES E TRÊS ATRIZES.

1º ATO

(em vídeo vemos imagens de larvas e grandes populações de bactérias e insetos; vemos o crescimento de um musgo em rápida velocidade, e também de um cogumelo; vemos as diversas formas de infestação das espécies, de formigueiros à, finalmente, prédios iluminados da cidade grande; vemos então um átomo, planetas, e por fim, um desses seres do mar que emite luz própria; letreiro mostra grandioso: DEUS SEX MACHINE)

(aos gritos, percebemos uma cena de sexo escandalosa; o vídeo desaparece aos poucos; as luzes acendem e um casal heterossexual trepa em um foco; eles apenas trepam e dividem a situação com a plateia)

(em outro foco, duas mulheres aparecem assistindo; elas comentam)

ATRIZ 1
Nossa, forte.

ATRIZ 2
Muito forte.

ATRIZ 1
Nossa, mas eu achei super forte.

ATRIZ 2
Exagero da juventude.

ATRIZ 1
E eles insistem ainda. Pesado, não é?

ATRIZ 2
Forte. Podiam ter avisado.

ATRIZ 1
Seria uma boa forma de publicidade. Enfim.

ATRIZ 2
Achei exagerado.

ATRIZ 1
Exageradíssimo.

ATRIZ 2
Podiam ter colocado em sombra.

ATRIZ 1
Podiam ter deixado mais singelo. Dá pra entender com os símbolos. É até mais poético.

ATRIZ 2
Exagero.

ATRIZ 1
Tem que ser muito boa a cena pra justificar um negócio desses já de cara. Não precisava.

ATRIZ 2
Todo mundo já fez isso. Foi-se essa época.

ATRIZ 1
É, todo mundo já fez isso.

ATRIZ 2
Nossa, mas o ator tem fôlego, né? Ele não deixou um segundo sem bombada. Que exagero.

ATRIZ 1
Será que tá enfiando de verdade?

ATRIZ 2
Lógico que não. Esse cara é gay.

ATRIZ 1
Não é. É?

ATRIZ 2
Repare.

(silêncio; ouvimos apenas os gemidos do casal enlouquecido)

ATRIZ 1
Só falta a crítica também, né? Eles tão querendo criticar o quê com isso?

ATRIZ 2
Sim, falta embasamento. É só cena.

(o ator 1 retira uma bíblia de algum lugar e continua a meter lendo)

ATRIZ 1
Não acredito nisso.

ATRIZ 2
O que é?

ATRIZ 1
É uma bíblia aquilo. Queria ver eles fazerem isso com alcorão. Já não aprenderam sobre respeito depois de tudo que aconteceu com aqueles piadistas franceses?

ATRIZ 2
Pode mais clichê, gente? Esse assunto de novo!

ATRIZ 1
Ah, isso já passou dos limites.

ATRIZ 2
Eu acho que independente de religião, a gente tem que respeitar.

ATRIZ 1
Eles só estão querendo chamar a atenção.

ATRIZ 2
Ganhar a plateia por apelação. Fácil assim. Pra chocar.

ATRIZ 1
Foi-se essa época. O vídeo foi bonitinho e tal, interessante, mas fala sério.

ATRIZ 2
É. Até parecia que pudesse ter uma discussão. (se irrita) Goza logo, caralho! Ninguém demora tanto assim.

(o casal goza deliciosamente sincronizado)

ATRIZ 1
Nossa.

ATRIZ 2
Nossa.

ATRIZ 1
Que exagero.

ATRIZ 2
Forte ele, né? Que desperdício.

ATRIZ 1
Exageradíssimo.

ATRIZ 2
Ganharam a plateia fácil.

ATRIZ 1
É fácil ganhar a plateia nos dias de hoje.

ATRIZ 2
Só faltou um dueto afinado.

ATRIZ 1
Só pra serem mais vendidos.

(o casal, já preparado, inicia um dueto musical perfeito; pode ser uma música romântica qualquer, ou pode ser a sugestão a baixo)

ATOR 1
“Never knew I could feel like this
Like I have never seen the sky before
I want to vanish inside your kiss
Every day I love you more and more
Listen to my heart, can you hear it sings?
Telling me to give you everything
Seasons may change, winter to spring
But I love you until the end of time

Come what may
Come what may
I will love you until my dying day

ATRIZ 3
Suddenly the world seems such a perfect place
Suddenly it moves with such a perfect grace

OS DOIS
Suddenly my life doesn't seem such a waste

ATRIZ 3
It all revolves around you

OS DOIS
And there's no mountain too high
No river too wide
Sing out this song and I'll be there by your side
Storm clouds may gather
And stars may collide
But I love you until the end of time

Come what may
Come what may
I will love you until my dying day

Oh, come what may, come what may
I will love you, I will love you
Suddenly the world seems such a perfect place

(as atrizes, extasiadas, se beijam românticamente)

OS DOIS
Come what may
Come what may
I will love you until my dying day

(música: Come What May – Moulin Rouge)

(silêncio; os atores agradecem se houver aplausos e saem de cena; as duas atrizes estão abraçadas)

ATRIZ 1
Meu deus, e em inglês!

ATRIZ 2
Podiam ter cantado uma música em português.

ATRIZ 1
Sim, deviam.

(elas se abraçam chorando)

ATRIZ 1
Eu amo a liberdade de expressão.

ATRIZ 2
Eu também amo! Mas que falta de respeito com o próximo!

(um ator vestido de Osama Bin Laden entra em cena)

OSAMA
(feirante) Lápis, caneta e lapiseira! Bala Halls e bandeirinha da paz!

ATRIZ 1
Me vê uma lapiseira número cinco.

ATRIZ 2
Eu quero uma bandeirinha da paz.

OSAMA
Eu tenho caderno e fichário também. Posso conseguir algum tablet com alguma meia hora.

ATRIZ 2
Obrigada, só a bandeirinha.

ATRIZ 1
Acho bonita essa sua iniciativa, sabia?

OSAMA
Que iniciativa?

ATRIZ 1
De largar o mundo do crime e tentar trabalhar dignamente.

OSAMA
Eu só sou um cara vestido de Obama, dona. Isso aqui é uma fantasia.

ATRIZ 1
Mesmo assim eu acho bonito. Parabéns, moço.

ATRIZ 2
Eu também acho bonito. Pra quebrar a imagem de que eles não querem trabalhar. Nem todo mundo é terrorista e vagabundo naquele lugar, né? A gente tem que acabar com os preconceitos.

ATRIZ 1
Eu não suporto gente preconceituosa.

OSAMA
Sim, sim.

ATRIZ 2
Enfim.

ATRIZ 1
Você crê naquela religião lá?

OSAMA
Oi?

ATRIZ 1
Sua religião. Você é católico?

OSAMA
Não, não. Não sou não.

ATRIZ 1
Não é católico ou não é muçulmano?

OSAMA
Nenhum dos dois.

ATRIZ 1
Eu sou católica.

ATRIZ 2
Eu sou espírita.

ATRIZ 1
Ó, a gente convive bem. Ó.

(elas se abraçam)

ATRIZ 2
Viu?

OSAMA
Minha mãe era católica e ela falava que quem era espírita ia pro inferno.

(elas riem se olhando sem graça)

ATRIZ 2
Não, não é nada disso.

ATRIZ 1
Jesus tem uma hora pra abrir o coração de todo mundo. Cada hora, pra cada um.

(silêncio)

ATRIZ 1
Enfim.

ATRIZ 2
Como assim?

ATRIZ 1
O que?

ATRIZ 2
Você dizendo até parece que ainda vai dar tempo de eu ver que estou errada e que logo Jesus abre os meus olhos pra sua verdade, é isso que você quer dizer?

ATRIZ 1
Não isso. Mas ainda dá tempo mesmo de você entender. Jesus tem um tempo pra todos.

ATRIZ 2
Eu quem digo: ainda dá tempo de VOCÊ entender! Quem sabe Jesus abre os SEUS olhos para a verdade.

ATRIZ 1
Na bíblia tá escrito que não devemos invocar espíritos.

ATRIZ 2
Também tá escrito que não devemos comer carne de porco!

ATRIZ 1
Mas isso é no velho testamento, sua burra!

OSAMA
Não vamos brigar por besteira, suas lindas. Vocês são amigas, esqueceram?

ATRIZ 1
Ela é burra! Tá na cara! Tá no livro, pra quem quiser saber! Só precisa de um pouquinho de consciência sensata pra entender.

ATRIZ 2
Ai, cale essa boca! É isso que eu odeio em alguns religiosos. Essa certeza da verdade.

ATRIZ 1
Você também disse que eu um dia vou entender a sua verdade, querida. Já esqueceu?

ATRIZ 2
Eu disse porque você disse. Me dá uma bala, moço. Você vende cigarro?

OSAMA
Sim.

(entrega um cigarro e acende como um cavalheiro)

ATRIZ 1
Me vê um também.

OSAMA
Seus deu abomina os vícios, não abomina?

ATRIZ 1
Eu sou católica de nascença, mas não sou aquela que se diga “nossa, que praticante”. E o que você tem com isso? Só deus pode me julgar. Espíritas também abominam o vício. Fala pra ela!

OSAMA
Desculpa.

ATRIZ 2
Hipocrisia de merda.

ATRIZ 1
Olha quem fala. Você psicografa, querida? Vai fazer macumba pra mim agora?

ATRIZ 2
Ai, cale essa boca!

ATRIZ 1
Ué, só fiz uma pergunta.

ATRIZ 2
Ignorante.

ATRIZ 1
Agora eu que sou a ignorante. Fala sério.

(silêncio)

ATRIZ 2
Em que deus você acredita, moço? Você não é ateu não, né?

OSAMA
Não, não sou ateu não.

ATRIZ 1
Ainda bem.

ATRIZ 2
Que deus acredita, então?

OSAMA
Bom, é complicado.

ATRIZ 1
Temos tempo. Eles pagaram pra estar aqui.

OSAMA
Bom, o deus que eu acredito ainda não existe. Eu só tenho ele idealizado na minha mente ainda.

ATRIZ 2
Como assim?

OSAMA
É complicado.

ATRIZ 2
Temos tempo, caralho. Eu fiquei interessada.

OSAMA
É complicado explicar. Mas se querem saber qual é a minha opinião sobre qual deus ESTÁ vigente nessa nossa era, eu posso tentar palpitar.

ATRIZ 2
Como assim “deus vigente”?

OSAMA
Bom, pra mim, deus é a força que comanda, certo?

ATRIZ 1
Certo. Óbvio. Deus comanda tudo e todos. Ele sabe de tudo.

OSAMA
E ele age de acordo com a fé das pessoas, certo? O que faz as pessoas se moverem, certo? Que é a fé, o desejo.

ATRIZ 1
Óbvio, todo mundo sabe disso. Jesus disse: a tua fé te curou.

ATRIZ 2
E até uma parte da física científica tem percebido isso. O poder da mente.

ATRIZ 1
Disso eu já não sei.

ATRIZ 2
Se Maomé não vai a montanha, a montanha vem até Maomé.

OSAMA
É exatamente tudo isso. Eu acredito que o deus perfeito ainda está por vir...

ATRIZ 1
Sim, em breve Jesus voltará para nos salvar! Pode apostar. É nisso que acredito.

OSAMA
(continuando) ...nas nossas mentes biológicas de seres evoluídos dos primatas. Ele vai voltar nas nossas inspirações.

ATRIZ 1
Ah, mas então você não acredita em deus! Você é ateu sim! Eu não vim dos macacos, se vocês vieram problema é de vocês! Ateu!

OSAMA
Eu não sou ateu. Eu acredito na força. Por isso mesmo que ouso dizer que o deus vigente de hoje é o... (suspense)

(silêncio)

ATRIZ 1
Jesus. Eu não tenho dúvidas.

ATRIZ 2
Não faça drama, diga logo!

(Osama estala os dedos e ouvimos vários trechos de músicas seguidas: “Dinheiro na mão é vendaval”, “Eu não preciso de muito dinheiro, graças a deus”, “Grito ao mundo inteiro, não quero dinheiro, eu só quero amar”, entre outras nesse sentido)

ATRIZ 1
Ah, tá bom. Você é comunista, é?

ATRIZ 2
Eu achei que você estivesse falando sério, não fazendo mais uma crítica nesse espetáculo experimental de vocês aí.

OSAMA
Eu tô falando sério.

ATRIZ 2
Não, sim, tudo bem! É legal a analogia e tal, mas eu achei que você estivesse falando da força maior que rege tudo, entendeu? Deus.

OSAMA
Pois bem, a força maior que move os humanos americanos é o que?

ATRIZ 1
Jesus!

ATRIZ 2
Ai, cale essa boca!

ATRIZ 1
Nos estados unidos a maioria é cristã!

OSAMA
Eu disse americanos no sentido de toda a cultura ocidental. O que nos move nos dia de hoje é o dinheiro. Trabalhamos e vivemos chupando as bolas dele.

ATRIZ 1
Que horror! Como assim? Eu não! O dinheiro é do diabo e não de deus! Se fosse de deus não ia ter esse negócio aí de chupando as bolas, não! Deus só faz coisa boa, imbecil! Coisas de deus! Vocês precisam apelar, toda vez? Que tipo de liberdade poética tem isso?

ATRIZ 2
Mas – querido, não ligue pra ela. Eu não estava falando de realidade, eu estava falando de sobrenatural. De um deus sobrenatural, entendeu?

OSAMA
Não, não entendi. A força que move é deus. A força maior que existe na nossa era para o nosso estilo cultural é o dinheiro sem sombra de dúvidas. Seis dias de uma semana de sete, dez horas de um dia de vinte e quatro, e tem gente que ainda faz dois turnos pra se segurar na vida. Consegue entender maior loucura perder a vida fazendo uma coisa que odeia por um dígito no banco que se converte em alguns luxos desnecessários, de vez em quando e só de sábado?

ATRIZ 1
É porque a gente tem que guardar o domingo.

ATRIZ 2
Eu entendo o que quer dizer. Mas eu acho que eu prefiro essa vida assim. Prefiro ter uma prateleira de opções de comestíveis no supermercado do que ter que plantar e matar o que eu quiser comer. Como assim “luxos desnecessários”? Eu não vejo luxo como coisas desnecessárias. A gente tem que aprender a ver que o capitalismo trouxe umas folgas pra vida; eu não preciso cortar uma árvore pra fazer uma porta, eu vou lá e compro a porta pronta. Eu gosto disso, talvez tenha sido a ideia que mais tenha funcionado até agora, mesmo com todos os problemas, pra um pouco de conforto.

OSAMA
Conforto? Você gosta disso porque tá viciada. Se você tivesse desprivilegiada na condição, talvez você tivesse outra opinião. Quando eu era criança, se eu quisesse comer uma Passatempo, eu tinha que roubar o mercadinho que tinha perto de casa.

ATRIZ 1
Meu Deus. Roubar não é certo

OSAMA
Tomei muito cassete já.

ATRIZ 1
Acho bonito a sua iniciativa de largar o crime e trabalhar dignamente. Todo mundo tem uma chance.

OSAMA
Eu nunca saí do crime, dona. Tudo isso que eu vendo é contrabandeado. A questão é que o que é crime pro estado, não é crime na rua pelada. Manjaram?

ATRIZ 1
Toma de volta essa porcaria então, vagabundo! (joga a lapiseira) Você tem que avisar essas coisas! Coloca uma plaquinha pra gente saber. Você acha que a gente chegou onde chegou sendo vagabundos, contrabandeando?

OSAMA
Eu não vou devolver o dinheiro, dona.

ATRIZ 1
Enfie no cu! Não quero saber. Católicos não possuem problemas com dinheiro, meu lindo.

ATRIZ 2
Então você também trabalha para o deus dinheiro, não é? Você contrabandeia pelo dinheiro. O que você tá falando?

OSAMA
Lógico. Quer dizer que agora eu não posso ter uma televisão, um computador? Sendo que é a única coisa que se tem pra fazer quando chega de noite. Eu também sou nascido nessa era, queridona. Também só temos os mesmos desejos e sensações de conquistas, que a gente, aqui desse lado, aprende a invejar desde sempre de vocês, loiros e ricos.

ATRIZ 2
Fácil reclamar. Ele é comunista mesmo. Trabalhe que daí você consegue.

OSAMA
Eu não reclamei! Vocês queriam saber o que eu acredito.

ATRIZ 2
E você distorceu tudo!

OSAMA
E eu não sou comunista! Não me nomeie, porra!

ATRIZ 1
Calma, não precisa ficar violento.

ATRIZ 2
Era só dizer: “não, eu não acredito na força sobrenatural”. Pronto. Calma.

OSAMA
Mas eu acredito na força sobrenatural. Não teria como eu ter respondido outra coisa. A resposta que eu dei foi aquela. Lidem com isso. Pronto.

(silêncio)

ATRIZ 1
Você é um rapaz muito mal educado. Você não precisa falar assim com as pessoas.

ATRIZ 2
Um desnecessário.

ATRIZ 1
Mas fique tranquilo, meu amigo. Deus tem um tempo pra cada um.

OSAMA
Sim. Tem.

(silêncio)

ATRIZ 1
Enfim. Vamos?

ATRIZ 2
Vamos. Eu cansei dessa bagunça aqui. Aplausos! Vai!

(uma sirene de polícia com barulhos de tiros; um casal entra como típicos protagonistas de filmes de ação, atirando para fora em uma cena com bastante efeitos especiais; ela, bem gostosa com a calça colada e ele bem cafajeste; as atrizes 1 e 2 se jogam no chão pra se proteger; Osama dança entre as balas)

BANDIDA
Acho que a gente conseguiu despistar eles. Isso daqui é um bom lugar. Veja, meu amor.

BANDIDO
(para as atrizes) Vocês duas, descarreguem o caminhão. Você (aponta para Osama), tire essa roupa ridícula.

OSAMA
E eu vou ficar pelado?

BANDIDA
(estapeia a cara de Osama) Você é surdo? Tire a roupa.

BANDIDO
O que estão esperando? Vão descarregar o caminhão!

(as atrizes saem tremendo; Osama retira a roupa e vira Ator Pelado)

BANDIDO
Assim que eu gosto. Manda quem tem revólver, obedece quem não é retardado.

BANDIDA
Aqui tem terra pro cultivo. Dessa vez vai dar tudo certo, meu amor.

BANDIDO
Vamo quebrar toda essa merda. Eles se foderam, baby. Eles se foderam.

BANDIDA
E depois sexo, e mais sexo, e mais sexo!

(eles se beijam enlouquecidamente; as atrizes entram arrastando sacos pretos grandes; interagem ciumentas com a cena e saem novamente)

BANDIDA
Esses podem ser nossos escravos. Eles não são imbecis. (se aproxima do Ator Pelado observando-o; enquanto o Bandido se ajeita em uma poltrona) Você quer uma boquete, querido?

ATOR PELADO
Se for possível...

BANDIDA
Cale a boca, idiota! Querido?

BANDIDO
Por favor, seria maravilhoso. (coloca o pau pra fora)

BANDIDA
(para o Ator Pelado) Ande, chupe o pau dele.

ATOR PELADO
O que?

BANDIDA
(estapeia a cara dele) Você é surdo? Eu mandei você chupar o pau dele, pagar uma boquete, fazer um sexo oral. Você é burro ou é surdo? Meu lindo tá precisando de um relaxamento, deve ter matado uns cinco ou seis garotos do seu estilo hoje.

BANDIDO
Seis.

BANDIDA
Ninguém é de ferro. Ou você é homofóbico?

ATOR PELADO
Chupe você, é seu marido!

BANDIDA
(estapeia ele novamente)

(as atrizes entram com mais uma leva de sacos pretos grandes)

BANDIDA
Eu vou contar até três...

ATRIZ 1
Olha, desculpem perguntar. Desculpe atrapalhar. Mas o que está acontecendo aqui? Eu e minha amiga espírita aqui temos um compromisso agora a tarde...

ATRIZ 2
É verdade.

ATRIZ 1
Então eu pensei em perguntar se – depois de descarregar o caminhão...

ATRIZ 2
Lógico, depois.

ATRIZ 1
Lógico. Se a gente vai poder ir embora ou se isso é uma “forçassão” de barra? Entende?

BANDIDO

Claro que vocês vão embora depois de descarregar o caminhão.

ATRIZ 2
Ai, ainda bem! É só um sequestro relâmpago, então. Eu falei, sua boba.

ATRIZ 1
Obrigada, moço. Muito obrigada.

BANDIDO
Imagina, que isso!

ATRIZ 1
Eu já fumei maconha, viu.

BANDIDA
Sai logo!

(elas saem)

ATOR PELADO
Deixa eu ajudar elas com o caminhão.

BANDIDA
Não, o correto é você pensar assim: “depois que eu chupar o pau dele, eu vou ter a chance de ir pra casa”. Entendeu? Vai.

ATOR PELADO
Mas por que você não manda elas? Eu não sou gay, pô!

BANDIDA
Meu amor não gosta de gays, ainda bem que você não é. Ele gosta dessa situação, entende? De forçar alguém que não gosta de lamber saco, a lamber saco, entendeu? É só uma chupadinha, não é nada demais, colega. Vai logo, vai acabar rápido. Não precisa deixar gozar na boca, não é, amor, não precisa, né?

BANDIDO
Não precisa. Vai logo, rapaz. Vamo logo.

BANDIDA
Acho isso tão excitante! “Eu tô ficando de pau duro”, se eu tivesse um pau!

ATOR PELADO
Vocês tão ficando loucos. Eu não vou fazer isso.

(Bandido se levanta irritado; as atrizes entram com mais sacos pretos)

ATRIZ 1
Acho que acabou. Era só aqueles, né?

(Bandido dá um tiro certeiro na cabeça da atriz 1, que cai morta para o espanto de todos)

ATRIZ 2
Ah, meu deus! Ah, meu deus do céu!

ATOR PELADO
Puta que o pariu, pelo amor de deus!

BANDIDA
Acreditem. Agora ela está descansando. Quem sabe se ela foi pro céu. Pensem nisso.

BANDIDO
Eu quero esse ator chupando o meu pau em cinco segundos, por favor, por gentileza.

(silêncio; Bandido aguarda exatos cinco segundos em um silêncio constrangedor; só ouvimos os gemidos de choro da Atriz 2)

ATOR PELADO
Eu não vou...

(Bandido atira na Atriz 2, inesperadamente)

ATOR PELADO
Não! Não, não, não! Por favor! Por favor.

BANDIDA
Vai, querido. É melhor pra você. Não dói, você vai gostar.

(Bandido decide se mover até o Ator Pelado; ele está ajoelhado no chão e fica com a cara já próxima do pau)

BANDIDO
Vamos, garoto. Já teríamos poupado a vida de duas atrizes.

(Ator Pelado, com bastante sofrimento, nega com a cabeça)

BANDIDO
Chupa, caralho!

ATOR PELADO
Eu não vou chupar, vocês podem me matar.

BANDIDA
Querido, eu tenho uma ideia melhor.

(silêncio)

BANDIDO
Tudo bem. Se não for por medo, que seja por luxo. Gosto de deixar outros machos no meu chinelo, com o nariz fungando no meu saco. Por poder mesmo. Pra mostrar que qualquer macho é bosta perto de algumas situações.

BANDIDA
Meu marido é um grande militante misândrico. Meu feminista extremista lindo!

(Bandido aparece com uma maleta cheia de dinheiro; ele abre logo a frente do Ator Pelado)

ATOR PELADO
Meu deus do céu.

BANDIDA
Lindo, não é? Eu arrepio toda vez.

ATOR PELADO
Quanto dinheiro tem aí?

BANDIDO
Vem. Dá uma chupadinha, dá.

(Ator Pelado se ajeita pra finalmente chupar; a Bandida fecha as cortinas antes de vermos o acontecimento)

BANDIDA
Todos adoramos prostituição. É gostoso. É perigoso. É interessante. Se eu pudesse dar um palpite de um deus vigente seria o deus do sexo; em parceria com o deus dinheiro forma-se então a melhor suruba de anjos e santos e de orgasmos celestes. Prostituição não é só aquele sexo em que tem uma puta e um pagador. Tudo o que você já fez foi por algum interesse, ninguém se interessa por pessoas que não possam oferecer nada. Você pode até trepar com alguém só por interesses fisiológicos ou hormonais. Mas pra tentar alguma coisa que dure, precisa ter mais alguma coisa além de um pinto. Uma segurança, pelo menos, de ter um bom sábado a noite num bom restaurante e depois cinema. Quem sou eu pra julgar? A gente aqui anda conforma a banda toca a música. Não dá pra fugir do vício e do tesão. Deus sex machine!

(ouvimos o Bandido gozando)

BANDIDA
Acabou. Viu? Não precisava tanto drama.

(um tiro)

BANDIDA
É, ninguém é perfeito. Eu tento avisar ele.

(Bandido entra levantando o zíper)

BANDIDA
O que houve dessa vez?

BANDIDO
Muito dente. Esse nunca tinha chupado um pinto na vida mesmo, pelo visto. Mas deixou eu gozar na boca. Eu prefiro quando o cara me chupa com nojo. Não gosto de viadinhos assim que se entregam.

BANDIDA
Eu entendo.

BANDIDO
Ou que fingisse que não tá curtindo então, pelo menos, entende? Pra dar um pouco mais de tesão na coisa. Mas na hora, no fim das contas a maioria baba junto comigo. Todo mundo gosta de ser submisso alguma vez na vida. E eu vou por essa vida realizando esses desejos mais íntimos. Foda.

BANDIDA
Você é um lindo, meu amor. Especial. Não fique preocupado. Cada um deve aceitar o destino de nascença.

BANDIDO
Eu nasci pra fazer esses machos cagarem no pau!

BANDIDA
Sim, sim! Só você é o meu macho, garanhão, sensual! O resto do mundo é tudo viadinho.

(eles se beijam)

BANDIDA
Vamos montar a árvore.

BANDIDO
Vamos fazer um dueto.

BANDIDA
Não, agora não. Venha.

(ela o puxa pra dentro da cortina; uns segundos de silêncio; quando as cortinas se abrem, todos os atores estão em cena cantando brega, como um final de musical clichê; pode ser uma música qualquer, ou a sugestão abaixo)

TODOS
“Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos
Quinhentos e vinte cinco mil momentos bons
Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos
Como se mede o ano que passou?
Em dias, dinheiro, em beijos, em Coca-Colas?
Em noites, sexo, no riso ou na dor?

Em quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos
Como se mede um momento bom?
Meça em amor
Meça em amor
Meça em amor
Meça em amor
Era de Amor
Era de amor

ATRIZ
Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos
Quinhentos e vinte e cinco mil momentos que se quer
Quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos
Como medir a vida do homem ou da mulher?

ATOR
Nas lições que aprendemos, ou nos filmes que choramos?
Nas barreiras que vencemos, ou como a morte está chamando?

TODOS
A hora é agora
A história não acabou
Vamos
Celebrar o ano de quando tudo começou

Lembre com amor
Lembre com amor
Meça em amor
Meça em amor
Era de amor
Era de amor”

(versão em português da música “Seasons of Love” do musical RENT)

(black-out)

FIM DO PRIMEIRO ATO


2º ATO

(luzes e som de uma nave espacial caindo; uma fumaça espessa invade o palco; um astronauta entra em cena um tanto machucado e retira o capacete; é James; ele observa ao redor por alguns instantes, sai de cena e volta arrastando outro astronauta; retira o capacete e apresenta André que está desmaiado; com muito realismo)

JAMES 
Acorda, André, filho da puta!

(sem sucesso, James anda de um lado para outro desesperado)

JAMES
Alguém? Tem alguém nessa merda de lugar? Cacete. (desiste e se senta exausto) Mal saímos do lugar. Mal chegamos no topo do planeta. Merda de projeto.

(André acorda tossindo; James corre ajuda-lo)

JAMES
André! André, caralho! Pensei que... Caralho, velho! Ainda bem!

ANDRÉ
James. Água.

(James corre e volta com uma garrafinha)

JAMES
Toma.

ANDRÉ
O que aconteceu? Chegamos?

JAMES
Na Índia, só pode ser. Ou talvez em uma ilha. Não conseguimos nem sair.

ANDRÉ
Você viu algum índio?

JAMES
Não tem índio na Índia, colega. Foi modo de dizer.

ANDRÉ
Que merda. O que foi que aconteceu?

JAMES
Acho que fomos atingidos por um raio. Você desmaiou já na decolagem.

ANDRÉ
Não sou tão forte como você. Eu sabia que isso pudesse acontecer. Me ajude a levantar.

(James ajuda)

ANDRÉ
Caralho, velho. Fodeu.

JAMES
Fodeu.

ANDRÉ
Ligue o GPS pra sabermos a nossa localização.

JAMES
Fodeu tudo, André. A nave pifou, tudo pifou. Não tem mais nada funcionando, só fuselagem e pó.

ANDRÉ
Caralho. Você tentou arrumar?

JAMES
Você não entendeu? Bum! Explodiu! Ejetei você e eu antes de bater no chão.

ANDRÉ
A gente não pode ficar aqui parados coçando o saco, James. O que a gente faz?

JAMES
Já era, André. Temos que pensar em conseguir alguma coisa pra comer e beber agora. O que sobrou da caixa de emergência talvez dê por uns dois dias, só. A gente precisa encontrar um canto antes que algum bicho nos encontre antes, fazer uma fogueira...

ANDRÉ
Bicho?

JAMES
Sei lá! Tô tentando pensar no básico, André. Fazer uma tenda.

ANDRÉ
Acho que eu torci o tornozelo.

JAMES
Graças a deus foi só isso, né? Venha que eu te ajudo.

(James ajuda André se acomodar em um canto)

JAMES
Já era, André. Falhamos.

ANDRÉ
E os outros?

JAMES
Devem ter conseguido. Não vi rastro deles.

ANDRÉ
E os tubos? Conseguiu salvar ao menos os tubos?

JAMES
Explodiu com a nave.

ANDRÉ
Merda! Merda, merda, merda! E agora?

JAMES
Agora sou eu e você, colega. Não tem tempo pra gente se desesperar agora. Vou procurar madeira pra fazer uma fogueira antes que escureça.

ANDRÉ
Eles vão voltar. Eles vão voltar quando perceberem que a gente caiu.

(silêncio; André fica esperançoso olhando para o céu; James sai; ele fica pensativo por um tempo e depois percebe alguma coisa sensacional)

ANDRÉ
James! James! Mas é lógico!

(James volta correndo)

JAMES
O que foi?

ANDRÉ
Nós conseguimos, James. Esse planeta não é o nosso. O raio que você disse. Nós fizemos a passagem!

JAMES
Como assim?

ANDRÉ
Você esperava que fosse ser normal? O universo é muito louco, meu caro. A gente viajou três mil anos luz em alguns poucos minutos, queridão. Haha! Que raiva de ter desmaiado e ter perdido essa maravilha! Acredite em mim, esse aqui não é o nosso planeta.

JAMES
Acho que você está viajando, André.

ANDRÉ
Eu sei, é muito parecido...

JAMES
Mas vamos dar uma olhada, quem sabe a gente encontra alguma coisa que comprove que conseguimos sair daqui.

ANDRÉ
Não é mais “aqui”, cabeção. Nós conseguimos, acredite em mim. Esse não é o nosso planeta! Aquilo ali é uma plantação de maconha, não é? Olha ali, ó! Veja essa enorme plantação de um tipo de maconha diferente. Percebe como ela brilha diferente?

JAMES
De qualquer forma, nós perdemos os tubos. A reprodução jamais será feita entre eu e você agora. Na verdade, conseguimos metade da missão, se você estiver realmente certo. Maconha não vai nos salvar mais.

ANDRÉ
Sim. Mas de qualquer forma também, somos os primeiros seres humanos a pisar em terra estrangeira parecida com a nossa, que pode nos abrigar. É um marco!

JAMES
Os primeiros e os últimos. (pausa) Mas ainda acho que a gente não conseguiu nem sair de casa.

(silêncio)

ANDRÉ
(misterioso) Nunca vamos saber. Porque mesmo se a gente conseguir voltar pra base e tudo for igualzinho, ainda pode ser que a gente já esteja em outra realidade paralela à que vivíamos antigamente, um pouco parecida, mas não por completo. Entendeu?

JAMES
Para de viajar, André. Vamos tentar brincar de cientistas agora, tá bom? E não de filósofos. Nos resta sobreviver e registrar esse fim agora.

(silêncio; André se decepciona)

ANDRÉ
Você devia ter salvado os tubos. E não eu.

JAMES
Devia mesmo. Mas eu fui um pouco egoísta. Eu não ia conseguir ficar sozinho por tanto tempo, e muito menos ainda cuidando de bebês, clones do meu eu. Desculpe.

ANDRÉ
Você acabou de acabar de vez com qualquer chance que a gente já teve! Pra não ficar sozinho? Você é um homem ou um moleque?

JAMES
Desculpa, mas aqui eu não vou chama-lo de senhor. Agora nós somos mais dois bichos aqui. A hierarquia acabou.

ANDRÉ
Eu sei, eu sei. Desculpa. Mas seu último gesto humano foi uma cagada.

JAMES
Eu sei.

ANDRÉ
Que bom que você sabe.

(silêncio)

JAMES
É, eu sei.

ANDRÉ
Os dois últimos humanos.

(Bandida entra toscamente rolando como em filmes de ação, e aponta a arma para os dois)

BANDIDA
Hava caran picué?!

(James e André não conseguem disfarçar o brilho no olhar ao som de uma música; enfim uma solução para a não extinção)

BANDIDA
HAVA! Ashgomo folo véu bragaliança duma pirácara! Esbrigona! Esbri!

JAMES
Que linguagem é essa?

ANDRÉ
Não é de nenhuma conhecida, estamos em outro planeta!

(Bandida atira na perna de André)

ANDRÉ
Ai! Eles são violentos! Eles são violentos!

BANDIDA
Ashgomo folo véu duma pirácara...

ANDRÉ
Nós não entendemos! A gente não entende! We don’t uderstand! Não atire!

BANDIDA
Oh! So, you guys speak English. Let’s finish it now! Tell me! Who the fuck are you? I saw the lights! You both came from a ship, from space! Tell me!

ANDRÉ
Você fala inglês, James?

JAMES
Não falo.

ANDRÉ
Porra, seu nome é James e você não fala inglês!

JAMES
Não deu tempo, caralho! E você?

ANDRÉ
Os filmes estavam certos, o inglês realmente é uma língua universal.

JAMES
Quando eu nasci o mundo já tava em colapso. Não deu tempo.

BANDIDA
HAVA! FUCK!

ANDRÉ
We don’t speak English, senhorita alien.

BANDIDA
My name is not Allen. My name is Bandida.

JAMES
Quando eu nasci só existiam seis mulheres no mundo. Minha mãe foi uma das últimas.

ANDRÉ
Tá bom, a gente já entendeu, James. Eu tô sangrando pra porra!

(inesperadamente, Bandida atira na cabeça de André)

JAMES
Ai, meu deus do céu! Por que fez isso? Why? Why?

BANDIDA
(se insinuando) I have a big surprise for you, baby.

JAMES
Big surprise?

BANDIDA
Big. Twice.

(sem dizer nada ela tira a roupa de James, com bastante sensualidade; ele fica nu por completo)

BANDIDA
Are you gay?

JAMES
Gay? Eu? No meu planeta as coisas são diferentes.

BANDIDA
So you like this. (segura a vagina)

JAMES
Sim. Yes. (ri)

BANDIDA
Good.

(ela vai em direção a saída)

BANDIDA
Wait a minute, darling. (sai)

JAMES
Wait. Sim. Tô aqui. Ai, meu deus do céu! Foi mal, André, depois eu faço um funeral. Mas deus nos deu mais uma chance de procriar, de continuar ao menos alguma parte de nossa espécie. Eu vou fazer filho pra caralho com essa delícia!

(Bandida entra acompanhada do Bandido; eles rolam no chão como em filmes policiais)

BANDIDA
Darling, here is your new slave. Please, don’t kill him.

BANDIDO
E o inglês é pra quê?

BANDIDA
Pra mostrar que aqui não tem nenhum idiota.

JAMES
Vocês falam português!

BANDIDO
De onde você é?

JAMES
Me desculpe senhor, ela quem me pediu pra tirar a roupa. Não briguem. Eu vou seguir a minha vida, desculpem. Eu não queria atrapalhar.

BANDIDO
Fica pelado, caralho! De onde é que você veio?

JAMES
Qual o nome desse planeta? Desculpe perguntar.

BANDIDO
Primeiro me fala de qual planeta você veio.

BANDIDA
A gente viu as luzes. Vocês caíram de uma nave. Ele destruiu parte da nossa plantação.

BANDIDO
Você é gay? Fica pelado, caralho! Jogue essa roupa no chão!

(James obedece)

JAMES
Não sou gay, não. Sou hétero. Mas é que no meu planeta a gente não teve opções...

BANDIDO
Você tava interessado na minha mulher, não tava? Achou que ia comer ela, não achou?

JAMES
Vou ser sincero. Achei. Mas é que ela me mandou tirar a roupa e eu não sabia da existência do senhor.

BANDIDO
Deus não existe imbecil. Olha que idiota, outro católico, amor.

BANDIDA
Não existe esse negócio de senhor aqui, ouviu bem?

JAMES
Eu tava falando de você.

BANDIDO
Eu, deus? Você tá maluco?

JAMES
Não, você não entendeu... Eu tava dizendo que eu não sabia da sua existência por isso eu cobicei comer ela, entendeu?

BANDIDA
Quer dizer que se eu fosse solteira eu ia ter que estar disponível, é isso? Pro seu ego?

JAMES
Eu acredito ser o último da minha espécie, o último ser vivo do meu planeta. Eu achei que eu pudesse... só continuar. Foi isso.

BANDIDA
Ignorante.

BANDIDO
Você é polícia, não é, não?

JAMES
Não, não. Eu sou um astronauta, eu era um astronauta.

(silêncio; Bandido observa James dos pés a cabeça, como se estivesse medindo)

BANDIDO
(fofinho) Não gostei dele, amor. Ele parece ser gente boa. Acho que já deve ter chupado um pau nessa vida, tem cara.

BANDIDA
Esse é o último, querido. Não vai surgir mais ninguém aqui, escute o que eu tô dizendo. Seremos eu e você, finalmente. E com todo aquele dinheirão!

BANDIDO
Com todo aquele dinheirão! Só pra nós dois!

BANDIDA
Essa é a semana da colheita, seu lindo. Acabou a patifaria.

BANDIDO
(para James) Ô, colega? Já teve uma árvore de dinheiro só sua?

JAMES
Oi?

BANDIDA
Você é surdo, caralho? Ai, como eu tenho raiva de ter que ficar repetindo as coisas.

BANDIDO
Eu perguntei se você já teve uma árvore de dinheiro? Umas dessas que dá dinheiro, compreende?

JAMES
Bom, meu pai foi empresário a vida toda. Eu foquei a minha vida nos estudos científicos com a ajuda dele. Depois com a ajuda do governo. Hoje eu me sustento. (inicia um discurso dramático) Quer dizer, o meu mundo acabou, né? O sexo feminino entrou em extinção; por algum motivo não se nascia mais mulher. A gente foi estudando, tentando solucionar o problema. E percebemos que tudo isso aconteceu por uma defesa, sabe? Sério. Um último golpe misândrico de origem orgânica, por nunca termos conseguido chegar na liberdade feminina idêntica a liberdade do homem. Como se o corpo delas estivessem pensando: “Bom, chega! Hora de não continuar a espécie.” Parece besteira. Chegamos num ponto onde eram pouquíssimas mulheres e elas não estavam dando conta. E nem dos estupros. E só nascia macho. Não adiantava, nem com procedimento cirúrgico – chegamos a tentar fazer um homem com útero!, mas sem sucesso. Não tinha mais o que fazer para o corpo da mulher entender que ela tinha que reproduzir uma fêmea, se não fodeu, a gente tentou de tudo. E óbvio que elas foram ficando velhas, e por fim, morreram. O restante da população, machos, se mataram, obviamente, em pouco tempo ainda. Sim, uns queriam comer, outros não queriam dar e aí começou a rebelião. (pausa) Aí a gente encontrou uma solução. A nossa medicina científica estava bastante avançada no nosso planeta, e então conseguimos criar o primeiro ser humano totalmente em um tubo – isso já quando só existiam os filósofos e cientistas na base nuclear que fizemos no Egito, só homens. Os tubos, também feministas – era uma piada que a gente fazia – , funcionaram, para o nosso espanto. Fazia uma gestação de nove meses em quatro, acreditam? Quatro meses e o bebê estava pronto e saudável. Mas por mais mágico que possa parecer, também só estavam dispostos a reproduzir... (?)

BANDIDO
Machos.

JAMES
Exatamente. E nessa correria da vida, decidimos que não existia mais chance de a gente seguir com a vida no nosso planeta. O planeta ainda estava bem, com as plantas e matas reengolindo as cidades, estava tudo bem. Mas a ciência quis ir mais longe, aquele lugar habitava uma nostalgia dura de olhar. Então decidimos partir. E pensamos que podíamos usar e refazer a tecnologia do tubo e finalmente o tubo seria a reprodutora de seres unissexuais. Machos procriando outros machos em tubos. Futurista, né?

BANDIDO
Super futurista.

JAMES
Mas aí a nossa nave explodiu, junto com os tubos, e pode ser que eu seja o último humano vivo. A nossa história vai ter um fim. Por isso que eu pensei que eu pudesse... procriar com a sua esposa. Ao menos tentar um híbrido, já seria uma salvação.

BANDIDA
Somos humanos também.

JAMES
De outro planeta, ou de outra realidade. Mas enfim.

BANDIDA
Vocês dois eram namorados?

JAMES
Oi?

BANDIDA
Você e esse cara. Vocês se pegavam?

JAMES
Os homens se revezavam no prazer, mas esse formato de “namoro” já havia acabado faz tempo. Mas sim, a gente se pegava pra gozar. Era só um passatempo.

BANDIDA
Adoro gays.

BANDIDO
Seremos bons amigos .E esses tais tubos explodiram, é?

JAMES
Explodiram. Foi-se a minha chance.

BANDIDO
Não existe mais nenhum?

JAMES
Talvez lá no meu planeta eu ainda conseguisse construir com alguns protótipos velhos. Impossível de saber.

BANDIDO
Querida, faça as malas. Moço, como a gente faz pra chegar no seu planeta?

JAMES
(ri) Oras, não é tão fácil assim. Vocês aqui possuem nave espaciais? Uma base de lançamento?

BANDIDO
Não, mas como faz pra conseguir isso?

JAMES
Dinheiro, meu caro. E energia. Não sei em qual nível evolutivo vocês estão aqui.

BANDIDA
Dinheiro não é problema, meu querido. É chegada a hora da colheita.

JAMES
Mas não há mais nada que se fazer lá.

BANDIDA
Aqui também não. Nós fizemos o assalto da história, meu lindão. Somos procurados no planeta inteiro. Nós temos todo o dinheiro do mundo e queríamos usufruir disso com maestria. Ir pra outro planeta seria uma coisa única.

JAMES
Oras, mas façam uma plástica. Muda o visual, muda de nome. Não é tão simples fazer uma viagem dessas, levaríamos anos só pra construir uma nave novamente.

BANDIDO
Nós temos dinheiro.

BANDIDA
Não há mais mercado, garotão. Nosso roubo quebrou o mundo capital. Nós arrancamos o negócio pela raiz, crise mundial, meu caro. Esse planeta também já era.

BANDIDO
E nós temos muito dinheiro, todo o dinheiro que a gente precisa pra conhecer todos os planetas dessa galáxia. Eu quero ir.

JAMES
Meus amigos, mas do que vai adiantar o seu dinheiro sem mercado. Seu dinheiro só vale aqui, dinheiro não é uma coisa universal. De que adianta vocês terem todo o dinheiro do mundo se não tem mais onde vocês comprarem coisas? 

(silêncio; eles não tinham pensado nisso)

BANDIDA
Quem disse que o dinheiro não é universal? Nossos planetas, mesmo com as diferenças, aprenderam e desenvolveram as mesmas línguas. Por que não pode ser que o dinheiro daqui não seja o mesmo dinheiro em outro planeta? Hein? Por que não pode ser? Pode ser sim.

JAMES
Mas de qualquer forma, pra gente conseguir construir uma nave nova, nós precisaríamos comprar muitas coisas que se encontra só em uma sociedade capitalista. Não tem como começarmos da extração do aço, por exemplo. Derrubando árvore pra construir uma porta, não tem como.

BANDIDO
Mas eu quero ir pro planeta dele, não pra outro! Ele tem máquinas de fazer macho, querida.

BANDIDA
Eu sei, querido. Mas você entendeu o que ele disse? É muito trampo. E depois, se por um milagre conseguíssemos, você ia ter que esperar aqueles bebês crescerem. Pense só o tempo que vai ser, você já vai estar bem velhinho.

BANDIDO
No seu planeta é proibido pedofilia?

JAMES
Nós temos outros nomes pras coisas que começaram a acontecer com o tempo. Costumo dizer que voltamos àquela era onde o menino jovem tinha um tutor professor, que ensinava tudo o que se sabia, como um mestre. Era só homem no mundo, oras. Eu perdi a minha virgindade com nove anos, e com meu pai de criação.

BANDIDA
Meu deus.

BANDIDO
Viu? Então tudo bem se eu pegar algumas crianças.

BANDIDA
Pare com isso! Aqui a gente abomina esse tipo de coisa. Pelo menos abomina agora.

JAMES
Mas não era uma coisa vista como sacanagem. Era como um ensinamento, uma coisa pura e divina.

BANDIDA
Ah, pelo amor de deus, moço! Não me venha com esse desculpinha esfarrapada. Eu sei bem aqui como é que funciona a força do tesão, como é que o pinto de vocês funciona. Não me venha com essa.

BANDIDO
Eu quero ir, Bandida. Eu quero muito ir.

BANDIDA
Não tem jeito, meu amor. Não existe mais fábricas e nem mercado pra comprar tudo o que ele precisa.

BANDIDO
Ah.

BANDIDA
Não se preocupe. Eu estava brincando quando disse que ninguém mais iria aparecer aqui. Uma hora outra nave cai e talvez com alienígenas machistas, do jeitinho que você gosta.

BANDIDO
Vou torcer. (abatido, ele vai em direção à saída) Meu amigo gay, se você precisar de um lugar pra ficar, pode ficar aqui com a gente. Mas eu não curto comer viadinhos e nem quero que você erga os olhos pra cima dela, então não sei o que te faria ficar. Até mais.

JAMES
Puxa, tudo bem! Obrigado. Eu aprendi a me virar bem sozinho. E quem sabe não surge alguma outra nave com alienígenas femininas heterossexuais algum dia desses? Vamos torcer.

(Bandido sai)

JAMES
Enfim.

BANDIDA
Enfim.

JAMES
Seu marido é gay?

BANDIDA
O que?

JAMES
Ele gosta de homens, não gosta? Acho que ele pode ter um pesinho de pedófilo também. Você percebeu? Ainda bem que ele não se interessou por mim, ele tem cara de ser roludo. Tô tão cansado dessa vida.

BANDIDA
Ele é mesmo. Ainda bem que ele gostou de você, você teve sorte. Ele adora ter amigos viadinhos.

JAMES
E gosta de comer uns caras héteros a força, é isso?

BANDIDA
Exatamente.

JAMES
Cada um com as suas loucuras. Em sexo não se intromete se não for convidado.

BANDIDA
Meu marido veio ao mundo pra ensinar os homens. Já perdi a conta de quantos estupradores ele tirou o cabaço. Ele enfia a rola pra corrigir, já viu isso?

JAMES
Já. Já vi sim. É muito natural isso. Muitos homens acreditam nessa forma de correção.

(silêncio; Bandida fica pensativa quanto a última fala de James)

JAMES
Enfim.

BANDIDA
Desculpe perguntar, mas como era o dinheiro no seu planeta? Como funcionava o mercado?

JAMES
Nós chegamos a usar papel, mas depois voltamos pro esquema de troca. Funcionava bem, se não fosse o fim da mulherada.

BANDIDA
Entendi.

JAMES
E aqui?

BANDIDA
Aqui dinheiro dava em árvore. Dá em árvore.

JAMES
Como assim dá em árvore?

BANDIDA
Dá em árvores. Nasce moeda e que se você esperar um pouco vira nota.

JAMES
Tá de zoeira.

BANDIDA
Tô não. Por que estaria? É assim que é aqui, porra.

JAMES
Nossa, mas muito interessante.

BANDIDA
E nós roubamos todas elas. Consegue ver aquela plantação brilhante ali?

JAMES
Aquilo não é maconha? Eu jurava que fosse algum tipo de maconha.

BANDIDA
Aquilo tudo é a única riqueza vigente do planeta. Uma última e única plantação e todinha nossa. Não é fácil cultivar, sabe. Mas vai valer a pena quando der fruto.

JAMES
Impressionante.

(silêncio)

JAMES
Só uma perguntinha: o que vocês vão fazer com todo o dinheiro que roubaram agora?

BANDIDA
Gastar! Comprar um apartamento no Guarujá e tudo o que eu tenho direito. Um iate e um Iphone! Dois Iphone e um tablet! E meu marido tem o sonho de comprar um Playstation 9.

JAMES
Mas se o mercado não existe, se o mundo está falido, você vai comprar onde? Como?

(Bandida reflete e não sabe o que responder; ela entra num leve desespero, pois não tinha pensado nisso)

BANDIDA
Não faça pergunta difícil, moço.

JAMES
Não, eu só queria saber. Pra que ter toda riqueza do mundo se não tem mais ninguém pra te invejar ou nenhum lugar pra você gastar? Acho válido a gente pensar nisso, não? Sei lá. Mas é uma plantação muito bonita, viu? Será que eu poderia ver mais de perto?

(num súbito, Bandida atira na cabeça de James que cai morto)

BANDIDA
Odeio esses comunistas intelectuais. Fica fazendo a gente criar um monte de dúvidas na cabeça, caralho! Não interessa como eu vou gastar! Se o dinheiro é meu, foi direito pelo meu suor de roubo! Eu cheguei a suar sangue aquele dia! Eu cheguei a suar sangue.

(um Anjo e uma Anja, com asas de metal, entram em cena magistralmente; Bandida se converte instantaneamente com a visão)

ANJOS
(cantam algumas vogais em cânone)

BANDIDA
(se ajoelha extasiada) Oh, meu santo deus! Meu santo Jesus Cristo. Agora eu entendo! Agora eu entendo. Eu aceito, eu aceito! Oh, meu santo Jesus, como eu não pude ver antes? Perdão!

ANJO
Vocês ainda estão falando dele? Mas, gente, como esses humanos gostam de se remoer, né?

ANJA
Porra, já faz tanto tempo. Papai já até tinha esquecido disso, não é, papai?

ANJO
Foi só uma gozada, meu. Maria levou a sério demais isso tudo.

ANJA
Aquela safadinha.

ANJO
Não fale assim. Até que eu parecia um ser divino naquela época.

ANJA
Parecia. Parecia.

ANJO
Porra, mais de dois mil anos, não foi?

ANJA
Bem mais, acho. Tá vendo o perigo de se intrometer na vida deles? Eu avisei, não avisei?

ANJO
Qualquer um cairia na minha lábia. Eles realmente acreditaram, coitados. Vou tentar ser mais evoluído nas próximas.

ANJA
É que você é um gostoso, né?

ANJO
Pode ser.

ANJA
Fiquemos espertos com a órgãos reprodutores.

ANJO
Sim.

BANDIDA
Chegou o fim dos tempos? É hoje o dia que todos falavam? Por favor, tenham misericórdia. Essa arma é cenográfica! Eu nunca matei ninguém na vida real, era tudo encenação! Por favor!

ANJA
Oi?

BANDIDA
Vocês vieram nos buscar, não vieram? Você são anjos. É o dia do arrebatamento, não é? Agora eu acredito. Por favor, eu li a bíblia. Não deixe que mandem eu e meu marido pro inferno. Por favor. Eu sei que a gente não fez muita coisa boa aqui nessa vida, mas é que a vida foi difícil, entende? A vida foi muito difícil.

ANJO
(encena) Ainda dá tempo de você se converter, minha filha.

ANJA
(segurando o riso) Isso. Ainda dá tempo para todos. Jesus ainda voltará, mas não hoje.

ANJO
Basta você se arrepender dos pecados, meu amor. Dos palavrões e das plantações de maconha. Só isso e você estará salva. Ao menos que seja lésbica, aí não.

ANJA
(não aguenta e ri)

BANDIDA
Não, aquilo não é maconha, não. É dinheiro, senhor. Nós roubamos todo o dinheiro do mundo e agora nem temos onde gastar. No fundo eu era católica. Nos perdoe, tenha piedade de nós. “Ave Maria, cheia de graça...”

ANJO
Ave.

BANDIDA
“O Senhor é convosco. Bendita sois vós entre as mulheres. Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus...” (continua)

(os dois anjos se olham e retiram as asas e a vestimenta – que pode ser algo parecido como a de um astronauta; Bandida continua na sua conversão paranoica)

ANJA
Enfim, acho que aqui será um bom lugar pra descansar alguns séculos, querido.

ANJO
Graças a deus.

BANDIDA
Graças, graças! Mil graças! “Pai nosso, que estais no céu...”

ANJA
Tadinha.

ANJO
Quem sabe eles não precisem de uma forcinha mais uma vez? Me parece que eles estão em uma crise mundial, você viu? Um novo messias hibrido seria funcional agora, não acha?

ANJA
Funcional pra quê? Você já não viu? Pra eles botarem seu filho na cruz de novo e depois distorcerem tudo o que ele ensinar? Acho que chega de intervenções alienígenas, querido. Eles nunca aprendem nada.

ANJO
Queria gozar apenas.

ANJA
Se for pra fazer, como o cu, poxa. Tem que ter vagina? Tem que ter? Não vá engravidar ela de novo que não dá certo, pelo amor de deus.

BANDIDA
Oh, meu deus do céu! As asas não são orgânicas?

ANJA
São de metal, querida. Vem do chão. Isso é um tipo de meio de transporte somente.

ANJO
Chiu, não fale.

BANDIDA
Meu deus. Mas deus é um mistério mesmo. Que coisa incrível. Eu quero me converter, eu quero me converter sim. Eu e meu marido! Nós dois temos medo de ir pro inferno.

ANJA
Bom, vou deixar vocês sozinhos por alguns minutos.

ANJO
Obrigado, querida.

ANJA
O cu, bonitão. Só o cu, hein!

ANJO
Pode deixar.

ANJA
Vou dar uma olhada naquela plantação ali pra ver é fumável. Já volto. (sai)

ANJO
Vinte minutinhos! (ele pega a Bandida pela mão, carinhoso) Venha, minha filha.

ANJA
Pra onde vamos? Eu quero encontrar Jesus, senhor. Eu quero muito.

ANJO
Eu vou te batizar, primeiro.

BANDIDA
Serei como Maria? É um plano? Um filho do espírito santo?

ANJO
Não, sem filhos dessa vez. Vocês nunca entenderão o porquê da mistura de raças. Da última vez mataram ele sem dó e nem piedade. E olha que meu filho era gente boa, hein. Dessa vez só tô querendo me aliviar mesmo.

BANDIDA
Meu corpo é seu corpo, santo anjo do senhor.

(o Anjo pega Bandida no colo e sai)

(um vídeo nos apresenta dois órgãos genitais, um pinto e uma buceta; com cortes rápidos, as duplas de imagens vão se revezando, deixando dois pintos, depois duas bucetas, um pinto e uma buceta de novo. Com as mudanças, os órgãos vão tomando outras formas, montagens de pintos grandes e/ou com formatos absurdos e vaginas em outras dimensões e lugares do corpo; podem mudar de cor, alguns brilhantes; deve-se brincar com as possibilidades de órgãos de reprodução que poderiam existir em outros planetas, com outros tipos de seres evoluídos; um letreiro termina o vídeo com “Deus Sex Machine”)

(no palco, fumaça e suspense; notas de dinheiro caem na plateia e rolam moedas pelo palco. Uma música grandiosa introduz, finalmente, uma árvore repleta de notas penduradas, e moedas de ouro nas pontas)

(black-out)

FIM DO SEGUNDO ATO


3º e ÚLTIMO ATO.

(depois de um silêncio, um foco destaca as duas atrizes do começo do espetáculo sentadas na mesma posição, assistindo algo que acontece na escuridão)

ATRIZ 2
Achei forte demais.

ATRIZ 1
Pesado. E nem deu pra entender nadinha de nada. Você entendeu alguma coisa?

ATRIZ 2
Ah, eu até que entendi, mas sei lá.

ATRIZ 1
Eu acho que eles tão se escondendo no argumento de que “não precisa ter nexo, não tem que entender”. Essa juventude de hoje é muita maconha. Eu tenho orgulho em dizer que tudo o que eu já fiz na vida foi sóbria. Não precisei da ajuda da terra em nenhuma forma, desses aditivos.

ATRIZ 2
Eu cheguei a usar algumas coisas. Uns antidepressivos, pra dormir, essas coisas. Já fumei um baseado pra relaxar e criar também.

ATRIZ 1
Não, eu também já fumei maconha, sabia? Não tem problema só uma vez. Eu tô dizendo que não precisa ser desses artistas porra loucas, sabe? Não precisa. Ter pinto de novo, cena de sexo escrachada? Todo mundo já fez isso. Minha geração de formatura – quando eu me formei em artes cênicas, já faz uns seis anos – eram todos uns nerds. É sério. E foi bom, sabe? Já é passado essa visão anti-burocrática de artistas jovens e maconheiros, de loucão que morre de overdose, de putaria. Já chega disso. A gente tem que se burocratizar sim, nós estamos vivendo isso. E liberdade de expressão não é liberdade de opressão, a gente tem que sempre lembrar. Eu me senti muitíssimo oprimida com aquele negócio do cara lendo a bíblia e trepando ao mesmo tempo. Acho isso muita apelação, não precisa. Fere com a minha religiosidade, entendeu? Se eu fizer uma peça dizendo que ser gay é errado, por exemplo, vão condenar a minha alma e me chamar de homofóbica: “Uh, homofóbica! Ela odeia gays!”. Onde tá a sua liberdade e onde tá a minha?

ATRIZ 2
Ora, mas calma! Tem que haver senso nisso também. Por que você faria uma peça falando que ser gay é errado?

ATRIZ 1
Eu também tenho o direito a minha religiosidade! Pra você ela pode parecer babaca, mas eu tenho esse direito, não tenho? Não tenho esse direito em constituição? Em lei? Por que esses “artivistas” só oprimem o cristianismo? Porque ninguém fala mal da umbanda que faz macumba! Você sabe o que é isso? Macumba, garota! Vá falar mal do alcorão pra ver se eles não vêm e explodem você. Vai!

ATRIZ 2
São coisas completamente diferentes isso, como você é idiota! Vocês oprimem toda uma sociedade há muito tempo, é muito diferente...

ATRIZ 1
Como diferente, garota? Idiota é você. Nós estamos vivendo uma Cristofobia nos dias de hoje, sim. Todo mundo faz piadinhas quando eu falo que sou católica. Por que? Eu gosto de ser católica, o Padre Fábio de Melo é um lindo. É um absurdo isso. E olha que tava escrito que isso ia acontecer na bíblia, viu, tava escrito isso! A perseguição contra os justos. Eu até arrepio, ó.

ATRIZ 2
Vocês não são a minoria, gata. Vocês são a maioria, a grande maioria aqui. Essa é a diferença. Vocês que oprimem o resto. A maioria encurrala a minoria sem chance.

ATRIZ 1
Ai, não tem nada a ver. Cale a boca. Pode parar com esse papinho! A gente luta por justiça, por amor ao próximo. São os princípios de um cristão de raiz. Você é burra? Você não lê?

ATRIZ 2
Bom, por vocês ainda serem a maioria, a grande maioria, prefiro defender os outros, os que estão acuados. Prefiro ficar do lado deles.

ATRIZ 1
Porque você é uma ignorante que não quer saber da verdade.

ATRIZ 2
A umbanda, os índios, os muçulmanos e todo o resto, todos os putos.

ATRIZ 1
Macumbeira! Terrorista! Biscate!

ATRIZ 2
Depois de tudo isso, não tem como eu te defender, amiga. Eu fico triste, eu fico muito triste. Você é uma idiota. Eu nunca conheci alguém tão ridícula como você. Se um dia você fizer uma peça homofóbica, eu jamais olharei nessa sua cara porque a gente já beijou na boca e foi super legal. Você esqueceu? Você seria a rainha da hipocrisia se fizesse isso.

ATRIZ 1
Aquilo foi uma catarse de uma cena bem feita, amiga! De um dueto. Eu não sou lésbica.

ATRIZ 2
Não interessa. Se você fizer alguma coisa do tipo eu nunca mais olho na sua cara.

ATRIZ 1
Então você está me censurando nos meus possíveis assuntos, não é?

ATRIZ 2
Não, você vai poder falar, vai fazer o que quiser, mas não olhe mais na minha cara.

ATRIZ 1
Então você prefere ficar do lado dos terroristas nessa história, não é? De gente que explode gente? É isso? É muito engraçado, você é a favor da liberdade de expressão contra os católicos – desse grupinho ridículo que a gente assistiu – , mas acha que uma piada com Maomé justifica um massacre como aquele, como se os terroristas fossem heróis?

ATRIZ 2
Não interessa! Não interessa! Lógico que não justifica. Não quero mais falar. Ninguém falou que eles são heróis. Chega desse assunto!

ATRIZ 1
Oras. Se eu matasse todo mundo agora, você jamais iria entender os meus motivos. Iria me colocar na cruz. Mas defende os terroristas.

ATRIZ 2
E você é contra uma cena de uma bíblia com uma trepada, acha exagero, desrespeitoso, mas é a favor dos cartunistas que fizeram quase a mesma coisa com os símbolos de Maomé. Cadê o nexo?

ATRIZ 1
Isso não interessa! É completamente diferente isso que você tá falando. Eu não acredito no Maomé!

ATRIZ 2
Como não interessa? Você pode censurar, mas quando te censuram não pode?

ATRIZ 2
Eles matam pessoas! Eles entram no seu local de trabalho e metralham tudo. Você não assiste televisão? Crianças de oito anos aprendendo a usar metralhadora. Isso não é liberdade de expressão, querida. É muito diferente eu vir criticar uma peça porque ela feriu a minha religiosidade, do que eu abrir fogo contra todo mundo que fez isso. Eu sou contra, mas eu não vou matar aquele ator, ainda mais porque ele é lindo e depois falariam que é homofobia. “Olha lá, a homofóbica matadora de ateus e gays.”

ATRIZ 2
A proporção de mortos nessa guerra é muito maior que isso, amiga. A força da sua maioria não dá espaço pra minoria deles. Eles fazem por fé contra o seu deus, já que o seu deus fez com que a prosperidade de lá virasse guerra e pobreza e mortes mais do lado deles; enquanto aqui estamos no bem bom. Chorando as mortes só dos brancos americanos, e marcando datas históricas só dos massacres do lado de cá. Só se lembra do onze de setembro, só lembra! Eles só conhecessem essa opção de expressão, minha amiga, eles acreditam ser revolucionários na luta por dignidade e justiça, por tudo o que fizeram com o povo deles. Foi isso que deu pra aprender. Entendeu? Foi o que deu tempo de aprender a fazer.

ATRIZ 1
Gente, mas eu tô pasma. Mesmo eu sendo a cristã aqui, é você quem acredita então que algum cristão tem o direito de entrar e matar todo mundo aqui, por causa daquela cena. Vai que alguém se ofendeu. É isso que eu entendi?

ATRIZ 2
Lógico que não! Ninguém tem o direito disso!

ATRIZ 1
Só deus tem esse direito!

ATRIZ 2
Não é isso que eu tô dizendo! Você é burra ou o que?

ATRIZ 1
Burra é sua mãe. O que você tá dizendo, então? Me fala, me explica então. Explique pra burra.

ATRIZ 2
Eu tô dizendo que os homens brancos vieram com a sua bíblia e com seu Jesus e catequizaram o mundo inteiro, abominaram todos os outros rituais, todas as outras divindades e esperanças e culturas variadas; como se essa fosse a forma perfeita de solução para a ordem e progresso. “Jesus o único senhor e salvador”. E os que não se adequam? Fogo neles! Pedras! Saques! Por isso entendo essa a crítica que fizeram aqui. Mas uma piada contra gente oprimida não sei quais são os motivos sociais disso.

ATRIZ 1
Não justifica.

ATRIZ 2
Como não justifica?

ATRIZ 1
Não justifica matar alguém.

ATRIZ 2
Você acha que aquela região tem guerras e pobreza porque não é próspera ou porque foi saqueada?

ATRIZ 1
Porque aquele lugar foi amaldiçoado.

ATRIZ 2
Porque estão sendo saqueados desde muito tempo, pela glória e riqueza dos grandes templos cristãos, imbecil!

ATRIZ 1
Não me chame de imbecil!

ATRIZ 2
Acredite, poderia haver prosperidade para todos. Poderia ao menos ter terra pra todos. Um espaço no planeta. Mas ocupadores de prédios abandonados são chamados de vagabundos, e muitas vezes por muitos que se dizem do “amor ao próximo”.

ATRIZ 1
Não é assim que funciona, minha querida. Esses vagabundos aí querem tudo de mão beijada. Trabalhar ninguém quer, né?

ATRIZ 2
Ai, meu deus. Mas você é uma ignorante.

ATRIZ 1
Você está completamente equivocada, senhorita atriz inteligente. Isso tudo não dá o direito de você fazer uma cena de sexo com uma bíblia na mão. Isso é mexer com quem tá quieto. O cristianismo só quer ter o direito de exercer os seus rituais de domingo, de exercer a sua crença. Aguarde uns cristãos extremistas surgirem, aguarde. Aí eu quero ver.

ATRIZ 2
(para a plateia) O deus dos caras manda repartir o pão, dar tudo aos pobres, amar ao próximo, daí você defende  uma família pobre ganhar cento e setenta reais por mês, e os cara: “Nooossa! Criar vagabundo. Nossa.” Os extremistas já estão dentro do governo – com uma puta quantidade de votos – impedindo que um casal gay adote uma criança que um casal hétero abandonou.

ATRIZ 1
Eu acho que só precisa ter um pouco de respeito na liberdade de expressão quando tiver que discutir esses assuntos.

ATRIZ 2
O que? O respeito dos cartunistas assassinados contra a religião dos caras tudo bem? Só não pode afetar a sua, é isso? Então você entende a dor de uma piada contra a sua fé, não é?

ATRIZ 1
Mas não justifica uma barbárie daquela. Eu não vou sair matando as pessoas por discordarem de mim.

ATRIZ 2
(se irrita) Mas porque você não foi oprimida a vida toda! Porque foi você quem oprimiu!

ATRIZ 1
Não vitimize os terroristas. Pra mim, oprimido é quem foi fuzilado sem chance de luta. Eu nunca mataria ninguém, muito menos por religião. Não justifica.

ATRIZ 2
Se a sua vida fosse a ferro e fogo mataria sim! Mataria pelo seu direito a ter direitos! Se a sua vida fosse uma merda, se sempre você tivesse em desvantagem, você mataria sim. Eu mataria pelo meu direito a ter os prazeres de vida que só alguns experimentam, mataria sem dúvida.

ATRIZ 1
Isso porque você é uma louca. Esquerdopata. Petralha. Você tá ajudando a afundar esse país. Defendendo terrorista. Onde já se viu?

(silêncio)

 ATRIZ 2
É impossível discutir com gente burra.

ATRIZ 1
Concordo com você. Mas Jesus tem uma hora pra todos. Fique tranquila.

(o ator que fez a cena de sexo entra arrumando seu figurino)

ATRIZ 1
Moço! Posso falar com você um minutinho? Eu sou atriz também, e crítica de teatro. Eu gostaria de conversar sobre uma cena que vocês fizeram.

ATOR 1
Fique a vontade.

ATRIZ 1
Não é por causa da religião, viu. Eu sou católica, mas não sou muito praticante. É que com tudo o que aconteceu, acho que a gente devia ter mais respeito com os símbolos que envolvem as outras crenças, entendeu? Achei um pouco exagerado. Claro, que essa é só minha opinião no meu direito à expressão, não é mesmo? Vocês não precisam mudar a cena por mim, lógico. Mas o que você acha disso? Você não acha que vocês podem causar mais fúria nos extremistas, naqueles pastores deputados, por exemplo?

(silêncio)

ATRIZ 1
Então? Não acha?

(Marco Feliciano, Jair Bolsonaro e Silas Malafaia entram com uma cruz grande que possui um formato de pênis na ponta; o Ator 1 tira a roupa completamente e fica de quatro)  

ATOR 1
Eu dou o cu em cena pra defender o meu direito de dar o cu na vida.

(Atriz 1, desesperada e gritando, fecha as cortinas rapidamente antes que possamos ver a penetração)

ATRIZ 1
Gente, que absurdo. Esse pessoal precisa de um processo judicial, não dá pra continuar desse jeito. É muito ódio contra Jesus.

(a Atriz 2 retorna)

ATRIZ 2
Não é contra Jesus, minha linda. É contra algumas pessoas que enfiaram no cu alguns bons pensamentos dele.  Se é que ele existiu.

ATRIZ 1
Vocês ainda vão engolir tudo isso. Vocês perceberam que eu fui a maior oprimida desse espetáculo? Que vocês todos são contra o que eu acho e que me humilham com essas heresias, e essa falta de respeito? Percebeu isso? Uma hora eu explodo e aí vocês vão ver só, ainda bem que eu sou uma pessoa calma.

ATRIZ 2
Você tem o direito de montar uma peça que ataque o grupo LGBT. Que fale que os gays estão errados por serem assim. Você tem esse direito de se expressar.

ATRIZ 1
Mas vocês vão tentar me censurar.

ATRIZ 2
Eu te censuro, você me censura. Talvez um dia a gente encontre uma balança.

(o Anjo entra em um foco recebendo uma boquete da Bandida)

ANJO
Talvez seja essa a real função da piada. Se olharmos pela perspectiva de que o planeta é um ser vivo por si só, e que nós somos células dessa vida que respira em conjunto, podemos concluir que o riso serve como combate às coisas que vemos e/ou julgamos como não naturais ou de ação falha. Se alguém tropeça na rua, ele torna-se um alvo de olhares e de risos; as vídeo cassetadas, é engraçadíssimo; são as células combatendo uma falha na ação, pra que não se tropece mais, que não se caia mais, que não se machuque mais. Então nós rimos. Mas e se for a sua mãe como uma sacola de compras que de repente se espalha pela rua um monte de laranja – que ela comprou com o duro suor dela – como seria? Seria engraçado? E se alguém se mijasse de rir de ver a sua mãe cair com as laranjas? A liberdade de se rir de algo, de rir da falha pode ser considerada por alguns como um concerto benigno pra nossa evolução. Já ouvi alguém dizer que rimos da gordice porque obesidade é uma doença, e o planeta precisa consertar isso, gordofobia não é só uma questão estética. Não sei até que ponto eu consigo defender esse pensamento, de que pessoas mereçam humilhação, exposição, serem xingadas de baleia, de zoeira, por uma saúde coletiva que só teremos um resultado palpável daqui alguns séculos ainda. Eu estou sendo um pouco egoísta, eu sei disso. Devíamos pensar nos que virão, no futuro, mas eu prefiro defender o prazer momentâneo também. E é disso que todos os seres respirantes precisam, um segundo de respiração, um sexo gostoso, comer o que quiser e por fim, a descoberta do que foi feito esse deus que tanto procuram. Átomos.

ATRIZ 1
Ih, outro ateu. Sacanagem. Um anjo ateu?

ANJO
Eu sou um astronauta ateu.

(Bandido entra raivoso com o que vê)

BANDIDO
Que merda que tá acontecendo aqui?

(Bandida se levanta; as duas atrizes se sentam pra assistir)

BANDIDA
Querido, ele é um anjo. Ele veio nos trazer salvação pra nossa vida bandida. Venha, chupe o pau dele comigo.

BANDIDO
Você ficou louca?

BANDIDA
Querido, você não precisa mais sofrer. Você pode se abrir agora. Ele me disse coisas lindas. Disse que distorceram todo o cristianismo. Você pode gostar de homens, meu amor. Não é errado isso, ninguém mais vai te oprimir agora, querido. Nós devemos devolver todo aquele dinheiro, distribuir com os pobres, criar projetos sociais. Chega dessa luxuria, meu amor! Venha, chupe, querido. Eu estou grávida.

(Anja entra)

ANJA
O que? Você o que? Eu não acredito nisso, meu amor!

ANJO
Nós usamos aquele negócio... como é?

BANDIDA
Camisinha. É um plástico que encapa.

ANJO
E aí estourou. Ela disse que era quase cem por cento de chance de funcionar. Eu sempre fui sortudo, né?

ANJA
Isso vai dar merda.

ANJO
Agora já foi. Ela é contra o aborto.

BANDIDA
Meu corpo, minhas regras.

BANDIDO
Vocês treparam, é isso que eu entendi?

BANDIDA
Ele é um anjo, meu amor. Ele me trouxe um filho do espírito santo. Vai ser diferente, você será como José.

BANDIDO
E desde quando você é católica?

BANDIDA
Desde sempre. (baixo) Cale a boca se não ele vai nos enviar pro inferno por duvidar. Vai, chupe o pinto dele. Anda logo!

BANDIDO
Eu que sou o macho. Eu sou o seu machão, Bandida.

BANDIDA
Você não precisa mais se esconder, meu amor. O fim dos tempos está chegando. Ele me disse que inventaram todo esse negócio de repressão sexual. Você pode ser uma flor, se você quiser. Agora você pode finalmente sair do armário, meu lindo.

(Anjo e Anja riem escondido; Bandido se enche de ódio)

BANDIDO
Eu não sei do que você está falando, sua lazarenta.

BANDIDA
Chiu. Relaxe, amor. Não precisa disso. Eles são seres divinos, eles estão aqui pra nos ajudar. Não é mesmo, meus amigos?

ANJO
Sim, sim. Você pode ser gay, sim, cara. Não precisa mais se reprimir. Eu não tenho preconceitos, anjos são bi sexuais. Se quiser vir, pode vir.

ANJA
Ele é roludo. Se divirta.

BANDIDO
Eu não sou gay! Eu odeio isso! Eu odeio isso!

(silêncio)

BANDIDA
Ele tá com medo de se abrir na frente de vocês. Nossa sociedade nos reprimiu de uma forma que tá impregnado nele esse medo de assumir.

BANDIDO
Cale a boca! Fica quieta!

ANJA
Quando nosso senhor Jesus voltar, esse homens que inventaram essas besteiras não terão chances. Fique tranquilo, meu amigo.

ANJO
Quem come também é gay, queridão. Não tem mais gay ou menos gay. Transa com pessoas do mesmo sexo, é gay.

BANDIDA
Viu, querido?

BANDIDO
Eu só dou uma correção em gente que se acha macho demais. Eu quero quebrar com esses machos de araque. Qualquer um vira a bunda por um preço, ou por um medo. Eu odeio homens. Eu odeio como eles tratam as mulheres. É isso que eu faço. Eu sou o macho sobre o macho!

ANJO
E quem vai quebrar com o macho que você pensa que é nesse direito de quebrar esses outros machos?

(silêncio)

ANJO
Venha. Chupe o meu bilauzão, chupe.

(silêncio; Bandido pensa por um tempo e depois vai até o Anjo)

BANDIDO
A força sempre vence.

BANDIDA E ANJA
Machos.

(Osama Bin Laden entra novamente; os outros personagens desaparecem; as duas atrizes continuam no mesmo local)

OSAMA
Lápis, caneta, lapiseira, bala halls e bandeirinha da paz! Cuidado, meus amigos! Um lápis é uma arma nos dias de hoje! E pode ser, num pode? Eu tenho a liberdade de achar isso por direito na constituição. Isso aqui é teatro, esse lápis pode ser o que eu quiser. Isso daqui é contrabando da polícia do Rio de Janeiro, meus colegas. Só gente da polícia usa esse tipo de caneta aqui. Em breve vou lançar uns quadrinhos que eu desenho. Eu sou desenhista também. Aí vocês vão ver o que é crítica de verdade. E se eu morrer lutando por um direito de ser livre, por escrever e desenhar o que eu quiser,  vou morrer feliz, vou morrer orgulhoso de mim, se por um acaso eu ofender alguém. Parece piegas, mas foda-se. Estamos todos, um atacando o outro com piadas e “falta de respeito” da nossa pessoal e intransferível forma de ver o que é moral e o que é imoral, e desde sempre isso acontece, num embate um tanto infantil de ambos os lados, eu confesso. A liberdade de expressão não deve ser medida, não, e nem censurada, de ambos os lados, então. Acho que devíamos rir sim de alguém que possui discursos que atrasam o nosso desenvolvimento social, como a homofobia, o racismo, o machismo, o fanatismo religioso, e afins. Mas eu penso assim porque somos artistas, ativistas, gays, maconheiros, putas, biscates, loucões que talvez morramos de overdose logo, logo por essa vida de puto. Se a gente tivesse outra vida, tivesse nascido em outro local, com outra religião influente, talvez teríamos crescido acreditando que temos que ser homens bombas pra conseguir liberdade. Nunca saberemos. Mas eu sei que com a minha opinião, com essa opinião esquerdopata de jovem que se acha revolucionário, eu terei que arcar com as consequências que os radicais poderão – e tem esse direito – de causar contra mim. Eu tenho que aceitar essa realidade, que todo mundo que eu ofendo também tem o direito de rebate. Se um tem o direito de ataque, o outro tem o direito de rebater na altura que achar necessária, no tamanho da dor da ofensa que é pessoal e intransferível também. Quem julga as importâncias de cada um no fim das contas? No final, vencerá sempre o mais forte, o que tiver o melhor advogado ou o que tiver a arma mais potente ou o que estiver em cena. E se por um acaso morrermos em nome da luta, faz parte da luta morrer.

(todos os outros atores aparecem em focos, com grandes metralhadoras em punho)

TODOS
Que vença o melhor.

(eles fuzilam a plateia)

(black-out)

****** FIM*******


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