ARROZ, FEIJÃO E GANJA QUE AVOA
PERSONAGENS
Felício
Denis
Analisa
CENA 1
DENIS ESTÁ COZINHANDO O TEMPO INTEIRO, COM GRANDES
PEDAÇOS DE FRANGO; FELÍCIO ARRISCA UNS PASSOS DE DANÇA, UM TANTO CANASTRÃO.
DENIS
Enquanto eu pico essa abobrinha
E declamo essa poesia
O outro personagem se faz de cigarrinha
Me faz de tia, dessas que servia
Mexe a bunda igual mariquinha
E que vocês vão experimentar
Mas antes eu sugeriria:
Não pensar em cabelo na comida
Antes de se alimentar
E eu lavei a mão
FELÍCIO
(CANTA BOBO)
Eu cocei o saco,
enfiei o dedo no cu
Depois cheirei meu
dedo, e voltei para a abobrinha e depois lavei a mão
Tudo é bactéria, "mariquinha" é elogio
Tudo é nojento, infectado,
tem um tequinho de bosta
E pelo e cabelo
Com sabão e cafeína
DENIS
Mas você vai comer essa porra! Se não, não vai beber
guaraná! Tem coca-cola!
FELÍCIO
Enquanto ele pica
essa abobrinha
E declama essa
poesia
Eu bolo um
cigarrinho
Perco um tempo
fazendo vários nadas
Pensando no vento
Falando com duendes
e fadas
E que vocês podem
até experimentar
Mas antes eu
sugeriria:
Que assuntos novos
não pudessem te chocar
Antes de se
alimentar
Lave a mão
FELÍCIO LIGA A TELEVISÃO E PASSA POR ALGUNS CANAIS; VEMOS
ALGUNS PROGRAMAS DOS MAIS CONHECIDOS DA TELEVISÃO.
DENIS
Coloque alguma música aí. Pra inspirar.
FELÍCIO
Não tá passando nada.
DENIS
Dá aqui que eu vou colocar uma música.
FELÍCIO
Vai engordurar o controle. Que nojo.
DENIS COLOCA ALGUMA MÚSICA LENTA CLÁSSICA. ELE SE DELICIA
COM A MÚSICA E VOLTA A COZINHAR.
FELÍCIO
Essa música nem da sua época é.
DENIS
E nem da sua.
FELÍCIO
Mas não sou eu quem quero ouvir essa porcaria.
DENIS
Cale a boca, cara! Porcaria é sua cara, se enxerga. Isso é arte.
FELÍCIO
Eu vou colocar outra. Puta depressão.
DENIS
Você é um ridículo. Você não entende nada de gosto
musical. Deixa essa!
FELÍCIO
Se é gosto, não tem padrão; é individual.
DENIS
Cale a boca.
FELÍCIO
Nossa, parece um moleque.
DENIS
O moleque que tá aqui cozinhando pro bonito sobreviver.
As gotas do suor da minha bunda pra pagar o seu amor ao ócio.
FELÍCIO
Boas ações não devem ser jogadas na cara nunca, se não,
não é boa ação.
DENIS
Cara, você é hilário.
FELÍCIO
Escuta essa.
FELÍCIO COLOCA ALGUM SOM UM POUCO MAIS ATUAL, MAIS
MODERNO.
DENIS
Você tá zoando com a minha cara, né?
FELÍCIO
Sente se não fica mais fácil de cozinhar ouvindo um som
assim.
DENIS
Vai se foder. Você vai comer o cabo do alface agora.
FELÍCIO
Nosso cérebro evoluiu junto com a música, tá ligado? Da
mesma forma que quando a gente aprendeu a cozinhar a carne antes de comer, fez
com que déssemos um passo alto na evolução, as frequências musicais de cada
época formam um caráter, formam uma continuação. Formam um estilo de vida. Essa
sua música pós-guerra não condiz com o clima da atualidade. Isso condiz com o que está acontecendo
agora.
DENIS
Pra mim, o pós-guerra é super atual. Eu sou uma pessoa
que tenho gostos mais cultos do que você, pronto, tudo bem. É que eu sou mais velho, é natural.
FELÍCIO
Aff, fala sério. Eu tô tão cansado desse seu tipinho. Nem
sei como é que ainda eu continuo comparecendo nesse seu jantar cultural.
DENIS
A porta da rua é serventia da casa. É pra todos.
FELÍCIO OUVE UM SOM DE ALARME NUCLEAR; ELE VAI ATÉ A
JANELA UM POUCO ASSUSTADO. DENIS NÃO SE INTERESSA, ELE PEGA O CONTROLE REMOTO E
COLOCA NUM DESSES CANAIS DE REPORTAGENS SENSACIONALISTAS, COMO DATENA, MARCELO
REZENDE, ETC.
DENIS
Mata esses vagabundos, Marcelo! Mata!
FELÍCIO
Não! Isso não! Isso não!
ELES SE ATRACAM NUMA BRIGA VIOLENTA PELO CONTROLE REMOTO QUE
DURA POR ALGUNS SEGUNDOS EM SILÊNCIO.
DENIS
A televisão é minha, seu filho da puta!
FELÍCIO
Eu sou visita!
DENIS
Você é parasita!
FELÍCIO
Eu faço companhia pra você!
DENIS
A minha opinião é de que esses funkeiros tem que morrer
tudo! Tem que matar esses vagabundos que destruíram o planeta com essa putaria
aidética! Não vem me falar que eu tô recebendo nos meus aposentos gente que
defende vagabundo, funkeiro! Não vem me falar isso, pelo amor de deus.
FELÍCIO
Você abriu
a porta por que? Caralho. Por que?
DENIS
Eu sou
cristão. Eu não ia deixar vocês morrendo lá fora. São Paulo tá osso com
essa crise. Só se vê pai de família morrendo por causa de um celular. Eu fiquei com dó de vocês dois!
FELÍCIO
E você adora ver isso. Essa tragédia.
DENIS
Adoro ver o filho da puta se foder. Justiça social!
FELÍCIO
E a solução é matar o outro por causa desse celular? Matar
o meliante antes que ele mate?
DENIS
Antes que ele mate o primeiro, não é? Isso é que é
justiça.
FELÍCIO
Mas aí não dá na mesma? Uma morte de um ser humano por
causa de um celular?
DENIS
Mas o pai de família escolheu a vida de trabalhador. E o
bandido escolheu a vida de bandidagem. Cada escolha uma consequência. Vá
comprar um celular pra você ver o preço.
FELÍCIO
Tem coisas que depende mais do que as escolhas. Eu por
exemplo queria ter escolhido fazer um curso que eu tava querendo fazer já faz mais
de ano, mas minha condição financeira não condiz.
DENIS
Pede pro seu pai.
FELÍCIO
Pois é. Se eu tivesse eu já tinha feito. Na carreira que
eu escolhi, quem tem pai, dá passos mais largos com menos tempo. Tira dessa
porra. Pode ouvir sua música
culta, por favor.
SILÊNCIO.
NA TELEVISÃO VEMOS CENAS DE DESTRUIÇÕES E DE MANIFESTAÇÕES VIOLENTAS,
TUDO EM FORMATO DE REPORTAGEM, COMO SE ESTIVESSE ACONTECENDO AO VIVO. OS DOIS
VIDRAM NA REPORTAGEM.
DENIS
Eu falei que a guerra era super atual. Esse governo filho
da puta estimulou a segregação das pessoas.
FELÍCIO
Sim, assim também pensava o coronel quando o negro
percebeu que estava sendo injustiçado.
ENQUANTO ELES ASSISTEM A TELEVISÃO, ANALISA ENTRA EM CENA
COM UM BANQUINHO E UM VIOLÃO, SE ARRUMA E CANTA.
ANALISA
Eu não estou mais
brava não
Às vezes estou sim
Eu não falo
palavrão
Porra, às vezes falo
sim
Depende também
Da preocupação que
me convém
Eu não estou mais
brava não
Eu não gosto de
limão
Se por pinga,
talvez sim
Quase que eu não bebo
não
Mas às vezes eu bebo
sim
Depende também
Se acordei com essa
gente de bem
Eu não estou brava
Eu nunca fico brava
Nunca como eu já
fiquei
ANALISA TERMINA E SAI EM SILÊNCIO.
FELÍCIO
Acho que tá queimando.
DENIS
Sua mãe!
FELÍCIO
A comida.
Vai queimar a comida.
DENIS
Ai, caralho!
FELÍCIO
Esse mundo faz a gente dar prioridade pra coisas muito
avulsas.
DENIS
Chega de
filosofia! Se você vai ficar aqui, você vai ter que me ajudar.
FELÍCIO
Eu não
pedi ajuda. Eu não sei ajudar. Eu só quero ficar de boa. Morrer também seria
de boa. Agradeço o que está fazendo, mas isso tudo é o que eu posso oferecer.
Ninguém pediu pra você nos colocar aqui pra dentro e oferecer esse jantar. Você
ainda convidou, houve até um convite formal, teve página no Facebook e tudo, não teve pessoal? Tem cartaz aí fora. Para de
ser mesquinho.
DENIS
Você quer tocar seu violão, quer tocar a sua punheta,
quer comer do bom e do melhor e não quer ser útil na máquina.
FELÍCIO
Que máquina?
DENIS
Na composição, na divisão, caralho! Você é um vagabundo.
FELÍCIO
Jesus acolheu os vagabundos.
DENIS
Não vem com esse papinho pra cima de mim que eu sei que
você não acredita em Jesus.
FELÍCIO
Mas você acredita.
DENIS
Me deixa
cozinhar em paz! Vou ajudar na fome de vocês essa noite e depois a gente
vê o que faz. Isso aqui não vai ficar barato, caramba, tá secando meu estoque.
FELÍCIO
Já ouviu falar de sopa de pedra?
DENIS
Vai tomar no cu que eu não sou trouxa.
FELÍCIO
Se você quiser, podemos todos ir embora, não podemos,
pessoal? Se você quiser a gente vai embora e você come sozinho essa merda.
DENIS
Ah! Essa
merda? Agora você vai comer só a raspa do molho do frango, seu filho da puta! E
com arroz de ontem e cabo de alface!
FELÍCIO
Você é um cara vingativo! Por isso que eu não quero fazer
questão de acreditar nesse seu cara espiritual aí. Vamos embora, pessoal. A gente
vai esperar a comida ficar pronta aqui do outro lado.
FELÍCIO ESTÍMULA QUE A PLATEIA O ACOMPANHE PRA OUTRO
CÔMODO.
DENIS
Filho da
puta! Egocêntrico.
CENA 2
NO OUTRO CÔMODO ANALISA ESTÁ SENTADA EM SEU BANQUINHO COM
O VIOLÃO. ENQUANTO ANALISA CANTA, FELÍCIO PREPARA UM BONGUE.
ANALISA
Agora eu posso ir
em frente
Sem problemas de
amar
Anos noventa eu
nascia pelada
E hoje eu fumo até
maconha
Enquanto espero o
jantar
Eu já sei guardar
dinheiro
Sentada
Oh oh oh ohh
É feriado e eu amei
Não vou voltar, mas
já voltei
Talvez eu me mude
pra lá
Ano que vem, eu vou
voltar
É feriado e eu amei
Think I'll stay
Holiday, think I'll stay
Now I get a holiday
TODOS (QUE
QUISEREM) FUMAM.
DENIS
(OFF) Tá
fumando droga!
OUVE-SE SIRENES DE POLÍCIA E VEMOS LUZ DO GIROFLEX. DENIS
ENTRA IRRITADO.
DENIS
Enquanto eu pico essa abobrinha
E ouço essa ladainha
O outro personagem se faz de cigarrinha
E eu sou a porra da formiga
Vocês são tudo farinha do mesmo saco
E que vocês vão experimentar (COÇA O SACO)
Mas antes eu sugeriria:
Não pensar em cabelo na comida
Antes de se alimentar
Eu não vou lavar a mão!
Isso é apologia!
DENIS SAI IRRITADO.
FELÍCIO
Pessoas frias jamais entenderão o significado do que a
gente está fazendo aqui hoje. Da arte como momento, em gostos e surpresas
itinerantes. Não precisa ter razão, pode ser o mais ordinário possível. A magia
acontece porque isso aqui está pré-moldado, e não há segurança nenhuma de que
vá dar certo. Ele pode queimar a comida. Pode ser que sejamos proibidos de
fumar essa maconha em cena. Pode ser que alguém de vocês me vire um murro na
cara por qualquer motivo. A magia é o instante de insegurança. Pode ser que qualquer um de nós de repente comece a passar mal aqui. Tudo pode acontecer, a gente não tem segurança nenhuma. É por isso que
vocês estão aqui e por isso que a gente tem o costume de fazer isso.
OUVE-SE UM SOM DE ALARME NUCLEAR.
DENIS
(EM OFF) Vagabundos não passarão! Abaixo à cafeína!
Abaixo ao casamento de brancos com negros! Abaixo os vagabundos mamadores da
sociedade!
FELÍCIO
Eu acho que eu posso ser um transexual. Eu tenho vontade
de fazer a mudança de sexo, sempre tive. Talvez um dia. Talvez quando isso
acontecer eu frito o meu pau e distribuo entre nós, como boa ação. Eu acho que
eu gosto da vida exatamente por isso. Por a gente poder brincar com o que é
possível e com o que vem adiante.
DENIS ENTRA COM UMA PANELA CHEIA.
DENIS
Para cada comentário idiota e de jovem adolescente que se
acha revolucionário que eu ouvir, eu vou dar uma cuspida na comida.
FELÍCIO
Ah, você não vai fazer uma sacanagem dessa, né?
DENIS COSPE A PRIMEIRA VEZ.
FELÍCIO
Filho da puta!
DENIS
Eu tô
com gripe.
FELÍCIO
Filho da puta! Você abriu a porta só pra nos torturar!
Seu corno! Quem é que vai comer essa merda agora?
DENIS
Já era merda antes de ter baba, né?
FELÍCIO
Sacanagem. Justo depois da larica?
DENIS
Minha casa, minha peça, meu brinquedo. Nós vamos falar
sobre o que eu gosto de falar. E pronto e acabou. E vocês vão comer essa merda! Esse bongue sai e a garota
também. Você, você e você também saem, não gostei da cara de vocês. (ELE APONTA PARA TRÊS DO PÚBLICO; A
GAROTA ACOMPANHA OS TRÊS ESPECTADORES – NO OUTRO CÔMODO, A GAROTA CANTA UMA
MÚSICA INDICADA NA CENA PARALELA*) Se
eu sou quem tá trabalhando pela diversão de outrem, eu pude perceber que eu
estou sendo um otário. Então eu quero diversão pra mim, diversão das coisas que
eu gosto, porque ninguém vive de agradecimentos, nem quando eles são sinceros.
FELÍCIO
Posso ir com eles?
DENIS
Não, você fica.
FELÍCIO
Porra, mas você é um chato de um ditador.
DENIS
Tem mais
comida. Você acha que eu ia cuspir na comida toda? E eu sou imbecil?
FELÍCIO
Ninguém vai mais querer comer da sua comida, Denis.
Desiste disso. Você coçou o saco, porra.
DENIS
Ué, você não é o cara que diz querer ser transexual?
FELÍCIO
E o que isso tem a ver?
DENIS
Um transexual gosta de saco.
FELÍCIO
Quem
disse isso? E quem diabos gosta de pelo de saco na comida?
DENIS
Lógico que um transexual gosta de saco. Se ele quer virar
mulher ele gosta de homem.
FELÍCIO
Não necessariamente.
Eu adoro mulher. Eu nunca fiquei com um cara, não me apetece.
DENIS
Você tem vontade de virar mulher pra se envolver num
relacionamento lésbico? É muita falta de criacionismo numa pessoa só. Maldito Darwin! Você é cúmulo da
esquerda! Me dá vontade de vomitar.
FELÍCIO
Posso ir com eles no outro cômodo?
DENIS
Vá,
caralho. Vá.
FELÍCIO SAI CORRENDO PARA CENA PARALELA* QUE ESTÁ ACONTECENDO NO OUTRO CÔMODO.
DENIS
Vocês acham que pessoas como eu são pessoas frias. Que não
possuem coração. Mas sem nós, sem a classe trabalhadora, não haveria comida nos
supermercados. Não haveria tempo para os ditos artistas ganharem dinheiro
batendo punheta em cena. Eu sou frio, mas foi o que deu pra aprender. Eu só
acho que todos temos que ter um pouco de paciência, mesmo com pessoas que
não tem paciência. Pra que diabos a gente senta nessa proza se não for pra
trocarmos ideia, não é mesmo? Eu também posso ser um artista. Tem tanta gente
que pinta uma bolinha no centro de um quadro e chama aquilo de arte. Quem ele é
melhor que eu? Eu também posso fazer.
FELÍCIO COLOCA A CABEÇA PRA DENTRO DA CENA.
FELÍCIO
Então por que você não faz?
SILÊNCIO.
DENIS
Porque
eu não tenho tempo. Eu tô com fome. Poesia não enche a barriga.
FELÍCIO
Você tem
todo o tempo agora. Eu tô olhando a comida. Eu lavei a mão antes.
FELÍCIO SAI.
DENIS SE PREPARA TIMIDAMENTE; ELE PEGA UM MICROFONE E SE
PREPARA PARA CANTAR UMA MÚSICA. POR ALGUNS SEGUNDOS ELE SE SENTE INTIMIDADO,
MAS DEPOIS GANHA CONFIANÇA. POR FIM, SUA INSEGURANÇA É MAIS FORTE E ELE DESISTE
DE CANTAR.
DENIS
Vamo todo mundo pro outro cômodo, vai. Vou terminar a comida pra todo mundo comer porque é o que importa. Comida! Tá
limpinha, viu? Eu lavei a mão sim. Tá incluso no ingresso e é comida boa sim, podem confiar.
ELE DIRECIONA A PLATEIA PARA O OUTRO CÔMODO.
*CENA PARALELA QUANDO ANALISA SAI DE CENA
ANALISA ACOMPANHA OS TRÊS ESPECTADORES ATÉ A PRIMEIRA
SALA, E OS FAZ LAVAR A MÃO. SEM FALAR, ELA E OS TRÊS ESPECTADORES CONTINUAM A
COZINHAR A COMIDA, ACRESCENTANDO INGREDIENTES RECÉM PICADOS. ANALISA FAZ COM
QUE OS TRÊS ESPECTADORES, CADA UM, DÊ UMA FORCINHA. ENQUANTO COZINHAM ELA
CANTA:
ANALISA
Um ingrediente
higienizado e conservado
Dois ingredientes
pra instigar o paladar
A comida é boa, não
fique preocupado
Isso não é à toa, é
cultural esse jantar
Arroz e feijão e
uma ganja que avoa
São experimentações,
num ócio de gente com vida boa
Chora, reaça
Chora, reaça
Você é a minha formiga
e eu sou sua cigarra
ANALISA REPETE A ÚLTIMA ESTROFE; QUANDO FELÍCIO ENTRA EM
CENA, ELE CANTA COM ANALISA E AJUDA NA MONTAGEM DOS PRATOS.
CENA 3
QUANDO TODOS RETORNAM AO PRIMEIRO CÔMODO, TODOS CANTAM
ALEGRES COMO FINAL DE ESPETÁCULO.
TODOS
Chora, reaça
Chora, reaça
Você é a minha formiga
e eu sou sua cigarra
Me arregaça
Me arregaça
Liberdade de
expressão é difícil de te dar
Quando você faz
pirraça
Você é cheio de
fazer graça
Chega dessa
procissão
Vamos todos já
jantar
ELES SE SERVEM DA COMIDA EM SILÊNCIO, E INDICAM A PLATEIA
A FAZER O MESMO. QUANDO TODOS ESTIVEREM ACOMODADOS, DENIS TOMA A PALAVRA.
DENIS
Essa pode ser a última refeição da vida de vocês.
(SILÊNCIO) Eu não tenho mais nada pra falar.
TODOS DEVEM COMER EM SILÊNCIO, DEMORE O TEMPO QUE FOR.
QUANDO TODOS TERMINAREM E ESTIVEREM SATISFEITOS, DENIS COMEÇA A RETIRAR OS
PRATOS.
DENIS
Obrigado, Denis.
FELÍCIO
Obrigado, Denis. Deus te abençoe.
ANALISA
(CANTA) Obrigado,
Denis.
DENIS
Nossa, pode deixar que eu lavo a louça, viu.
FELÍCIO
Seria muita gentileza.
ANALISA
Seria muita
gentileza.
DENIS
Para de cantar! Chega de teatro! Todo mundo comido, todo
mundo agora dormindo que amanhã é um novo dia.
FELÍCIO
Eu não tô com sono ainda. Vamo ver TV?
FELÍCIO LIGA A TELEVISÃO
DENIS
Já, já, você não vai se aguentar de sono.
FELÍCIO
Imagina. Eu costumo ir dormir lá pelas quatro da manhã. Vida
de artista boêmio, né? Vou por um filme pra gente assistir. Alguém tem uma
sugestão aí?
DENIS
Tem peça que não acaba com felicidade, sabia, Felício? O
nome desse cara é Felício.
FELÍCIO
Podem me chamar de Fel.
DENIS
Tem peça que acaba com tragédia. Com a morte da arte, dos
artistas, por exemplo. Novos tipos de artistas psicóticos que usam da arte pra
embebedar as pessoas, pra drogar as pessoas e o elenco. Talvez para um estupro
depois de um desmaio acidental. Até que ponto isso poderia ser de mentira? Até
que ponto você é um personagem com um nome e um apelido e até que ponto aquelas
proteínas que nós mastigamos foram de mentirinha, só de teatrinho? Como é que
pode haver segurança? Nós estamos grudados em uma grande bola, que gira em
torno de uma outra bola de energia, com outras bolas de variados formatos e
composições, num espaço com trilhares de outras bolas e buracos e possibilidades.
Posso ser um dramaturgo e/ou um ator com requintes de crueldade e agora a sorte
está lançada.
FELÍCIO
O que você tá querendo dizer com tudo isso? Que você
colocou alguma droga na comida? Você não faria um negócio desse. Isso te traria
um puta de um processo criminal. Puta viagem.
SILÊNCIO.
FELÍCIO
O que foi que você colocou, cara?
SILÊNCIO.
FELÍCIO
Pelo amor de deus, (nome real do ator)! O nome dele de verdade é (nome real do ator)! O que diabos você colocou na comida, caralho?
SILÊNCIO. DENIS SE ARRUMA MALICIOSO PARA SAIR DE CENA.
FELÍCIO
Responda, seu filho da puta! Isso é sério, caralho! Não é
brincadeira!
DENIS SAI MISTERIOSO. O SOM DE ALARME NUCLEAR INVADE A
CENA.
ANALISA
O que ele colocou?
O que ele colocou?
O que ele colocou
no nosso pão de cada dia
FELÍCIO
Volta aqui, seu desgraçado!
ANALISA
O que ele colocou?
O que ele colocou?
FELÍCIO
Alguém chama a polícia!
ANALISA
O que ele colocou
no nosso pão de cada dia
VAGAROSAMENTE, ANALISA E FELÍCIO VÃO CAINDO NO SONO, AO
MESMO TEMPO QUE A LUZ CAI EM RESISTÊNCIA.
LONGO BLACK-OUT.
EPÍLOGO
AS LUZES RETORNAM E DENIS ESTÁ COM UM VIOLÃO SENTADO EM
UM FOCO. ELE PARECE QUE VAI COMEÇAR A TOCAR E A CANTAR. ELE SE PREPARA
DEMORADAMENTE. TENTA FAZER ALGUMAS NOTAS E LEMBRAR DE ALGUMA MELODIA.
DENIS
Qualquer um pode fazer uma bolinha num quadro. Qualquer
um.
POR FIM, DEPOIS DE ALGUMAS TENTATIVAS DE SE ARRUMAR PRA
FAZER SUA APRESENTAÇÃO MUSICAL, DENIS RESPIRA FUNDO E DESISTE.
DENIS
Eu não sei tocar essa porra.
SAI CHUTANDO AS COISAS E DERRUBANDO O VIOLÃO;
BLACK-OUT.
FIM
Nenhum comentário:
Postar um comentário