A PEDRA DO GÊNESIS: POR ONDE E COM QUEM ANDAS, JESUS (Versão 3)


A PEDRA DO GÊNESIS:
POR ONDE E COM QUEM ANDAS, JESUS?
(versão 3)

Texto de Gabriel Tonin



Monólogo teatral dividido em um prólogo e três cenas.

PERSONAGEM: JESUS/ELE/RAUL/PRETO/CHICO

CENÁRIO: Um deserto com pedras. Um púlpito à direita com um microfone e uma cadeira de balanço à esquerda com uma mesinha e enfeites de uma sala comum.

PRÓLOGO

(Jesus entra pela plateia cansado durante os quarenta dias no deserto, totalmente coberto, só com o rosto de fora; venta; em vídeo vemos parte da tentação do diabo acontecer; ao fim da cena, chegando no palco, ele tira um pequeno objeto brilhante de dentro de uma pedra grande; a, então, Pedra do Gênesis; junto dela há um bilhete:)

JESUS
(sem ânimo; mal lido) “Bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos. Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia.” Esqueci de alguma coisa? Ah! “Amai ao próximo como a si mesmo!” Anotem essa. Posta! Posta que tá precisando, mesmo que seja mensagem batida. Nem liguem pro que falem! Faz corrente sim! Funciona sim! Energia é energia! Se for real é real! Eu prometo não fugir do tema proposto exatamente nesse ponto, que creio que pra se falar sobre ciência e sobre o mistério que existe em torno dela não podemos negar a história da busca por deus. (música grandiosa, arrebatadora; Jesus um tanto cômico; pausa brusca) Porque inclusive foi assim que a ciência começou, né; buscando respostas para a pergunta fundamental. (pausa; ele levanta A Pedra) A Pedra do Gênesis. Não significa nada, não é o segredo da vida. É segredo nenhum. Quem foi que deu ponto final na ideia que deus não fala mais com os homens hoje em dia? Por que pararam de criar novos testamentos, novos livros em nome de deus? Quem decidiu dar o ponto final? Agora, à partir desse momento, começa o terceiro testamento da minha história. (pausa) Eu nunca fui embora. Eu sempre estive aqui.

(ele tira o capuz e revela os cabelos curtos e um tipo mais moderno, com piercing e cabelo descolorido; pode existir um olho de uma cor diferente)

JESUS
É aqui que começa a liberdade artística, o livre arbítrio e a ficção. Agradeço a presença de todos, agradeço o convite, “é uma grande honra dividir esse mesmo tempo e espaço com você”, Carl Sagan - um outro tipo de mim, de todos nós, filhos do Criador. E já peço perdão, como bom humilde, criado em lar cristão pela vó dessa vez, e como um honesto e modesto que devo e aprendi a ser. Eu fui o exemplo da subversão dos meus tempos em vida humana e não há o que se negar nisso. Eu, eu falo como Jesus, não como o artista. E eu estou falando sério. Eu tô falando muito sério. Isso tá de fora da encenação. Grudem as bundas na cadeira.


CENA 1

JESUS
(se prepara para o início da história em forma de saga; um tanto palestrante mesmo assim) Exatamente há cada trinta e três anos, um ser humano híbrido das estrelas, da criação e do Criador, vindo de naves interestelares, gerado exatamente por inseminação artificial, claramente, com autorização da receptora, em costume entre jovens virgens – vale ressaltar que essa regra tem sido extinta já há algum tempo, vendo a discussão sobre gêneros em todo o universo, e evolução, estamos em novos tempos, graças às deusas, então... tudo muda, até deus mudou com o tempo e ele se orgulha disso porque há de se mudar sempre pro melhor. É a ideia principal, se você pensar bem. Melhorar sempre. Não é de hoje que o cavalo marinho macho que gera os filhotes de cavalo marinho. Esse avatar que vos fala, não o primeiro e nem o último, veio sim dos grandes deuses, e venho ao nosso mundo mais uma vez para ser mártir e trazer alguma influência híbrida ao mundo! Vocês caíram naquela de que eram estrelas que guiaram os três reis magos, mas eram naves espaciais, flor! Posso garantir, posso provar, 2019 tá aí, bebê! Senta aí. Coisa de Francisco. (continua a história) Nesse meio tempo, com base no livre arbítrio que também me foi concedido, eu posso ter a escolha tanto para o bem como para o mal. (fala rápido, como um robô) Pós Hitler veio os Direitos Humanos. (pausa) Desculpem. Há segredos sobre deuses e demônios que não posso revelar. Esse ser humano divino e geneticamente modificado e misturado, um tanto mais evoluído, na pegada Clark Kent mesmo - tirando um pouco a modéstia nesse momento, perdão, mas é o que é, não posso mentir, não tão carismático e gostosão, mas... - temos sido parte da história de cada geração específica, hora sendo mártir, hora sendo monstro. Hora sendo alguém ali da esquina pedindo uma moeda pra tomar uma pinguinha, (mostra uma varinha mágica exatamente no estilo Harry Potter) hora sendo apenas uma historinha de tão tão distante de ficção em arte...

(ele veste uma capa vermelha; se senta na cadeira de balanço e transforma um copo de água em vinho com a varinha, usando-a como colher pra fazer a transformação; enquanto continua o texto seguinte ele bola um cigarrinho de ervas tranquilamente)

JESUS
Eu caí na tentação da carne. Eu nasci em 1987. Tenho três anos ainda pra escolher pelo que que eu devo morrer. Faz parte da historinha isso. Tem que ser assim. Linearidade. Vocês enxergam o tempo e espaço diferente, é só o que posso dizer e conseguir explicar sobre isso. Falar sobre tempo e espaço demanda uma peça só pra isso, fica pra próxima. (pausa) Escolher alguma coisa que valha a pena ser mártir de novo, sobre o que é que tá exatamente acontecendo de mais importante nesse exato momento do nosso pequeno mundinho, que acho que eu nem preciso lembrar vocês que é uma bolinha entre tantas outras bilhares e bilhares de bolinhas e diversas coisas esquisitas e mesmo com explicações lógicas, que a ciência consegue visualizar até agora, existencialisticamente não adianta de muita coisa as respostas, na verdade. Pra pergunta fundamental, que matematicamente tem resultado de 42, mas isso eu roubei de outra história também, então... (pausa) Por favor, não há terra planistas aqui, acredito eu, né? Diz que não, por favor. Não posso encanar em escrever sobre isso, ou morrer no nome disso de novo, gente, é muita sacanagem com muita gente envolvida nisso aí! É malandragem, issaê! Não é mais questionável essa parada, ceis que pendem pra esse lado. Por favor. Quem se interessa em ciência, por favor, não mate Galileu mais uma vez, não NOS MATE mais uma vez. O papa foi pedir desculpas quinhentos anos depois, em meu nome ainda, filha da puta. Coitado. Desculpem. Tem que ficar esperto, não é uma tarefa simples o que venho fazendo ainda hoje. Parece andar em ciclos idênticos, confesso. (se prepara para uma revelação) Eu venho hoje lhes garantir que estou sob influência divina e trazendo uma mensagem do deus verdadeiro, é exatamente isso, esse é o espetáculo que ceis estão assistindo. Eu digo e tô batendo o pé no chão por essa verdade: é uma mensagem de deus a que eu tô trazendo hoje. Eu sei que é, porque eu estou ouvindo aqui e aqui (aponta os ouvidos e o coração). Quem é você na fila do pão pra dizer que não? Assim como muitas fachadas de igreja por aí tem feito o mesmo pra espalhar medo e ódio, exatamente o oposto do que o verdadeiro eu disse. Então, creio estar em uma leve vantagem até - não sendo modesto de novo, desculpem, é por isso que ainda faço-me carne vez ou outra, por conta desses probleminhas mesmo. Eu tenho exatamente o mesmo direito de culto, é isso.

(ele termina de bolar o cigarrinho)

JESUS
Funciona como o wi-fi, cê manja? Cê me passa a senha e eu entro da rede. (pausa) Eu também sou uma reencarnação de Jesus sim, não é um personagem falando isso, sou eu mesmo, como existe outras figuras divinas andando por aí. Eu não voltei, não é isso, a questão é que eu nunca fui pra nenhum lugar exatamente - mesmo que isso esteja vindo de um processo dramatúrgico de um escritor ateu new generation; tomem isso como ofensa ou não, mas é a grande verdade, eu não trabalho com mentiras, eu me exponho pelado ainda. Ceis vão ver, tenham paciência. (pausa) Eu tenho fotos pra comprovar. Não nudes, não as de pelado, moço do retroprojetor. Coloca aí! (vê se imagens de cenas icônicas da vida de Jesus, a ator mesmo como Jesus em cenas icônicas da história) Sou eu mesmo. É verdade. Pode ver, sou eu. Como foi com Buda, com um caralho de gente que surge por aí. De Nelson Mandela e também até naquela senhora moça transexual desconhecida de uma tal peça que foi censurada agora a pouco em São Paulo – não sei se vocês viram. Renata Carvalho; é uma pessoa que foi literalmente pregada numa cruz exatamente por quem adora um cara numa cruz. Desde todas as ditas putas ao menino Bernardo. Entre milhares! Raul Seixas fez exatamente o mesmo que Jesus Cristo! Bateu de frente com as morais e bons costumes da crença infundada e catastroficamente hipócrita do seu tempo e fui pra cruz de novo! E Raul era satânico!, diziam. Vejam. A tal peça que foi censurada que eu falei, falava simplesmente do amor de Jesus, da mesma mensagem, mas como era uma mulher transexual interpretando o deus senhor divino incontestável, “OH MEU DEUS DO CÉU, JESUS TENDE PIEDADE DAS NOSSAS CRIANÇAS!”, esse detalhe apagou totalmente a mensagem de amor que a artista trazia e mexeu com a dor da fé daqueles que acreditam no senhor divino incontestável que odeia as bicha e os “freak” e odeia também gente que utiliza das próprias genitálias como bem entendem e querem, vide livre arbítrio - não é possível que precisamos nos lembrar disso o tempo todo -, e usam o que eu falei, O QUE EU PERSONAGEM JESUS FALEI de amor, só que pra pregar o ódio. Ceis tão ligado? “Ué, mas Jesus não é um homem loiro de olhos claros? Alto? Onisciente e onipresente e eloquente e displicente e salvador supremo inconstestavelmente?” Vamos descobrir, pô! Juntos! Por que deu ponto final? Quem deu ponto final?! Mostra o retroprojetor, moço! (ele mostra mais fotos no telão) As fotos estão ruins porque são de outros tempos, mas coisas do tipo aconteceram bilhares de outras vezes em diversos lugares pelo mundo. (vemos agora algumas imagens conhecidas da violência contra a comunidade LGBT, contra a mulher, e a luta dos negros, entre outros; tudo brevemente) A tecnologia tem ajudado aos Jesuses de nosso tempo terem rosto. Com pessoas ordinárias ou pessoas extraordinárias. Mártires em todo canto. Nem sempre gente completamente santa, quem é que pode falar de santidade? Mas gente que fez da sua morte revolução. E mesmo que tenha uma certa beleza, isso é horrível. Depende muito das escolhas pessoais de cada ser, de aceitar ou descer da cruz. (as imagens voltam para Jesus nos momentos da via sacra, até a crucificação) Veja só que curioso. Sou eu mesmo me interpretando depois de dois mil e tantos anos depois. Não é curioso as coincidências? Porque eu realmente acredito ser uma parte da carne de Jesus cientificamente falando. Eu já falei pra minha psicóloga, já falei pra minha vó. Fiz essas peças! (pausa) Vejam: (ele mostra uma cicatriz na barriga e nas mãos) Eu posso provar. Esse é o buraco onde enfiaram a lança enquanto eu agonizava na cruz. É real, querem ver de perto? Podem tocar se quiser, Tomé. Alguém quer ver o meu buraco de perto? Eu tenho dois bigos. Não é maquiagem. Eu, artista, tomei um tiro uma vez. É verdade, vida real essa parte. Mas significa o lance da lança. Entende as paranoia pós moderna da história? Faz as ligação? Meu deserto existiu de verdade. Eu fiquei quarenta dias sem comer e sem beber, quem me conhece sabe, no deserto decorrência de uma radioterapia, em completo jejum, nem água eu conseguia – vida real agora, exposição hein, tititi -, por isso esse meu problema com a minha voz, vocês me desculpem mais uma vez, ainda estou um pouco fanho e, meio sem fôlego, com dificuldades de louvar/cantar – que era uma coisa que eu gostava muito, e queria ter podido ter feito mais ao vivo aqui, cantando, mas é que ainda tá duro; a hora do deserto é duro, e a gente tem que repetir essas paradas o tempo todo pra adquirir consciência da sua real função... (continua) Estou em real recuperação e recebendo pelo INSS por deferido e atestado direito trabalhista pra poder tornar esse espetáculo possível. Minha dificuldade respiratória, vide todo processo de ficar por quarenta dias sem colocar nada na boca decorrência do tratamento de um câncer no nariz, é história real do filho de deus que aqui vos fala. E a parte de eu ser Jesus é real sim, tô te dizendo, que como personagem afirmo que sou real também, e talvez vocês achem que eu seja mais um tipo de doido. Ou será que eu só tô fazendo teatro mesmo? Tô fazendo cena ou sou um doido que realmente acredita que é Jesus? (ri maliciosamente, na piada) Quem tem cu pra dizer que minha arte é menos importante do que Levíticos, por exemplo. Uma pequena quebra, entenda a estética do teatro como queiram. (pausa)

(senta na beirada do palco, ou mais próximo do público)

JESUS
Vocês podem achar tudo isso uma grande besteira, é tipo o papinho de Inri Cristo, eu sei, uma loucura considerada super anti-cristã ainda, até Chico é considerado anti-Cristão, sendo claramente um dos melhores exemplos de prática, não de blablação, de prática! Me desculpem os que ofendo na fé, vocês tem o total livre arbítrio dado pelo cara lá de cima pra sair da sala a hora que quiser se eu te ofender na sua crença. Mas lá no fundo, te juro pela minha madre morta atrás da porta – a minha já morreu -, além da base científica, que é como eu vou provar pra vocês ainda hoje o poder da fé e da influência do que queremos e desejamos no mundo físico quântico ser real, não é segredo nenhum, que eu preciso primeiro tratar sobre as coisas que estão entaladas bem lá no fundo (aponta o peito) do meu apertado e desesperado... cu. Ânus humano, se vocês preferirem, cientificamente falando. “OH, Jesus não falaria cu, ói os erro, ói os exagero”. Lá no fundo eu juro que eu venho falar de amor NO MATTER WHAT, porque a mensagem só pode ser essa, porra, caralho! Eu sei que é piegas e clichê, mas sim, amor ainda é a porra da resposta pro número 42 e pra todas as outras histórias e conflitos, por mais clichê que seja! É! Que parte que ficou difícil de entender os motivos reais quando eu fiz a dura decisão de morrer na cruz, gente? Pensem comigo! O momento que eu decidi não usar dos meus poderes híbridos pra descer triunfante e poderoso feito o Batman – porque eu podia! Eu podia ter falado “foda-se ceis tudo, vão tudo se fuder, seus pau no cu! Vou sair voando, seus porra de merda de burros do caralho!” E sair voando até com uma capa vermelha à lá Superman. Eu podia! Eu não consigo entender que parte que não ficou clara do meu projeto na Terra. Mas havia um ideal. E o ideal está muito confuso hoje em dia porque naquele tempo eu morri lutando contra os dogmas religiosos e da falsa moral que não existiu e nunca existirá! E parece que voltamos na mesma coisa! A gente nunca saiu da estaca zero! Teve a Idade Média, queimaram gente no meu nome, fizeram e fazem guerra no meu nome, escravizaram e escravizam no meu nome, muitos pelo medo do meu nome!, fizeram e fazem o mesmo que fizeram comigo, e muitos muitos muitos NO MEU NOME também, até hoje! Porra! Até hoje!

(vemos a imagem da artista trans que se performou crucificada na parada LGBT, Viviany Beleboni; Jesus se levanta ofegante)

JESUS
Clássica. Eu sou da era do início da internet. (mostrando Viviany) Eu, também. Sou eu. Somos muitos. Os indiferentes dizem que somos apenas gotas de água se entregando ao tapa na cara á toa. Afinal eles estão certos, dois mil e tantos anos e nada mudou. Mas o que seria o mar se não fosse cada gota d’água ali presente, não é mesmo? Mais referência roubada. (pausa) Por que será que será que colocaram ponto final no Apocalipse? Eu não me aguento nesse ponto. Deus se calou? Ou a gente só não quer mais ouvir o que ele tem pra falar?

(se acalma e vai caminhando até o centro, continuando a história; balançando o cigarrinho, com o isqueiro em outra mão)

JESUS
Amarraram o artista no post esses dias. Ceis viram? No post; veja como sou bom em fazer joguinhos com as palavras. (pausa) Foi. (vemos a imagem da performance 'La Bête' que foi apresentado no MAM-SP pelo artista Wagner Schwartz, com uma música grandiosa) Sim, eu estou levantando bandeira hashtag. Eu sou ativista de Facebook. Mudando um pouco o assunto, eu estava prestes a montar o monólogo “Os Malefícios do Tabaco” do Tchecov antes de decidir montar esse aqui, mas eu ia adaptar pra “Os Malefícios Da-Erva-Que-Não-Deve-Ser-Nomeada”. Essa mesmo. Será que me amarrariam no poste, ou no post também, se eu acender isso nesse local público ou privado com vocês de espectadores? Quem vai ser o bacana que vai ligar pra polícia primeiro? Hã? (faz o baseado um fantasma) UUUUUUH! É só um baseado, pô! (pausa; ele acende o cigarrinho; fuma e logo revela) Calma. É teatro, gente. É de mentira. Não é maconha de verdade. Vocês ficaram na dúvida, não é? Quem disparou o coração? Isso acontece, é real, tem gente que ainda nunca viu e tem o tabu que dá medão! Eu também tô com cagaço. Porque acontece também de que eu sou uma versão de Jesus só que um Jesus Zé Bunda mesmo, manja? Do tipo cagão. Não tô dando minha cara à tapa, não tô aceitando essa tentação... (misterioso) Diplomacia. Gritar quieto, consciente, mesmo que tudo esteja e seja uma loucura. (pausa) Quero o diálogo com vocês, e se eu acendesse um baseado aqui na frente de todo mundo nessa casa de apresentações e/ou sei lá, eu poderia ser muito confundido, incompreendido, exagerado, coisa de pós-moderno militante de Facebook. Desculpem repetir isso, é que fui acusado de ser isso esses dias e só posso dizer que “porra, eu acho que sou mesmo, ué, é um meio de comunicação de hoje, porra.” (pausa) É tabaco. Fiquem tranquilos. Tchecov também não falou nada sobre os malefício do tabaco na peça que ele escreveu, de nome “Os Malefícios do Tabaco”, então, era uma zoeira dele... Ceis teriam claramente notado no cheiro se fosse.

(inesperadamente ele retira de uma pedra um outro cigarrinho, e faz palhaçada)

JESUS
Agora esse! Bom, esse eu não posso prometer! Esse daqui já veio pronto. Natural. Quem acha que eu devo acender? Podem me dizer. Quem realmente acha que é de boa eu acender? (pode haver um improviso com as respostas) Eu não vou acender. Não agora. Praticar a diplomacia com o sistema ou não praticar a diplomacia com o sistema e apertar o foda-se essa porra toda, foi um grande dilema durante a criação desse espetáculo e isso me mata de vergonha. (ele quase chora de verdade) Essa falta de coragem. Isso está me corroendo por dentro. Eu deveria esbofetear igual! Entrar na luta, dar a porra do meu cu pra julgamento e consequências! E também tá sendo pesado olhar essa benção dos céus na mão e não poder acender essa merdinha proibidinha que não deve ser nomeada! Sou nóia mesmo, caraio! Hashtag apologia


CENA 2

(ELE vai até o púlpito com o microfone e veste um paletó)

ELE
(canta) Se tudo que existe é Teu
Dono do céu, da terra, do mar
Se a fé é crer no que é incrível
Te pergunto
Onde estás?

Se o mistério do tempo é infinito
E o homem não entende onde vai
Se a história do mundo é sem respostas
Te pergunto
Onde estás?

Onde está Deus?
Está nos olhos de quem sofre?
Está nos olhos de quem chora?
Está nos olhos de quem espera?
Onde está Deus?
Está nos olhos de quem nasce?
De quem ri e de quem ora?
Onde está Deus?

Se estamos condenados a ser livres
Que preço pagamos por viver?
Injustiça, solidão, guerras e fome
Te pergunto
Onde estás?

Por que, Deus? Por que, Deus?
Pra uns é "sim", pra uns é "sim"
Pra outros "não", pra outros "não"
Por que, Deus? Por que, Deus?
Somos o ódio, somos o ódio
E o amor, e o amor
Por que, Deus?
A mesma mão que dá carinho é a mesma mão que fere

Onde está Deus?
Onde está Deus?

Enquanto alguém faz nada da sua vida
E um outro está preso no poder
Quando muitos não encontram a saída
Te pergunto
Onde estás?

Por que, Deus? Por que, Deus?
Se és a luz, se és a luz
Se és o sol, se és o sol
Por que, Deus? Por que, Deus?
Se és a noite, se és a noite
Se és a dor, se és a dor
Por que, Deus?
És a calma no conflito
És a lágrima que rola

Eu pergunto
Onde está Deus?

Pra uns é "sim", pra uns é "sim"
Pra outros "não", pra outros "não"
Pra uns é "sim", pra uns é "sim"
Pra outros "não", pra outros "não"

(Música “Por quê, Deus?” – Chiquititas; ELE agradece no fim da música; lê alguma parte qualquer da Bíblia pra si mesmo em silêncio por alguns instantes; e depois vai olhar um livro Kardecista)

ELE
(meio pastor) Fé. Pode parecer que não combina com ciência, né? É uma loucura essas coisas do teatro pós-moderno, muito mal visto, vocês tentem entender o contexto e o medo e a raiva que eu sinto sendo Jesus e artista ao mesmo tempo. Vamos lembrar qual foi a única vez que se tem registro daquele eu - aquele conhecido, que virou filme com cabelos loiros e olhos claros, lembram? Aquele que estão esperando o retorno até hoje. Qual foi seu único momento explosivo de bravinho que ele teve na historinha toda que é contada? Quando foi? Contra quem foi? Não foi contra bandidos, e defitivamente não foi contra pessoas com sexualidades incompreendidas até então – a incompreensão tudo bem, mas não querer compreender as coisas, fica difícil, parceiro! Nem foi gritar no puteiro pra acabar com as putiáge, inclusive ele ficou do lado dessas, desse tipo, ele ficou do lado dessas mulheres, claramente! Eu me lembro, porra! Não foi contra as mulheres quererem se empoderar com suas vaginas livres que Jesus eu lutei contra, pelo contrário, eu estou pouco me lixando pra genitália alheia! – e eu falo vagina como numa aula de anatomia humana, tá, pessoal? Já que estamos falando de ciência também. E não estou tentando erotizar vocês jovens, menores, santos, ingênuos, que creem na cegonha, que são muito subestimados na inteligência, na hora que eu falo vagina ou buceta, eu sei. Meninos, um recado de uma amiga: google it. Pesquise também fora do pornô. Mais fora do pornô, inclusive, é a dica. Fora do pornô, é a mensagem. Enfim. E é engraçado que essa minha amiga, por também ser militante de Facebook, oras vejam, é muito chamada de puta porque fala abertamente sobra sexo e posta fotos de biquíni na laje da sua devida residência, e tem vários contatinhos no whats com vida sexual livre. (ele dramatiza) “Oh, céus sexo! Senhor! Salvem as nossas crianças! Puta! Síndrome de Chico Buarque! Hoje é bonito ser puta! Antes puta era puta! Assim que era o certo, que era o bão! Puta puta, mulher mulher! Amarra ela! Dá nota zero na pontuação dela! Boicota! Fecha o museu!” (silêncio) Como é que podem ter se esquecido que a gente que é cristão, tudo nóis - eu não porque eu sou o próprio, e rola esse lance, enfim - tudo nóis abraçou a puta junto com aquele Cristo, e ainda assim continuam tacando pedra e amarrando gente que quer ser livre em poste? “Ah, mas ele falou ‘vá e não peques mais’” Mas eu não disse ‘vá e não peques mais, mas se pecar tá fora, te odeio, te julgo, te condeno, agora sim já que persistiu no erro merece as pedradas! Taca pedra na puta que continuou sendo puta!’ Tá escrito que a prostituta parou exatamente de pecar? Tá escrito isso? Não, não está. Normalmente a história das mulheres ficaram sempre em segundo plano, há relatos de que Maria Madalena foi uma grande patrocinadora dos eventos e peregrinação de Jesus, e ele ainda nem negou um pequeno luxo quando ela lavou seus pés com seus cabelos e o encheu de perfume; eu merecia um prazer também e não o neguei; o problema nunca esteve no prazer; quem negou foram os idiotas que entenderam tudo errado a porra da mensagem; desculpem pela palavra, mas estamos em outros tempos, eu sou outro avatar, obviamente, e também vou morrer como todos os outros em nome de alguma ideia. Essa parte do prazer também definitivamente condenada, possivelmente e provavelmente ditada e criada por algum poderoso chefão dito ordenado de deus de seu tempo que não conseguiu compreender a sua própria sexualidade, ou era homossexual ou não conseguia lidar com seu desejo de machão, e fodeu com meio mundo na compreensão sexual básica, na naturalidade da coisa. Os prazeres da carne, os prazeres mundanos ficaram em primeiro plano das perseguições mesmo após a parábola das pedras “quem nunca que atire”, mesmo num mundo onde NINGUÉM, absolutamente ninguém, consegue exatamente se livrar das necessidades humanas básicas, coisas estúpidas que são naturais. Veem mais horror no amor que eu tanto tentei espalhar, do que no horror de ter criança nessas horas dormindo nas ruas de São Paulo. (pausa) Eu venho tomando tapas na cara como era previsto, e vocês também estão tomando, mesmo os que concordam com a minha teoria cristã e os que não concordam, mas acontece que dessa vez eu não tô conseguindo dar a outra face como propus naquele tempo. Faz tanto tomando na raba literalmente, morrendo nos postes e sendo apedrejados nos posts – ó o poeta - que a gente vai ficando calejado, mas dolorido nunca vai deixar de ser, a dor e o desespero até pioram. (pausa) Tá... é... simplesmente... como eu posso dizer?... qual é a palavra adequada?... (pausa) Tá foda. É isso. Tá FODA.

(ainda com a varinha de Harry Potter ele transforma uma pedra em um microscópio; fura o próprio dedo e se olha no objeto)


CENA 3

(ele retira as vestimentas de Jesus por completo, e exibe uma camiseta exatamente de cunho esquerdista/comunista/socialista (talvez uma camiseta do Che; coloca um óculos, bagunça o cabelo, e faz a linha maluco beleza de Raul Seixas, de quem pertence a música que é inspiração para A Pedra do Gênesis)

RAUL
(canta) “Eu prefiro ser...”. É. Eu prefiro. Metamorfético ambulante. (ele canta; ou dubla) "No fundo do oceano existe um baú
Que guarda o segredo almejado desde a aurora dos tempos
Por gênios, sábios, alquimistas e conquistadores
Eu conheci esse baú num estranho ritual reservado a poucos
Hoje eu posso enfim revelar que essa busca de séculos foi em vão"

A Pedra do Gênesis, a Pedra do Gênesis
Está bem aqui e agora, a Pedra do Gênesis
Você pode tocar

É a escada do seu velho sonho
Que vai dar sempre onde começou
É a chave do maior poder
Que não vale um chiclete
Que alguém mascou, mascou

A Pedra do Gênesis, a Pedra do Gênesis
Está bem aqui e agora, a Pedra do Gênesis
Você pode tocar

É a Pedra de cada dia
Que está no chão de qualquer lugar
Aonde o mendigo pisa
E o santo cospe quando passa nessa pedra

A Pedra do Gênesis, a Pedra do Gênesis
Está bem aqui e agora, a Pedra do Gênesis
Você pode tocar

É Deus traçando linhas tortas
É mais um que nasce e começa a morrer
Jogando jogo da velha, o jogo da guerra
Sem poder vencer, sem vencer

A Pedra do Gênesis, a Pedra do Gênesis
Está bem aqui e agora, a Pedra do Gênesis
Você pode tocar, a Pedra do Gênesis

(Raul se transforma no Preto Velho, fumando um charuto, com um chapéu e café)

PRETO VELHO
Funciona mais ou menos feito é um wi-fi, desses negócio novo, moderno, minino. Das tecnologia que funciona diferente. Igual nóis. Igual nóis, minino! Iahahahaha! Iahahahahaha! Cê passa a senha ou deixa a rede na linha socialista, na comunidade, minino, e aí cê se conecta nas divindades que estão tudo voando nos quatro canto. Éhhh, minino. Todas elas que tão aí voando acima das nossas cabeça, dos ceis bicho humano. Iahahahaha! Iahahahaha! Tamo na frequência, mano, issaê, brow! Só chamar. Na humildade e real fé.

(ELE volta do transe como se nada tivesse acontecido e arruma alguns papéis e um lápis)

ELE
Essa parte é mais jovem pós-moderno ainda gente. Eu tenho que escrever o que me vier à mente agora nesse momento. Tipo uma performance do aqui e agora. O que essa voz da minha cabeça tá me falando na real, se alguém quiser tentar brincar comigo também... Tá no roteiro. Se quiserem, tem papel e lápis aqui, podem pegar (ele distribui se necessário) Um segundo só. Serei breve.

(veste uma boina, senta-se na clássica posição de Chico Xavier; agora deve existir um jogo, o ator deve escrever o que lhe vier na mente no momento realmente, “performaticamente”; qualquer coisa; mensagem divina ou não, quem sabe? ELE pode ler o que escreveu depois ou não)

ELE
2019. Eu tenho um médio credo nisso. O homem era sensacional. O avatar de Chico. (pausa) Desculpe. Sobre o que falávamos mesmo? Sobre importância das coisas. Sobre em quê realmente dar foco na vida e não naquela mediocridade de fiscal de cu alheio pra sempre. Tem coisa mais interessante pra se perder tempo, pra passar o tempo se preocupando sobre. E é isso que vim fazer aqui hoje. Lhes mostrar algo pra se interessarem de verdade e, como eu havia dito, eu tenho como provar cientificamente que a fé move montanhas, milagres são possíveis. E é tudo muito louco, bicho! Ceis não tão ligado, calma aê. Segura! Eu acho que eu estou vivo aqui falando com vocês hoje graças à energia que as pessoas filtraram no nome de seus deuses. E essa é a real, porque eu tomei um tiro, eu quase morri. Eu não acredito em deus. Mas eu acredito que eu sou Jesus agora em personagem de carne e osso e acredito que você pode mudar a sua realidade física ao seu redor! Tchan! Teatro de autoajuda! Oh yeah, brow, hi-fi! No! Não é teatro de autoajuda. Você vai ficar mais biruta ainda.

(ele prepara algumas plaquetas ilustrativas; e acende um cigarro elétrico)

ELE
A experiência das fendas. Não sei se alguém aqui já ouviu falar, mas se você já ouviu, e compreendeu, e consegue conviver em paz com essa maluquice você está de parabéns, você, ói, guerreiro! Parabéns. Porque eu vivo em choque desde que descobri, quando papi e espírito santo me contaram na infância, desde então, eu sou meio louco. (inicia uma palestra) A teoria das fendas começou com o seguinte: Em meados do século 18, o físico, médico e egiptólogo britânico Thomas Young conseguiu refutar umas das afirmações de Isaac Newton: a de que a Luz era composta por “corpúsculos”, unidades quantificadas – o que hoje se chamaria de partículas subatômicas. Para fazer isso ele realizou um experimento muito simples: usando uma grande caixa fechada, ele inseriu um visor e duas pequenas fendas por onde a luz do sol deveria entrar. Ao olhar pelo visor ele observaria a luz projetada do outro lado da caixa, refletida na parede interna oposta. Eu vou ilustrar aqui, porque eu não sou um cientista, sou um artista que acredita ser Jesus, vou ilustrar com canetinhas. Os pontinhos das canetinhas que eu vou fazer são as bolinhas de átomos, ok? Aí essa plaqueta que eu vou colocar aqui atrás (coloca uma plaqueta lisa no fundo) e essa plaqueta que eu vou colocar na frente dela. (coloca outra plaqueta a frente da primeira, só que essa com duas fendas abertas no centro, no formato de = só que na vertical). Aqui na frente eu estaria com uma máquina que jogaria esses feixes de luz que iria passar pela fenda e deixar sua sombra e marca de existência na plaqueta de trás. Mas teremos que usar da imaginação. Existem duas possibilidades de como a luz poderia passar pelas fendas: o elétron é composto ou como Isaac Newton afirmava: como bolinhas de luz sendo atiradas em partículas, que deixaria aqui na plaqueta atrás o formato de duas fendas, assim como ela o é no painel. (com pontinhos feitos com a canetinha ele faz duas fendas no painel de trás, na exata sombra do painel da frente). Assim. Deu pra manjar? (pausa; ele vira o painel e mostra uma imagem com vários pontinhos formando várias fendas, duplas que vão se apagando na borda) Ou então ela possivelmente atravessaria as fendas como ondas, fazendo ondulações que se anulam e se multiplicam, aqui no meio quando se chocam. Como quando a gente joga uma pedra em um lago e ela forma várias ondinhas por bater uma na outra, manja? No caso do formato em onda forma-se então aqui na plaqueta do fundo várias marcas de fendas que vão diminuindo na sua intensidade à medida que ela se afasta do ponto inicial, que é as duas saídas na plaqueta aqui da frente. Conseguiram entender? (vira as duas opções) Ou duas fendas de luz somente, agindo como bolinhas, ou agindo como ondas, formando várias fendas aqui atrás. Havia essas duas teorias se conflitando. O que vocês acham que acontece? O que aconteceu no experimento?

(ELE faz uma votação rápida da resposta com a plateia)

ELE
Duas fendas. Isaac Newton estava certo, caralho! Óbvio que sim. Quem aí duvidou do grande Isaac, porra? Aplausos para o grande Isaac! A física funciona como funciona, oras! Se é isso que se espera que aconteça, é isso que acontece! (pausa; misterioso) Mas espere só um pouco. Não é essa a maluquice descoberta pela ciência que eu tô falando, essa não é a grande parte da história, gente! Segura a bunda nessa cadeira que agora a coisa vai ficar muito mais doida ainda! O fervo também é luta! Às vezes eu sou avulso, desculpe. A grande maluquice que acontece é que as coisas ficam um pouco diferentes se não há ninguém observando. É isso mesmo que você ouviu. Se não houver nenhum ser humano olhando, NENHUM SER HUMANO COMO OBSERVADOR, pra poder contestar e visualizar e participar do acontecimento da luz vindo daqui ali, essas partículas safadinhas de luz agem de forma diferente! Eu tô falando sério. É a física quântica, com certeza ceis já devem ter ouvido falar e parabéns que cê consegue viver a sua vida normalmente depois desse choque de maluquice cósmica, que abre espaço pra diversas explicações e outras bilhões de perguntas, filhos da puta. Escutem essa porra de novo: Quando não há um observador, quando não há um ser que conteste a forma como a luz deveria agir, ela age do jeito que ela quiser, meus queridos! Mas quando há alguém há a influência do que o observador espera que aconteça. (alucinado) Mano! MANO! Ceis tão ligado nessa doideira? É real, eu tô dizendo, corram atrás da ciência que pode até talvez explicar muito do que a gente ainda considera sobrenatural, porra, e que considera coisa só de ficção, pros mais céticos que acreditam que a ciência termina na mente humana e que todo mundo tá muito louco, o sentimento que algumas pessoas afirmam sentir em seus cultos com seus deuses não dá pra ser simplesmente explicado e afirmado com cem por cento de certeza como alucinação. Eu fingi o Preto Velho, é teatro, mas as pessoas se conectam com essas divindades, como eu estou conectado agora. Sentem a sensação, eu tô tremendo desde a hora que a gente começou. É uma doideira! Deus tá mandando essa mensagem na real pra vocês aqui através de mim. Eu tô falando! Não é à toa que cê veio aqui hoje. Quem é alguém na fila do pão pra dizer que não?

(silêncio; ELE está sem fôlego de tanta empolgação; ELE vai até o púlpito)

ELE
É com esse tipo de coisa que a gente devia estar se questionando em dois mil e dezessete e não a sexualidade de alguém. Isso é tão... tão anos dois mil... e me ofende... ofende Jesus Cristo que morreu em nome da compreensão das coisas, e da compreensão do outro, e da compreensão de onde está deus e com quem ele tem andado! (ele levanta mais uma vez a Pedra do Gênesis) Há pouco teve aquele negócio da aprovação do ensino religioso nas escolas, se a escola decidir, de uma religião específica só, mesmo pra quem tiver uma religião diferente, por exemplo. Levanto bandeira! Hashtag sou contra. E vamo aqui lembrar de novo que há dois mil e dezessete anos atrás, nós já viémos e já morremos exatamente por bater de frente com esses dogmas, com essas tradições infundadas. Fomos pregados na cruz por bater de frente contra a imposição exatamente de dogmas religiosos. E outro acontecimento que me deixou absurdado, foi aquele recente negócio dos psicólogos que querem ter o direito científico de fazer a tal da reversão sexual, das pessoas que a ainda buscam e acreditam que podem ser curados de uma coisa que a própria confederação científica que justamente estuda a mente e o comportamento humano, já entrou em unanimidade na questão de que NÃO, NÃO EXISTE A REVERSÃO SEXUAL. Uma pessoa pode até conseguir se privar de ser o que é, mas não existe essa magia divina. Não é o segredo da vida. Quando eu falo que “nóis já viémo”, uso o “Nóis, a gente”, eu quero dizer de “nós todos” mesmo, eu e você filho de deus também, que pode estar do lado certo ou do errado, e que já morremos uma porrada de vezes durante anos e séculos, sobre esse mesmo assunto. E isso tudo, esse retrocesso que vem acontecendo, faz com que esses mártires, nós, um ou outro, ali ou aqui que morremos e fomos violados e espancados, escravizados, nós!, dilacerados fisicamente e psicologicamente, e crucificados, e escancalhados, estripados, tenhamos a nossa morte desperdiçada nesse tempo e espaço que... eu... tenho o... prazer... de... dividir com você. Já é hora de a gente aprender que não devemos palpitar sobre a genitália alheia, galera. Foca na maluquice que a ciência nos proporciona! É isso. Você, que tá sofrendo porque é gay e cristão. O que você realmente acha que Jesus te diria se sua preocupação da vida fosse quem você vai amar? Não precisa responder. Bandeira LGBT grita; o fervo também é luta! Eu ando com você dessa vez, meu amor. Pode crer nisso. Ando com você onde você estiver. Essa é a mensagem de deus.

(Ele finaliza o espetáculo ao som de algum batidão, fazendo um strip-tease, dançando comicamente, mas também num sensual real. Ele termina com uma cueca com um pênis desenhado ou escrito a palavra PÊNIS)

ELE
É a minha covardia. Eu podia estar nu, por que não podia? Gratuito qualquer coisa é, qualquer trabalho, vide imensidão do universo, qualquer coisa, trabalho qualquer serve de nada, tudo é gratuito. (silêncio) Diplomacia machuca e tem limites também, mas... é que... agora eu... (silêncio) Obrigado.


FIM








A PEDRA DO GÊNESIS: POR ONDE E COM QUEM ANDAS, JESUS? (Versão 2)



A PEDRA DO GÊNESIS:
POR ONDE E COM QUEM ANDAS, JESUS? (versão 2)

Texto e montagem de Gabriel Tonin



MONÓLOGO de QUATRO ATOS

CENÁRIO: Um deserto com pedras.

ATO I

(enquanto a plateia entra, uma música ambientaliza um tipo de saga, grande aventura; no telão vemos imagens rápidas de Jesus, o mesmo artista que faz o personagem ELE, em cenas icônicas da história de Jesus como se é conhecida; logo após o terceiro sinal e alguma mudança na luz, ELE entra vestido ainda como o clássico Jesus, com o capuz escondendo boa parte do seu rosto, e tentando não ser reconhecido ao máximo; há o encontro do demônio com Jesus no deserto em vídeo, mesclando com a cena no palco; ELE, diferente do que conta a história, dessa vez realmente transforma uma das pedras em um sonho de padaria bem bonito e suculento e também transforma a água de um copo em vinho; ele se senta em uma poltrona confortável que antes era uma pedra, e se sacia)

ELE
CVC. (pausa; canta) “Chegueeeei, tô preparada pra atacar”. (ri) Agora começa a parte que é ficção, tá bom? E também a liberdade poética e de crença pessoal e intransferível que todo mundo aqui dentro tem por direito. Desde que não interfira na liberdade do outro, óbvio. (pausa) Eu prometo não fugir do tema proposto, tenham paciência. Ciência, é isso, né? Prometo não fazer como Tchecov – olha lá uma referência bonita, gente! – e não falar absolutamente nada sobre os malefícios do tabaco numa peça de nome “Os Malefícios do Tabaco”. É que tá tudo englobado, e é tudo muito complicado, e Tchecov não tem nada a ver, foi um devaneio pra criar certa credibilidade acadêmica, confesso. (pausa; inicia o teatro) Exatamente há cada trinta e três anos, um ser humano híbrido das estrelas, da criação e do criador, vindo de naves interestelares, gerado por inseminação artificial, costumamente em jovens virgens – vale ressaltar que essa regra tem sido extinta já há algum tempo, vide a discussão sobre misoginia, e evolução, estamos em novos tempos, graças às deusas – esse avatar dos deuses vem ao nosso mundo para ser mártir e trazer alguma influência híbrida ao mundo! Nesse meio tempo, com base no livre arbítrio que também lhe é concedido, tanto para o bem como para o mal, esse ser humano divino e geneticamente um tanto mais evoluído tem sido parte da história de cada geração específica, hora sendo mártir, hora sendo monstro. Eu nasci em 1987. Tenho três anos ainda pra escolher pelo que que eu vou morrer. O que é que tá importando nesse momento. Eu também sou uma reencarnação de Jesus, como é Buda, como é a moça transexual da peça que foi censurada agora a pouco – não sei se vocês viram. - , trago uma mensagem, fiz Jesus na Paixão de Cristo, como vocês puderam ver. Por alguns anos. Depois fiz o capeta tbm. Sou eu me interpretando há dois mil e dezessete anos depois. Vocês podem achar tudo besteira, é tipo o papinho de Inri Cristo, mas no fundo tem uma base científica. Garanto, mas não posso provar. Fé. Não é isso? É uma loucura essas coisas de teatro moderno, vocês tentem entender o contexto e o medo e a raiva do artista aqui presente. Eu venho tomando tapas na cara como era previsto, mas eu não tô conseguindo não revidar...

(alguém o chama pra comentar algo em seu ouvido)

ELE
O quê? (ouve de novo) É pra eu tomar mais cuidado? É isso? (ouve mais) Há muita gente conservadora aqui, é isso? Entendi. (pausa) Amigos, o tapa na cara inicial não fui eu quem dei. E quem disse pra dar o outro tapa foi aquele de dois mil anos atrás. Tacaram gente na fogueira, e ainda tacam! E eu então dessa vez transformei a pedra em pão. Eu caí em tentação. Eu rebato o tapa. Eu sou da paz, mas eu luto por ela, com dente também. E talvez seja por isso que eu vou dedicar a minha tão estimada morte. Eu vou morrer lutando pelo ideal que acredito. (ele mostra uma camiseta do Che Guevara) “Jovens”, dirão. Pra mim eu tô vestindo a camiseta mais cristã possível dos últimos tempos. É o que posso dizer. Os incomodados que se retirem. É o personagem ditado Jesus sendo esquerdista e socialista, como sempre foi. “Oh, céus, heresia! Estão usando o nome dele em vão e dizendo que é arte com a Lei Rouanet!” Quem me dera a lei Rounet. (pausa) Querem mais citação? Querem referência pra dar credibilidade? Tenho uma. “O fervo também é luta”. McQueer, 2016, um Mc funkeiro e gay.

(ele é enfim crucificado; enquanto a cena acontece vemos imagens de homofobia no telão; há um microfone na cruz)

ELE
Eli eli lama sabactani!

(uma música começa, o playback original com backing vocals; um tanto brega, mas não caçoando, sendo brega propositalmente)

ELE
(canta) Se tudo que existe é Teu
Dono do céu, da terra, do mar
Se a fé é crer no que é incrível
Te pergunto
Onde estás?

Se o mistério do tempo é infinito
E o homem não entende onde vai
Se a história do mundo é sem respostas
Te pergunto
Onde estás?

Onde está Deus?
Está nos olhos de quem sofre?
Está nos olhos de quem chora?
Está nos olhos de quem espera?
Onde está Deus?
Está nos olhos de quem nasce?
De quem ri e de quem ora?
Onde está Deus?

Se estamos condenados a ser livres
Que preço pagamos por viver?
Injustiça, solidão, guerras e fome
Te pergunto
Onde estás?

(por baixo do capuz Ele revela uma tromba de elefante)

Por que, Deus? Por que, Deus?
Pra uns é "sim", pra uns é "sim"
Pra outros "não", pra outros "não"
Por que, Deus? Por que, Deus?
Somos o ódio, somos o ódio
E o amor, e o amor
Por que, Deus?
A mesma mão que dá carinho é a mesma mão que fere

Onde está Deus?
Onde está Deus?

Enquanto alguém faz nada da sua vida
E um outro está preso no poder
Quando muitos não encontram a saída
Te pergunto
Onde estás?

Por que, Deus? Por que, Deus?
Se és a luz, se és a luz
Se és o sol, se és o sol
Por que, Deus? Por que, Deus?
Se és a noite, se és a noite
Se és a dor, se és a dor
Por que, Deus?
És a calma no conflito
És a lágrima que rola

Eu pergunto
Onde está Deus?

Pra uns é "sim", pra uns é "sim"
Pra outros "não", pra outros "não"
Pra uns é "sim", pra uns é "sim"
Pra outros "não", pra outros "não"”

(música "Por que, deus?" - Chiquititas; ele sai da cruz com seu poder sobrenatural)

ELE
“I will not be subjected to a criminal abuse”, “Eu não me submeterei a abusos criminosos”, "Yo no me sometió a abusos criminales", "Je ne me soumettrai pas à des abus criminels". (pausa) Citação: “Cloud Atlas” ou “Atlas de Nuvens” de David Mitchell. Há um livro e uma adaptação ao cinema traduzida como “A Viagem”. Tem na Netflix. Enfim. (pausa) Começamos com religião, óbvio, foi assim que a ciência começou, buscando a verdade sobre deus e como tudo funciona. Podemos começar a parte científica agora.

FIM DO PRIMEIRO ATO.


ATO II

(Ele se transforma no clássico Preto Velho, com um chapéu, uma xícara de café, uma pinga; ele fuma e bebe)

"No fundo do oceano existe um baú
Que guarda o segredo almejado desde a aurora dos tempos
Por gênios, sábios, alquimistas e conquistadores
Eu conheci esse baú num estranho ritual reservado a poucos
Hoje eu posso enfim revelar que essa busca de séculos foi em vão"

A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
Não é o segredo da vida
A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
É segredo nenhum.

É a escada do seu velho sonho
Que vai dar sempre onde começou
É a chave do maior poder
Que não vale um chiclete
Que alguém mascou, mascou”

“A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
Não é o segredo da vida
A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
É segredo nenhum.

É a Pedra de cada dia
Que está no chão de qualquer lugar
Onde o mendigo pisa
E o santo cospe quando passar
Essa pedra”

A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
Não é o segredo da vida
A pedra do Gênesis
A pedra do Gênesis
É segredo nenhum.

É Deus traçando linhas tortas
É mais um que nasce e começa a morrer
Jogando jogo da velha, o jogo da guerra
Sem poder vencer, sem vencer”

(música “A Pedra do Gênesis” – Raul Seixas; calmamente ele se senta na poltrona e conversa com a plateia)

ELE
Eu estava há pouco menos de um mês, criando esse espetáculo numa madrugada depois de um dia de irritação sobre coisas que aconteceram naquelas semanas e naqueles dias - típico de mim. Eu estava de acordo com um outro texto teatral que já estava pré-estabelecido o formato e o que abordaria, de mesmo nome, com o mesmo tema, mas a diferença estava na abordagaem aquele assunto; havia todo um grupo que estava envolvido e que foi desmanchado, porque muitos não concordaram com o novo formato proposto; cada um com sua ideia e preferência estética. A questão é que eles não queriam participar da baixaria anti-cristã que irá acontecer aqui hoje – desculpe, anti-cristão não, não anti o real Cristo, à favor dele na verdade; anti-falso-cristão que eu digo; é isso. (pausa) Aquele fatídico e maldito dia ordinário, quando rolou notícias absurdas e desfundadas e descontextualizadas e pré conceituadas e inventadas e deturpadas, compartilhada por amigos próximos, e por amigos artistas também, que também querem ter o direito de se expressar por aí! Porra! Tive até que mandar uma mensagem quase meia noite pra minha psicóloga. E o negócio é que foi o seguinte! Eu, depois de muito esculhambar com a família tradicional brasileira nos meus textos - porque isso aqui é dramaturgia - , os valores cristãos pra merda, com deus, com cena de personagem mijando na bíblia, com peças de teatro com cruz enfiada no rabo mesmo, muuuuita masturbação gratuita só pra gozar mesmo, sabe? Aí dessa vez eu tinha decidido que iria pegar na mão do público cristão, sem ofendê-los, sem ser pesado, sem dar tapa na cara – inclusive chamei um músico cristão pra tocar no espetáculo, exatamente pra segurar minhas rédeas. Eu juro, eu juro por mais que tudo nessa vida, que eu ia tentar dessa vez ser bem diplomático, era essa a ideia inicial. Fazer uma peça tanto para religiosos fervorosos, como para gente voltada mais para a ciência, para ateus, satânistas, o que seja. Eu trouxe até o texto aqui, a primeira versão, a primeira ideia.

(Ele pega algumas folhas)

ELE
(lê) A PEDRA DO GÊNESIS: POR ONDE E COM QUEM ANDAS, JESUS? VERSÃO 1, De Gabriel Tonin. Vou ler o trecho final pra vocês, ouçam a pieguice mais ordinária desse mundo.

“A total intenção desse espetáculo era levar a real mensagem de Jesus. Eu, como artista, sempre fui muito subversivo nesse assunto. Dessa vez eu quis ser um pouco mais... diplomático. Foi a única forma que encontrei. Única regra: amor ao próximo. Você pode até pensar que a Terra é plana se quiser. Você tem total livre arbítrio pra escolher entre o bem e o mal, de ser de esquerda ou de direita, de concordar e discordar do que quiser. Total liberdade de discordar do Jesus que a gente apresentou aqui. Mas se você acredita naquele Jesus da história cristã, então não tem como discordar do que foi que ele realmente falou, se foi do jeito que contam. “Amai o próximo como a si mesmo”. Porque você é o próximo desse outro aí que tá sentado do seu lado. (pausa)”Pausa. É só isso. Fim”

(silêncio)

ELE
Olha que fofinho esse garoto! Mas... naquele maldito, poucas semanas depois do cancelamento da exposição "Queer Museu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", em Porto Alegre, devido a acusações de zoofilia e inadequação moral, outra obra de arte teve suas motivações rechaçadas publicamente. A performance "La Bête" ("O Bicho"), do artista Wagner Schwartz, que integra a mostra 35º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo, apresentado ao público em evento de abertura fechado na última terça-feira, foi acusado de incitar a pedofilia, onde a mãe de uma criança mesmo sabendo que havia nudez havia levado a criança pra experenciar a performance; CRIANÇA É INCENTIVADA A TOCAR UM HOMEM NU EM EXPOSIÇÃO ARTÍSTICA, gritou aquele partideco de molecada, e tudo que a criança fez, com a participação da mãe, foi tocar no pé do ator. Naquele exato dia, pouco menos de um mês, acontecendo tudo que tava acontecendo sobre gente palpitando na arte sem fundamento nenhum e com muita mentira e com muito medo cristão sobre a nossa sexualidade, e gente amada, e gente querida. E foi que eu passei a me sentir um covarde, tomei dois rivotril. Um covarde por tentar a... diplomacia. Agora? Diplomacia justo agora? Eu não podia fazer isso justo agora, justo agora que essa luta mais precisava do meu descaramento cênico - que eu sei que eu tenho! – e eu sei que eu posso dar um tapão na cara! E eu não tenho medo das consequências! Não tenho medo! Arco! Arco! Arco-íris! “Olha como eu sou fofinho com as palavras”. Era um trecho da primeira versão da peça. Eis que foi uma loucura. O dia de hoje estava chegando e tudo estava pré programado, tudo caminhando, eu tinha acabado de finalizar o texto fofinho que passava a mão na cabeça do cristão pra tentar levar uma mensagem de Jesus Jesus e não daquele falso cristianismo, mas eu não queria ser o covarde diplomático bem agora, bem nesse momento. Avisei a organização aqui do evento que seria um espetáculo tranquilo, sem “baixaria” – entre aspas – que eu estava na intensão real de só contar o que foi realmente que Jesus tinha vindo fazer na Terra. E resumindo, o músico fazia um tipo de personagem, e ele era um cara gay que estava sofrendo por ser gay, e Jesus iria contracenar com esse personagem com o que eu penso sobre o que Jesus falaria pra uma confissão sobre homossexualidade. Que amor ao próximo é a única regra. Eis que tudo mudou. Eu prometo não enfiar crucifixo no rabo e nem mijar em bíblia, mas não irei conseguir segurar a temerosa promiscuidade – QUE TODOS PRATICAM – mas que noventa por cento tem medo de falar e de tocar nesse assunto, medo de que nossas crianças tenham consciência do que é e pra que serve o sexo desde sempre pra acabar com a porra do Tabu; de ver um corpo nu, ou de ver uma transexual interpretando uma reencarnação de Jesus numa peça em São Paulo que acredito que ainda está em cartaz e está sofrendo perseguição horrores. “O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, dirigido por Natalia Mallo e interpretada pela atriz Renata Carvalho. É mais fácil a mentira. A cegonha. Papai Noel. Deus cruel. (pausa) Eu fiquei com medo sim de dizerem que eu estaria aproveitando o embalo da polêmica, mas o viés político dessa merda toda tem muito mais peso pra mim! E acreditem em minhas palavras ou não! Estamos falando sobre liberdade! Sobre o corpo desnudo! (ele começa a tirar a roupa de Jesus, e revela um jovem moderno; o cachimbo se transforma num cigarro elétrico) Eu não vou ficar nu. Não agora. (pausa) A menina que engravida com doze anos de idade foi aquela que não teve informação! E não o oposto, porra! Agir com naturalidade sobre o que é natural, é o mínimo. E isso desde que nasce. A gente inventa esse medo todo, do proibido, e é por isso que depois acontece merda! Não há pedofilia e estupro na cultura indígena e eles vivem com os bilau e com as buceta pra fora, caralho, cu, mamilos sensuais!

(alguém combinado vem falar algo em seu ouvido)

ELE
Tá bom. Desculpa. (pausa) Porra! Ceis não tem noção da raiva que eu passei naquela madrugada escrevendo esse caralho desse roteiro de palestra misturado com teatro. Eu tô magro assim porque eu acabei de voltar dos quarenta dias no deserto com uma excursão da CVC; todos nós Jesuses temos que passar por essa provação. Enfim. (pausa) Vamos continuar.

(Ele sai e volta com um manequim vestido; ele faz um strip-tease no boneco com muita sensualidade e música; o manequim, por fim, revela ter um pênis)

ELE
Um corpo galera. Anatomia humana. Nós vamos discutir anatomia humana básica, pra misturar a ciência com a ideia de Jesus, e não há do que ter medo. Rapazes, todos vocês possuem um parecido com esse. Alguns maiores outros menores. Tamanho não é documento, não se preocupem com tamanho, é sério, eu tenho experiência. Eu sou um tipo de Jesus bissexual, e não fui o primeiro. Tá meio friozinho assim, por isso que... mas é mediano! Mediano, na média! E Jesus tinha pinto, não tinha? Ou não tinha? Tinha! Tinha pinto. Homem de pinto, tem bunda. As meninas muitas verão um desses um dia e as que não se interessarem - eu até sugiro mesmo, porque homem é realmente muito babaca, e hoje em dia tem compensado pra vocês procurarem por amores em outras mulheres. Tô falando sério e isso é só uma opinião minha, falo pra todas as minhas amigas. O homem nada mais é do que um pedaço de carne em volta do pinto. Vejam. Olha o misândrico que tem pinto!

(Ele tira o pênis e agora o manequim possui uma vagina bem desenhada)

ELE
Desculpe-me o desabafo artístico, eu precisava me livrar dessas roupas. É exatamente isso! Egoísta mesmo. Era coisa comigo, essa libertação, uma libertação, um direito pelo jeito de como eu vim ao mundo. O mesmo direito que qualquer um aqui tem de se levantar da sala e sair. De onde vem o medo do sexo? Eva mordeu a maçã? “Oh, maldita Eva, por que fizestes isso?”, “É que era uma maçã tão prazerosa! Nenhum de vocês resistiriam, acreditem!” (pausa) Deu pra perceber que aqui é onde está a minha covardia perante vocês, né? Podem falar. Era eu quem devia ficar pelado na verdade. Mas eu pensei melhor e achei melhor... é... encontrar outros caminhos.

(Ele engasga de vergonha; quase chora, mas se contém, ele ri)

ELE
Veja que tudo isso fez eu até perder um trabalho esses dias. Eu estava participando como convidado de um espetáculo cheio de adolescentes e crianças. Um espetáculo de fim de curso desses cursos particulares, manja? Que honra! Eu tinha sido convidado pra ser o protagonista, veja que honra! Eu, preocupado com os acontecimentos que se seguiram durante esses dias, fui conversar no whatsapp com a diretora do espetáculo sobre a gente não arrumar problema em colocar um ator de trinta anos, no caso eu, fazendo par romântico com uma menina de catorze anos – porque na peça tinha um quase beijo, mas não tinha nada demais exatamente, mas era o medo das coisas que estavam acontecendo. Olha que bom moço, eu. Preocupado com os acontecimentos, preocupado com as crianças, os pais, a recepção disso. (pausa) A cagada: ao invés de mandar direto pra diretora enviei no grupo de pais, mães e alunos, e obviamente abri uma discussão que ninguém nem tinha passado pela cabeça até então. Por fim, perdi o job. Sério. Perdi. Eles não quiseram atrapalhar meu “trampo de ativista”, disseram.

(Ele, num segundo de tristeza, beija o manequim carinhosamente; ainda beijando ele recoloca o pênis no boneco)



ATO III

(o assunto principal)

ELE
Com tanta coisa pra gente se preocupar a gente ainda tá desesperado com o nosso sexo. (pausa) O segredo é procurar as respostas nas arestas. Eu tô por aí na borda. E eu sou só mais um. Às vezes acontece até uma fama, como aconteceu daquela reencarnação que ficou mais famosa. Virou livro, até fizeram adaptação pro cinema algumas vezes. Sim, eu estou falando que eu ainda sou um tipo de Jesus. Porque eu serei o mártir de alguma coisa, eu sinto isso; vocês vão ver. Mas teve momentos que eu só vim como um carpinteiro do universo comum mesmo que nasceu e morreu na mesma cidade comum, que teve uma vida comum e ordinária e que morreu. Ou que gravou um CD, escreveu um livro, criou uma teoria. Galileu foi um tipo de Jesus. E aí é que fica a mensagem final. A morte. É a morte o que mais conta. Em nome do que você morre, daquilo que você defendeu em vida, quem você era, isso é o que realmente importa quando você morre.

(Ele mais uma vez muda de estilo; um jovem hippie surge; enquanto fala bola algo que parece ser um baseado)

ELE
E você sou eu, e eu sou você! E todos somos uma coisa só! E às vezes a gente faz esse morfamento fisicamente mesmo! A gente se atraca! Se entrelaça! Se enfia um dentro do outro! A gente quer entrar no outro! Porque a gente é o outro! Todo ser vivo quer se roçar, garoto! De uma simples bactéria, à baleias e à cavalos marinhos – e cavalos marinhos é o macho quem gera os filhotes, porra! Me desculpe. Me desculpe se eu ofendi alguém. É que... eu fico... eu fico tão empolgado em contar pra todo mundo o quanto podia ser mais fácil, mais descomplicado... (pausa) Eu acho que a gente nem precisa se colocar no lugar do outro, porque... quem tá ligado nesse bagulho louco todo sabe! Sabe que a gente É o outro. Você... você precisa se acalmar... Acalma a alma. Olha como eu faço bonito o jogo com as palavras. Diz que é poeta, a bicha. (ri bobo; ele acende o cigarrinho) Por quê esse bagulho choca mais que os dois outros tipos de fumos existentes? Não é maconha não. É minha covardia expressa mais uma vez. Devia de ser! Por que não? Mas não é não. Pode ver! É fumo “normal”. Mas e se fosse maconha? Devia de ser. Mas eu sou um covardão. Ano passado eu fiz uma cena fumando um baseado. Acharam desnecessário. O que é necessário e desnecessário no diálogo e na expressão? (Ele retira um baseado real do bolso) Coragem, porra! (Ele quase acende, mas desiste)

(música de transição; ELE apaga o baseado, fura o próprio dedo com um alfinete, coloca uma gota num microscópio que antes era uma pedra; e olha)

ELE
Ordinário. Pequeno nos versos. No meio das cordas, das ondas sonoras e das ondas de luz! Enxerga? Consegue ver? Não tem fim tanto pro micro, quanto para o macro, e ainda chega uma hora que eles se encontram nas milhares e milhares de bolas que giram no seu corpo e que giram lá em cima. E que giram na luz, no som, e na sua verdadeira cor, como um arco-íris, esse negócio consciente dentro de você. Vai ser clichê, mas foda-se...

ATO IV

(Ele inicia uma palestra)

ELE
Eu vou falar uma coisa que vai te deixar com um cagaço de verdade. Algo pra se preocupar de verdade, algo que importa. Não uma resposta, mais um tipo de pergunta. E algo que merece totalmente nosso foco. Uma coisa real pra gente se preocupar e perder tempo pensando do que essa bobeira que tá enfiada na nossa cabeça. Olha que idiota isso tudo vai parecer visto o que a gente devia estar mesmo preocupado e focado em entender. Não erva proibida ou sexualidade alheia! Ou liberdade de expressão artística! (pausa) O Experimento das Fendas!

(ele sai e volta com uma pequena máquina esquisita e dois painéis, um dos painéis possui duas fendas)

ELE
Nós não vamos criar nenhum Frankenstein nem viajar através do tempo com esse experimento, mas vocês vão descobrir uma coisa muito louca sobre a nossa vida. Em meados do século 18, o físico, médico e egiptólogo britânico Thomas Young conseguiu refutar umas das afirmações de Isaac Newton: a de que a Luz era composta por “corpúsculos”, unidades quantificadas – o que hoje se chamaria de partículas subatômicas. Para fazer isso ele realizou um experimento muito simples: usando uma grande caixa fechada, ele inseriu um  visor e duas pequenas fendas por onde a luz do sol deveria entrar. Ao olhar pelo visor ele observaria a luz projetada do outro lado da caixa, refletida na parede interna oposta. Como estamos no século XXI essa minha máquina é uma máquina que envia partículas de luz para onde a direcionarmos, no caso, através dessas duas fendas. (pausa) Existem duas possibilidades de como a luz poderia passar pelas fendas: o elétron é composto ou como Isaac Newton afirmava: como bolinhas de luz sendo atiradas em partículas, que deixaria aqui nessa parede ao fundo o formato de duas fendas, assim como ela o é no painel. Ou ela atravessaria as fendas como ondas, fazendo ondulações que se anulam e se multiplicam, como quando a gente joga uma pedra em um lago e ela forma várias ondinhas por bater uma na outra; formando então aqui na parede do fundo várias marcas de fendas diminuindo na sua intensidade à medida que ela se afasta do ponto inicial. Conseguiram entender? Ou duas fendas de luz somente, agindo como bolinhas - pra exemplificar - , ou agindo como ondas, formando várias fendas aqui atrás. O que vocês acham que aconteceria? (Ele faz uma votação rápida da resposta com a plateia) Bom, nós vamos usar essa lâmpada fluorescente pra ver o resultado.

(Ele coloca um óculos e liga a máquina com bastante suspense; a máquina faz um barulho estrondoso e solta um pequeno flash de luz entre as fendas)

ELE
Agora vamos ver.

(Ele vai até o segundo painel e acende uma lanterna fluorescente; ve-se apenas duas fendas marcadas, “sombra” do raio de luz)

ELE 1
Duas fendas. Isaac Newton estava certo, caralho! Óbvio que sim. Quem aí duvidou do grande Isaac, porra? Aplausos para o grande Isaac! (pausa) Mas espere só um pouco. Não é essa a maluquice descoberta pela ciência que eu tô falando, essa não é a grande parte da história, gente! Segura a bunda nessa cadeira que agora a coisa vai ficar muito mais doida ainda! A grande maluquice que acontece é que as coisas ficam um pouco diferentes se não há ninguém observando. É isso mesmo que você ouviu. Se não houver nenhum ser humano olhando, NENHUM SER HUMANO COMO OBSERVADOR, essas partículas safadinhas de luz agem de forma diferente! Eu tô falando sério. É a física quântica. Duvidam? Peço que todos se virem de costas e vamos fazer o experimento mais uma vez. Por favor, todo mundo. Não pode ficar ninguém olhando. Vamo lá, gente! Mesmo isso aqui sendo ilustrativo, porque somos artistas e não cientistas, vamo entrar no joguinho, vai...

(Ele faz com que todos virem de costas pra máquina)

ELE
Quando não há um observador, quando não há um ser que conteste a forma como a luz deveria agir, ela age do jeito que ela quiser.

(Ele liga a máquina novamente; um raio rápido de luz)

ELE
Podem se virar.

(com a lanterna fluorescente agora a luz agiu como onda e formou várias fendas da parede de trás)

ELE
Shazan! Wingardium Leviossa! (pausa) Tem horas que ela escolhe agir como ondas e tem horas que ela escolhe agir como bolinhas. Obviamente que isso daqui tudo é ilustrativo, é tipo aquelas fotos de bolacha recheada que não se parece muito com a bolacha real, mas tá valendo. Não se esqueçam que vocês vieram ao teatro e não à uma feira de ciência. (apenas com o olhar ele tenta demonstrar o quanto o experimento foi grandioso) Captaram? Conseguiram figurar? Você-move-montanhas. Nós temos a capacidade de mudar e de nos confundir com a realidade ao nosso redor. O observador, seres que olham e julgam, tem total poder sobre o mundo físico. O deus com letra minúscula vive dentro de nós, porque NÓS TODOS SOMOS ELE!

(silêncio; Ele está sem fôlego de tanta empolgação)

ELE
É com esse tipo de coisa que a gente devia estar se questionando em dois mil e dezessete e não a sexualidade de alguém. Isso é tão... tão primitivo... e me ofende... ofende Jesus Cristo que morreu em nome da compreensão das coisas, e da compreensão do outro, e da compreensão de onde está deus e com quem ele tem andado! Há pouco teve aquele negócio da aprovação do ensino religioso nas escolas, se a escola decidir, de uma religião específica, por exemplo. E vamo aqui lembrar que há dois mil e dezessete anos atrás, nós viémos e já morremos exatamente por bater de frente com esses dogmas, com essas tradições infundada, fomos pregados na cruz por bater de frente contra a imposição de dogmas religiosos. E outro acontecimento que me deixou absurdado, foi aquele recente negócio dos psicólogos que querem ter o direito científico de fazer a tal da reversão sexual, das pessoas que a ainda buscam e acreditam que podem ser curado de uma coisa que a própria confederação científica que justamente estuda a mente e o comportamento humano, já entrou em unanimidade na questão de que NÃO, NÃO EXISTE A REVERSÃO SEXUAL. Uma pessoa pode até conseguir se privar de ser o que é, mas não existe essa magia divina. “A gente”, eu digo “nós todos” mesmo, já morremos uma porrada de vezes durante anos e séculos, sobre esse mesmo assunto e isso tudo, esse retrocesso, faz com que esses mártires, nós, um ou outro, ali ou aqui que morremos e fomos violados e espancados, escravizados, dilacerados fisicamente e psicologicamente, e crucificados, e escancalhados, estripados, tenhamos a nossa morte desperdiçada nesse tempo e espaço. Já é hora de a gente aprender que não devemos palpitar sobre a genitália alheia, galera. O que você realmente acha que Jesus te diria se sua preocupação da vida fosse quem você vai amar? Não precisa responder.

(ao invés de ler dessa vez, Ele repete o mesmo final da versão 1, só que falando, finalizando piegas real)

ELE
A total intenção desse espetáculo é levar a real mensagem de Jesus. Eu, como artista, sempre fui muito subversivo nesse assunto. Dessa vez eu quis ser um pouco mais... diplomático. Foi a única forma que encontrei. Única regra: amor ao próximo. Você pode até pensar que a Terra é plana se quiser. Você tem total livre arbítrio pra escolher entre o bem e o mal, de ser de esquerda ou de direita, de concordar e discordar do que quiser. Total liberdade de discordar do Jesus que a gente apresentei aqui. Mas se você acredita naquele Jesus da história cristã, então não tem como discordar do que foi que ele realmente falou, se foi do jeito que contam. “Amai o próximo como a si mesmo”. Porque você é o próximo desse outro aí que tá sentado do seu lado. (pausa) É só isso.

(Ele finaliza o espetáculo ao som de um batidão, fazendo um strip-tease. Ele termina com um espartilho sensual enquanto vemos suas imagens como Jesus no telão)

(dois artistas combinados podem terminar o espetáculo espancando Ele)


FIM