A
CARTA DA MÃE MORTA
PERSONAGENS:
GUILHERME
VITÓRIA
CENA 1
VITÓRIA
ESTÁ ESCREVENDO UMA CARTA SENTADA NUMA MESA. GUILHERME ESTÁ ASSISTINDO A CENA,
EM TOM DE ORAÇÃO. ELA TERMINA A CARTA E SUSPIRA PROFUNDAMENTE SAINDO DE UM
TRANSE.
VITÓRIA
A
quem pertence? (ELA APONTA PARA GUILHERME) Irmão de alma, é pra você.
GUILHERME
Eu?
VITÓRIA
Você.
A carta de hoje é pra você, Guilherme.
GUILHERME
Você
tá falando sério, Vi?
VITÓRIA
Sim.
Venha pegar.
GUILHERME
Minha
mãe ou minha vó?
VITÓRIA
Mãe.
Quer que eu leia ou você prefere ler sozinho?
GUILHERME
Prefiro
ler sozinho.
VITÓRIA
Prudente.
GUILHERME
PEGA A CARTA COM CURIOSIDADE, MAS NÃO ABRE.
GUILHERME
Não
estou querendo parecer um descrente, mas... eu tô com medo...
VITÓRIA
Medo
de quê?
GUILHERME
De
ser algo muito genérico, que talvez não me convença. E a questão é que eu nem
tô aqui buscando prova de nada, cê me entende? Eu nunca quis...
VITÓRIA
Leia
a carta. Depois a gente conversa.
GUILHERME
Eu
não duvido que você consiga fazer essas paradas, entende, Vi? Não é isso. É que
só deus sabe o quanto eu questiono a vida em busca de clareza. E se tem uma
coisa que eu nunca fiz questão foi de prova. Eu sempre pedi nas minha orações
só por explicação lógica, não prova. (PAUSA) E se essa carta me sucumbir na fé
pro lado negativo? Eu gosto de vir aqui. Justo agora? Por que agora?
VITÓRIA
Leia
a carta, Gui.
GUILHERME
Eu
tô com medo... que atrapalhe o bom momento que eu tô vivendo.
VITÓRIA
Então
me dá aqui. (ELA TIRA A CARTA DA MÃO DELE)
GUILHERME
Não!
Tá bom!
VITÓRIA
PICOTA A CARTA.
GUILHERME
Não!
VITÓRIA
Não
quer ver, não veja. Talvez a sua fé seja mais forte do que a da maioria da
população, porque nem de evidência você precisa, de tanta fé que há dentro
desse seu ser!
GUILHERME
Não.
VITÓRIA
Pronto.
GUILHERME
É
sério que você faz isso com as pessoas?
VITÓRIA
Eu
tento ajudar as pessoas nas suas questões. Qual foi a questão que você trouxe
pra mim? Seu problema com a prova.
GUILHERME
Eu
estava dizendo que talvez se não fosse uma carta muito específica até minha mãe
saberia que eu não acreditaria e que isso mudaria a visão que eu tenho de você,
Vitória! A visão que eu tenho de tudo isso! Justo agora que tava tudo
caminhando bem!
VITÓRIA
Cara,
você nem leu a carta. E até eu sei que você não acreditaria se não fosse muito
específica.
GUILHERME
Exatamente!
E se eu lesse e achasse que foi coisa muito óbvia que pudesse valer pra todo
mundo que perdeu a mãe? Você me conhece, Vitória, não é difícil acertar algumas
coisas óbvias! Eu não quero parecer um descrente, você sabe que eu boto fé
nessas coisas, mas o pai da dúvida habita em mim... e oras, você é um ser
humano feito eu, às vezes a gente se confunde tanto de propósito, mesmo que sem
malícia, como inconscientemente.
VITÓRIA
Eu
entendo o seu questionamento, Gui. Mas eu não ganho nada com isso aqui...
GUILHERME
Ganha
sim, ganha uma autoridade sim, um poder de voz pelo menos aqui dentro.
VITÓRIA
Tá,
tudo bem. Eu não estou tentando te confortar em nada, eu não sei explicar como
essas cartas chegam à mim. Você me conhece um pouco, eu não estou tentando
enganar você.
GUILHERME
Eu
sei que não, Vi. Eu sei que não. O que eu digo é que, e se é sua mente que está
enganando nós dois?
SILÊNCIO.
GUILHERME
De
qualquer forma agora você já destruiu a carta. Eu acho... até melhor eu viver
nessa dúvida.
VITÓRIA
Bom,
como eu sabia que você daria esse show existencialista, eu guardei a original e
te entreguei uma cópia.
GUILHERME
O
que?!
VITÓRIA
Tome.
(ENTREGA A CARTA ORIGINAL) Essa vem com a letra da sua mãe, acredito. Se tudo
der certo.
GUILHERME
Sua
lazarenta.
BLACK-OUT.
CENA 2
GUILHERME
LÊ A CARTA EM UM FOCO.
GUILHERME
“Filhinho
amado. (ELE VIRA OS OLHOS EM REPROVAÇÃO) Cada nano segundo longe de você parece
uma eternidade. Saiba que eu estive olhando pelos seus caminhos e sei que você
está conseguindo encontrar as respostas que buscava. Cuidado para não crer sem
evidência; aquilo que parece ser bom, nem sempre é a verdade. Há um nirvana,
filhinho, mas você não vai alcançá-lo com as drogas; lembre-se que eu tentei e
ando tentando ainda. Estar aqui é quase como estar aí. Não se preocupe tanto
com coisas simples. O sol nasce e o se põe e pronto. Às vezes é mais fácil
aceitar do que ficar buscando por uma resposta que não mudará muita coisa
porque o sol ainda estará nascendo e se pondo você buscando o porquê ou não.
Não é um incentivo pra você se manter ignorante, é só pra tentar encontrar a
paz nessa busca também, como prioridade ainda. Resposta certa em agonia serve
de quê? Tenha juízo e aprenda logo a lidar com o dinheiro, não deixe a
preocupação te dominar. Viva. Beijinhos de sua mamãe.” (PAUSA) Porra, que
sermão consciente, bicho. Porém...
VITÓRIA
ATRAVESSA O PALCO.
GUILHERME
Vitória!
VITÓRIA
Oi,
Gui.
GUILHERME
Podia
trocar uma palavrinha?
VITÓRIA
Eu
sei o que você vai dizer. Se puder resumir... eu entendo.
GUILHERME
(PAUSA)
Eu não acho que você seja uma farsa. Te juro que não acho que você esteja
abusando da minha boa vontade, que tenha sido na malícia. Eu entendo a boa
intenção, juro por deus. Mas eu acho que a carta é um sermão seu.
VITÓRIA
Entendo...
GUILHERME
Calma,
deixa eu te explicar. Assim, eu sei que você tem essa parada de conversar com
os mortos...
VITÓRIA
Eu
sei tudo o que você vai falar.
GUILHERME
Você
sabe porque vê o futuro? Porque tá lendo a minha mente?
VITÓRIA
Eu
sei só porque é óbvio. É essa a parada que eu tenho, Gui. Eu saco, saca?
GUILHERME
Não
saco.
VITÓRIA
(SILÊNCIO)
Eu não consigo ilustrar pra você. Ou dar um exemplo que faça você entender. Eu
só digo que as coisas estão além da nossa compreensão de percepção da
realidade, entende? A gente sabe como é a sensação de ser um ser humano só,
conscientemente. O que existe no inconsciente é onde habita o que você e nós
aqui chamamos de espírito. Mas espírito não é como você imagina e é difícil
ilustrar precisamente uma coisa que se sente, sabe? Manja uma frequência de
rádio? É o mais próximo que eu consigo chegar, mas ainda assim é muito
distante.
GUILHERME
Você
é muito boa nisso, cara.
VITÓRIA
Desculpa,
Gui.
GUILHERME
Eu
que peço desculpas por fazer o papel do incrédulo. Me entenda...
VITÓRIA
Eu
entendo.
GUILHERME
Minha
mãe sempre deixava a letra de alguma música que ela inventava nos bilhetes. Em
tudo ela escrevia um trecho de uma música que depois ela cantava pra gente.
VITÓRIA
Gui,
quando a gente desencarna a gente muda. Outras coisas são prioridades. Volta ao
consciente toda a bagagem de outros tempos, que está gravado na memória do
espírito. Não é a sua mãe, exatamente, sua mãe, com aquele nome, com aquele
rosto, com aquela história de ser a sua mãe e artista e tudo o mais, aquela
morreu. Ela faz parte do todo agora. Ao mesmo tempo que ela está aí dentro da
sua cabeça quando você lembra ou você imagina e sonha com ela, ela está em cada
nano partícula de todo o espaço, como espírito, como uma onda. Ao mesmo tempo
que individual parte de um todo, ao mesmo tempo que consciente de sua
existência individual consciente também que é um só. Eu ouvi a voz de uma
mulher que se apresentou como sua mãe, Gui. É isso que eu sei. Você reconhece a
letra dela?
GUILHERME
Eu
não lembro da letra dela. Eu tinha doze anos. (PAUSA) Eu sinto... eu sinto que
poderia ser você me falando as mesmas coisas que estão na carta, é isso.
VITÓRIA
Bom,
se não te serviu como prova funcionou do jeito que você queria. Eu não tenho
que te provar nada aqui, eu não sobrevivo às custas do centro.
GUILHERME
Por
um sentimento que você acha ser altruísta, talvez. Mas... desculpe. Desculpe,
desculpe. Você sabe o quanto eu sou confuso. Eu só não entendo por que você
teve de fazer isso agora? Eu tava bem, tava tudo fluindo, tava confortável do
jeito que tava...
VITÓRIA
Provas.
Provações.
VITÓRIA
SAI.
GUILHERME
Talvez
ela seja uma boa manipuladora só. Talvez o dom da manipulação seja o que a
gente chama de mediunidade! Mas manipular as pessoas nesse sentido pra qual
razão? Ela não ganha nada com isso. (PAUSA) O instinto de querer ajudar. Pode
não ser por malícia, por maldade. Não. Não é por mal. Mas não me fez bem
também. Cara, caralho, eu não duvido da possibilidade de ser real, eu acredito
nessas paradas pra cacete, mas ao mesmo tempo eu duvido da honestidade das
pessoas, é isso. Eu duvido da honestidade das pessoas e não da ideia. Eu não
sou um incrédulo. (PAUSA) Mãe, se você pode me ouvir, eu nunca precisei ou
busquei uma mensagem sua, você sabe disso, não é por isso que eu gostava de ir
no centro, eu nunca quis isso. Se você enviou aquela carta você havia de saber
que seria difícil me convencer, e que até poderia me atrapalhar se a verdade é
realmente essa. Você me conhece mais do que ninguém. E se não foi você então
mais ainda que eu preciso da sua ajuda agora, porque eu acredito que há uma
obrigação moral de a gente se unir pra desmascarar uma mentira que mancha o nome
do espiritismo. O que você me diz, mãe? Não seria uma obrigação? Eu sinto. Você
sempre me falava das intuições. É uma delas o que eu tô sentindo agora.
GUILHERME
SENTE UM SONO PROFUNDO REPENTINAMENTE. VITÓRIA ENTRA TOCANDO UM VIOLÃO.
GUILHERME BOCEJA E COÇA OS OLHOS.
GUILHERME
Nossa.
O que significa isso? Vocês ouvem? Vocês tão ouvindo essa música? Minha mãe
escrevia músicas quando era viva. É uma coisa específica que talvez teria me convencido
de primeira. Seria mais fácil de reconhecer...
GUILHERME,
NUM LEVE TRANSE, VAI ATÉ UM MICROFONE.
GUILHERME
Ele sou eu, ele me deu
Me deu meu filho
Me concebeu
Um menininho que sozinho
Me ensinou onde estava o
amor
Amor de deus
Pra onde eu vou?
Hoje eu te empurro desse
ninho
Vai voar, meu passarinho
Se cair estarei longe
Mas assoprarei mesmo assim o
seu dodói
Você não é mais o centro
quando carne se tornou
Menino egocêntrico não
responde ao deus senhor
Às vezes perder a luta é
vencer na contra mão
Aceite a história do seu
irmão de alma
O nome disso é comunhão
Nessa imensa sala de aula
sideral
Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal
Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal
VITÓRIA
SAI E GUILHERME ACORDA DO TRANSE.
GUILHERME
Jesus,
pai amado. Que caralho foi isso?
BLACK-OUT.
CENA 3
VITÓRIA
ESTÁ EM MEDITAÇÃO.
VITÓRIA
Pai,
eu não peço mais compreensão, eu peço paz. Não que eu tenha chegado no limite
da sabedoria, muito longe disso. Mas acho que daqui por diante eu posso me
atrapalhar na linha da sanidade e eu estou confortável aqui. Você sabe o quanto
eu duvidei de mim mesma durante todo esse tempo. Dom? Maldição? Não me parece
uma coisa tão surreal como as pessoas pensam, porque, oras, essa é a vida que
eu conheço desde sempre, eu só posso saber do que eu sei! E mesmo assim o pai
da dúvida também me atentou, você sabe disso, é você que guia essa harmonia, eu
sei. Ao mesmo tempo que eu quero evoluir pro nível seguinte, pai, não sei se é
coisa do orgulho, mas eu tenho... eu tenho medo do passo seguinte, de como ele
virá, de quem ele virá, com qual resposta ele virá. E se essa resposta ainda
desbanca a minha resposta! (PAUSA) Talvez chegue uma hora de simplesmente
passar o bastão. Faz muito tempo que a gente tem feito esse trabalho junto,
pai, eu sei. Mas é onde as pessoas me escutam, onde algumas pessoas me dão
algum propósito. Vai ser complicado passar adiante assim sem mais nem menos.
(PAUSA) Eu entendo.
SILÊNCIO.
VITÓRIA VAI ATÉ UM ESPELHO E SE ENCARA.
VITÓRIA
É
você mesmo ou sou eu? (PAUSA) É você. Ou sou eu.
BLACK-OUT.
CENA 4
GUILHERME
ESTÁ COM O VIOLÃO E UM CADERNO TENTANDO LEMBRAR DA LETRA DA MÚSICA EM
PENSAMENTO.
GUILHERME
Cara...
tá na ponta da língua. “Paz que acalma a alma sua, e a dela também, é a
principal...” Não. Cacete. Sideral. (ANOTA) Eu sei que as palavras estão aí em
algum lugar. Tem espaço pra porra aí dentro, eu tô ligado! Vamo, vamo! “Paz que
acalma a alma dela, e que acalma a sua...” (REFLETE NA MENSAGEM) Cacete.
VITÓRIA
ENTRA.
VITÓRIA
Gui!
GUILHERME
Vitória!
VITÓRIA
Cê
pode trocar uma palavrinha?
GUILHERME
Claro.
VITÓRIA
Fazendo
música?
GUILHERME
Tive...
uma inspiração.
VITÓRIA
Eu
nem sabia que você tocava.
GUILHERME
Minha
mãe me ensinou um pouco, mas... eu parei de praticar depois.
VITÓRIA
Entendi.
SILÊNCIO.
GUILHERME
Você
ia dizer alguma coisa?
VITÓRIA
Ah,
sim. É... eu sinto... Eu venho pensando... se a gente poderia passar um tempo
junto. Só pensado nisso. (BRINCA) Não é o que você tá pensando, a gente não tem
química pra brincar de casal, não insista.
GUILHERME
Eu
insistir?
VITÓRIA
Só
porque somos um homem e uma mulher não significa que precisa ser uma relação de
amor.
GUILHERME
De
amor tem que ser sim. Talvez não precise de sexo, mas uma relação que não seja
de amor tem qual propósito?
VITÓRIA
(SURPRESA)
Esse é o motivo. Eu quero passar mais tempo com você porque... tem uma coisa em
você. Eu vejo desde que você entrou no centro lá daquela vez, que tem uma coisa
em você?
GUILHERME
Você
diz um enconsto?
VITÓRIA
Não.
O contrário disso. Na verdade, depende do ponto de vista!
GUILHERME
Ladainha,
Vitória, fala logo!
VITÓRIA
Eu
acho que você também tem um tipo de mediunidade. Eu sinto isso em você. Eu
sempre soube.
SILÊNCIO.
GUILHERME FICA CURIOSO, PENSANDO NA MÚSICA. INSTANTANEAMENTE ELE TERMINA O
TRECHO QUE FALTAVA, PEGA O VIOLÃO E CANTA PARA VITÓRIA.
GUILHERME
Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal
Paz que acalma a alma dela
Tanto quanto a sua
É a lição de casa principal
VITÓRIA
Você
canta bem, Gui.
GUILHERME
Mãe.
VITÓRIA
O
que foi isso?
GUILHERME
Mãe.
SILÊNCIO.
VITÓRIA
Você
tá dizendo que...
GUILHERME
Sim,
acho que sim.
VITÓRIA
SORRI E ABRAÇA GUILHERME.
GUILHERME
Desculpe
ter desconfiado de você.
VITÓRIA
TENTA SORRIR, MAS DESABA.
VITÓRIA
Desculpe,
desculpe!
GUILHERME
O
que foi, Vi? Eu disse alguma coisa?
VITÓRIA
Não.
Eu quero pedir perdão. Eu nunca pretendi fazer o mal pras pessoas. Mas... eu
acho que eu fiz. Eu acho que eu fiz, eu acho que eu fiz! Agora eu entendo.
GUILHERME
Vi,
calma!
VITÓRIA
Eu
não posso afirmar com cem por cento de certeza que foi a sua mãe quem escreveu
aquela carta, Guilherme. Eu escuto, eu quero acreditar, eu busquei uma resposta
pro que eu sentia que acontecia comigo e por fim eu aceitei a resposta que mais
bateu. Simples assim! E... eu não tenho certeza. Pode ser coisa da minha
cabeça...
GUILHERME
Como
pode ser real também.
VITÓRIA
Sim,
pode ser real, mas pode ser que não seja! Pode ser que eu seja louca! Pode ser
que meu instinto seja manipulador!
GUILHERME
Vitória,
mesmo se você manipula as pessoas pra coisas boas por que isso deveria ser
ruim?
VITÓRIA
Porque
pode ser tudo mentira! Pode ser mentira, Guilherme! Existe mentira boa? Fala
pra mim. Existe mentira boa?
GUILHERME
Talvez
até exista. Se eu sei que uma verdade pode te magoar eu acho justo a mentira.
VITÓRIA
Sou
eu quem decido se a verdade me magoa ou não.
GUILHERME
Sou
eu quem decido se eu quero te fazer passar por essa provação ou não.
SILÊNCIO.
VITÓRIA
Seu
lazarento. Você é bom. Eu estou meio desesperada porque eu sinto que está na
hora de eu passar meu bastão.
GUILHERME
Como
assim?
VITÓRIA
Eu
estou saturada. A gente precisa evoluir, eu sei disso. E na lição de casa da
vida a parte principal é saber querer aprender. Saber querer aprender.
GUILHERME
A
paz que acalma a alma também.
VITÓRIA
Eu
vou encontrar essa paz. Eu preciso parar. Parar e refletir um pouco. Eu não
posso liderar uma igreja vivendo com essa dúvida.
GUILHERME
O
que você tá falando, Vi? Todo mundo precisa de você.
VITÓRIA
Todo
mundo quem?
GUILHERME
Eu,
todo mundo lá! Você tem um dom, Vitória, eu já vi o que você fez pras pessoas,
pra mim! Cara, agora eu sei que foi a minha mãe.
VITÓRIA
Foi
a sua mãe que falou com você, por causa de uma mentira minha!
GUILHERME
Pois
veja outro exemplo de uma mentira boa, Vitória! Tá aí!
SILÊNCIO.
VITÓRIA
Isso
é não é certo, Gui.
GUILHERME
Foi
certo pra mim. Vou te confessar. Eu pedi ajuda da minha mãe, quase exigindo
justiça contra sua mentira. É sério. Eu sei que aquela carta pode ter saído da
sua cabeça, Vitória, é tudo muito genérico o que você escreveu. Eu já sabia.
VITÓRIA
Ela
saiu da minha cabeça mesmo. Eu sei.
GUILHERME
No
fim das contas, Vitória, minha mãe me trouxe um outro ensinamento. E pode ser
que seja coisa da minha cabeça também! Mas me pareceu no mínimo pertinente. A
justiça não é a pauta principal, não depende de nós conscientemente. Eu acho
que a nossa missão é trabalhar a paz. Eu não posso viver em paz se você não
estiver em paz também. Eu não posso ser a pessoa que vai desbancar a sua
mentira pelo meu simples ego em nome da justiça, não se isso não faz mal pra
ninguém. Eu não posso ter como propósito destruir o seu propósito! Você não
está fazendo mal nenhum, você sabe que faz o bem pras pessoas, e fazendo o bem
você faz bem pra você mesma. Por que diabos eu faria o papel de destruidor
disso?
VITÓRIA
Porque
é mentira.
GUILHERME
(LÊ)
“Você não é mais o centro quando carne se tornou
Menino
egocêntrico não responde ao deus senhor
Às
vezes perder a luta é vencer na contra mão
Aceite
a história do seu irmão de alma
O
nome disso é comunhão
Nessa
imensa sala de aula sideral
Paz
que acalma a alma dela
Tanto
quanto a sua
É
a lição de casa principal”
SILÊNCIO.
VITÓRIA
Gui,
essa é a mensagem pra você. A minha paz agora é refletir sobre tudo isso.
Alguém vai precisar tomar conta do centro. Eu posso ajudar na burocracia até
você pegar o jeito, eu vou estar sempre ali com você mesmo que de longe, sempre
que precisar...
GUILHERME
Vitória,
pelo amor de deus, eu não posso assumir um negócio assim. Você tá falando
sério?
VITÓRIA
Você
não quer? Se você não quiser eu passo pra Antônia, ela está mais preparada
mesmo, tá até esperando o momento dela, ela e o marido...
GUILHERME
Não.
É que... é sério mesmo?
VITÓRIA
Sim.
Eu acho realmente que tinha que ser você.
GUILHERME
Por
que?
VITÓRIA
Porque
não sei.
GUILHERME
(PAUSA)
Você está decidida mesmo, né?
VITÓRIA
Não
sei. Se der na telha eu volto. Eu preciso de um tempo. Eu sei que você pode
fazer um trabalho melhor que o meu, se quiser. Eu vou visitar a minha mãe. Mãe.
Entende?
GUILHERME
Entendo.
VITÓRIA
Escute,
nosso centro é bastante independente, mas tem alguns ritos que eu vou passar
pra você, você já conhece a maioria.
GUILHERME
Menina.
Calma. Não é assim...
VITÓRIA
Gui,
se você acha que não consegue, a Antônia é super gente boa, e o marido... mais
ou menos, mas...
GUILHERME
Tá.
Espera. Tá bom.
VITÓRIA
Tá
bom?
GUILHERME
Menina,
mas como eu vou passar confiança com as minhas dúvidas, Vitória?
VITÓRIA
As
suas dúvidas é a exata benção que deus te deu, Guilherme. É a benção que você
passou pra mim, repare! É a benção que você passou pra mim. A benção da dúvida.
GUILHERME
Benção?
VITÓRIA
Benção.
SILÊNCIO.
VITÓRIA
Obrigada,
Gui. Eu já sabia que você estava disposto a me ajudar. Eu sempre soube.
GUILHERME
Porque
você prevê o futuro, né?
VITÓRIA
(RI)
Exato. Eu já sei de tudo e mais um pouco.
ELES
RIEM. VITÓRIA ABRAÇA GUILHERME E SAI. GUILHERME FICA POR UM TEMPO PENSATIVO;
ELE PEGA UM COPO COM WHISKY.
GUILHERME
Você
ter a responsabilidade e voz para transmitir uma ideia tanto de conforto como
respostas absolutas para certas coisas, é necessário adquirir um nível
espiritual e de moralidade à frente da média. Porque para domar um poder, é
necessário estar pleno e em profunda harmonia com o todo. Não se pode manter
egoísmos e até mesmo o prazer da carne pode atrapalhar, se você pretende-se
dizer um líder espiritual. Pode dar uma grande merda você aceitar ser pastor,
porque se você for um influenciador bosta você criará ovelhas bostas. Vejamos,
por exemplo uma pessoa que não sabe lidar bem com o dinheiro. Ela pode ser uma
boa pessoa, essa pessoa. Ela pode ter algum tipo de poder divino e mesmo assim
não saber lidar com honestidade na área financeira, por exemplo. (PAUSA)
Dinheiro sempre foi uma prova na minha vida. Eu aprendi a conversar com os
mortos, oras, as pessoas pagam por isso, e pagam bem pra ouvir o filhinho morto
falar umas palavras óbvias de consolação! Sobreviver às custas de um dom de
deus pode ser considerado pecado? (COM MALÍCIA) Deus acaba de me responder aqui na minha cabeça
de que está tudo muito bem.
BLACK-OUT.
FIM